Barrados no baile
A eugenia e o imigrante ideal no Estado   Novo
GUILHERME   BRENDLER
RESUMO 
Estrangeiros interessados em vir ao Brasil entre 1941 e 1945   enfrentaram os rígidos critérios do Serviço de Visto. Negros, japoneses e   judeus, assim como idosos e deficientes, não estavam nos padrões estabelecidos.   Em livro, historiador disseca os arquivos do órgão e aponta as incoerências da   política imigratória do período.
As autorizações de visita e de permanência de estrangeiros no   Brasil sempre estiveram sob a tutela do Ministério das Relações Exteriores.   Durante o Estado Novo, entre 1941 e 1945, a demanda esteve a cargo da pasta da   Justiça, sendo o único momento na história da República que a atribuição não   esteve no âmbito do Itamaraty.
Naquele momento, milhares de pessoas fugiam da perseguição nazista   na Europa. Por sua vez, o Brasil esperava receber levas imigratórias para ocupar   os "imensos vazios populacionais do território nacional", ou seja, o campo.
O governo brasileiro restringia a entrada de estrangeiros,   especialmente de judeus, japoneses e negros. Ao mesmo tempo, buscava facilitar a   vinda de portugueses e, inclusive, de suecos. As leis de imigração no Brasil   foram calcadas na teoria eugênica, criada no fim do século 19 pelo britânico   Francis Galton, influenciado pela teoria evolucionista de Charles Darwin.
No começo do século 20, a eugenia tinha status de ciência e foi   praticada por Estados que buscavam "aperfeiçoar" a raça humana por meio de   seleção artificial. Com a utilização desses conceitos no projeto de   "purificação" nazifascista, caiu em desuso.
"[Getúlio] Vargas e parte das elites brasileiras estavam   convencidos de que a composição étnica 'não branca' de boa parte dos brasileiros   explicaria o atraso e as dificuldades do país", escreve o historiador Fábio   Koifman em "Imigrante Ideal: o Ministério da Justiça e a Entrada de Estrangeiros   no Brasil (1941-1945)" [Civilização Brasileira, 446 págs., R$ 49,90]. A obra   -com ajustes e revisões- é a tese de doutorado defendida por Koifman na UFRJ em   2007 sob o título "Porteiros do Brasil".
Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro,   Koifman, 48, analisou os 1.919 documentos remanescentes do Serviço de Visto,   órgão responsável pela análise de pedidos e renovação de vistos entre 1941 e   1945.
Koifman traz a público a influência da teoria eugênica   norte-americana no pensamento do ministro Francisco Campos, redator da lei que   pretendia selecionar os imigrantes afim de "melhorar" a composição étnica do   povo brasileiro.
Por telefone, Koifman concedeu à Folha a seguinte   entrevista.

Folha - Quais eram as características do pensamento eugenista   no Brasil?
Fábio Koifman - A ideia mais importante para os homens de governo   era selecionar a imigração de modo a "melhorar" a composição étnica do povo   brasileiro. O ministro Francisco Campos, um dos inspiradores intelectuais do   Estado Novo, era influenciado pelos fascismos português e italiano, mas a   legislação de imigração foi calcada na teoria eugênica norte-americana. Ao longo   dos anos, a eugenia passou a ser incorporada no discurso político   brasileiro.
Como o sr. descobriu essa influência no pensamento de   Campos?
Encontrei a documentação de elaboração do Decreto-Lei 3.175, de   1941, que passa o poder de decisão de concessão dos vistos do Ministério das   Relações Exteriores para o Ministério da Justiça.
É um processo que não chegou a conhecimento público e é nele que o   Francisco Campos explica para o Vargas por que o Brasil deveria restringir a   imigração. No texto, ele cita diversos autores americanos.
O seu livro contrapõe a teoria de alguns historiadores, como o   americano Jeffrey Lesser, que defendem a ideia de que a lei foi flexibilizada   durante esse período.
A ciência só avança quando os trabalhos acadêmicos são   questionados. O Lesser é um grande interlocutor, mas ele tem a visão de que aqui   as leis não foram aplicadas. Ele gosta de falar em negociação, um termo   importado da antropologia. Para ele, houve negociação da entrada e da   permanência no país.
Mas os documentos do Serviço de Visto mostram que essa negociação   não existiu. A lei foi, sim, aplicada, e a maleabilidade estava condicionada à   origem do imigrante. Os homens de governo pensavam que o problema do   desenvolvimento brasileiro estava relacionado à má formação étnica do povo.   Achavam que trazendo "bons" imigrantes -brancos que se integrassem à população   não branca- o Brasil em 50 anos se transformaria em uma sociedade mais   desenvolvida.
A restrição a estrangeiros não começou com a Constituição de   1934?
Em 1934, os eugenistas estavam bem organizados, fizeram lobby e   conseguiram a aprovação de artigos baseados na teoria eugênica. Achavam a   imigração japonesa perigosa e, sutilmente, foi institucionalizado um sistema de   cotas para cada nacionalidade. Mas o cálculo dessa cota foi manipulado para   restringir os japoneses.
A partir do Decreto-Lei 3.010, de 1938, a pessoa que solicita o   visto tem que se apresentar pessoalmente ao cônsul para que o diplomata veja o   candidato e relate se é branco, negro, se tem alguma deficiência física etc.
O que acontecia ao diplomata que não detalhasse essas   informações?
A orientação para o cumprimento da legislação dizia que   independente de quem fosse o solicitante, "quando se tratar de judeus e de   indivíduos não pertencentes à raça branca, a autoridade consular fará menção   dessa circunstância".
A legislação expressou que "não será aposto o visto se o   estrangeiro [...] for aleijado ou mutilado, inválido, cego, surdo e mudo." Caso   não o fizesse, o desembarque poderia ser impedido pela polícia marítima com as   autoridades sanitárias.
Dependendo da gravidade atribuída à falta, uma decisão direta de   Vargas poderia determinar na instauração de inquérito administrativo junto ao   Departamento de Administração do Serviço Público ou até a demissão sumária do   infrator.
Relato alguns casos no meu livro anterior, "Quixote nas Trevas",   [Record, 504 págs., esgotado], como o do embaixador Souza Dantas, que sofreu   inquérito com dois cônsules, Eduardo Porto Osório Bordini e Antônio Porciuncula.   Outros casos serão relatados em meu próximo trabalho.
Como o Brasil procedeu quando começaram chegar os refugiados do   nazismo?
Não só judeus, mas outras pessoas estavam fugindo da iminência da   guerra. Quando perseguidos políticos começam a sair da Europa, há um aumento da   demanda nos consulados. Aí a política imigratória brasileira começou a se voltar   contra eles.
Existiam outras atribuições negativas à vinda de judeus na Era   Vargas. Quais eram?
Uma delas era que os judeus só se dedicavam a atividades urbanas,   ao pequeno comércio. Mas, num determinado momento, fica óbvio que eram as mesmas   atividades às quais os portugueses se dedicavam no Brasil, contradição apontada   pelo próprio ministro Francisco Campos, e pelo seu assessor, Ernani Reis.
Mas o Vargas e outras pessoas apoiavam a imigração portuguesa. Ele   pensava que, mesmo o português se dedicando a atividades urbanas e ao serviço   público, eram bons imigrantes porque eles se casavam com não brancos.
Os judeus, e intelectuais europeus, deixavam o governo incomodado   porque poucos meses depois de chegar ao Brasil já publicavam nos jornais com   enorme erudição e trazendo ideias contestadoras.
Qual a principal diferença da política imigratória brasileira   para a dos demais países nesse período?
Também fizeram restrições, mas não seguiam interessados em atrair   imigrantes. Já o Brasil restringia não brancos, aleijados, cegos, velhos,   crianças com deficiências físicas e mentais, mas, ao mesmo tempo, tinha   interesse em receber imigrantes para ocupar o campo.
Alguns defendiam que os portugueses eram excelentes por serem   católicos, vinham de um país que estava sob uma ditadura e falavam o mesmo   idioma. Agora, e os suecos? Mostro os poucos casos de suecos que vieram parar   aqui. Um deles não queria permanecer no Brasil, mas trataram de regularizar a   permanência dele. Ele passou mal durante uma viagem, desembarcou para se cuidar   e os camaradas já estavam tratando do visto dele. Os suecos são o maior exemplo   da bandeira da eugenia.
Analisei diversos casos de pessoas que tinham todas as condições   de emigrar, que apresentaram todos os diplomas e documentos necessários, mas aí   vinham diversas medidas protelatórias e pareceres que dificultavam a entrada do   imigrante quando não o desejavam.
O seu livro ressalta a importância de um funcionário lotado no   Serviço de Visto, Ernani Reis, do segundo escalão e totalmente ignorado pela   historiografia.
Ele era um intelectual culto e preparado. A maioria dos processos   do Serviço de Visto possui informações relativas ao solicitante ou solicitantes   do pedido e um parecer jurídico. O autor de todos esses pareceres é um só:   Ernani Reis.
Os textos eram dirigidos ao ministro da Justiça que, salvo raras   exceções, seguia a opinião de Reis. Com a ocupação da pasta por Alexandre   Marcondes Filho, a partir de 1942, não só esses pareceres como as exposições de   motivos no assunto, assinadas pelo ministro e dirigidas a Vargas, também   passaram a ser redigidos por Reis.
Não é possível estudar o tema sem analisar o trabalho dele, que se   tornou referência no assunto. O primeiro escalão se baseava na opinião do Ernani   Reis para a tomada de decisões.
Como e por que o órgão foi criado?
O Serviço de Visto não foi criado por decreto. Ele existiu, tinha   papel timbrado e tudo, mas não foi instituído formalmente. A verba vinha de   outros órgãos.
Foi criado para isolar seus técnicos e tomar as decisões de forma   puramente técnica e fria. Eles achavam mais fácil negar o visto do que ter de   decidir no porto.
O governo brasileiro sofreu pressão de outros países para   flexibilizar a entrada de estrangeiros?
De forma sistemática. Especialmente do Reino Unido e dos EUA. Eles   queriam que o país recebesse mais refugiados. Há diversos casos emblemáticos,   como o de uma senhora que vivia na Alemanha e que perdeu a cidadania polonesa   porque era de origem judaica. Quando chegou ao Brasil não a deixaram   desembarcar. Voltou para Portugal, não deixaram também.
Ela fez três vezes a viagem até que ficou presa na Ilha das   Flores, no Rio, porque o navio era do Lloyd Brasileiro e essas viagens estavam   dando prejuízo para a companhia.
Ficou mais de um ano na Ilha das Flores. Queriam reembarcá-la, mas   nenhum país iria recebê-la. Até que o ministro entrou em férias e o interino   implorou ao Vargas. Só assim ela conseguiu sair da ilha e entrar no Brasil.Os   judeus, e intelectuais europeus, deixavam o governo incomodado porque poucos   meses depois de chegar ao Brasil já publicavam nos jornais com enorme erudição e   trazendo ideias contestadoras.
Qual a principal diferença da política imigratória brasileira   para a dos demais países nesse período?
Também fizeram restrições, mas não seguiam interessados em atrair   imigrantes. Já o Brasil restringia não brancos, aleijados, cegos, velhos,   crianças com deficiências físicas e mentais, mas, ao mesmo tempo, tinha   interesse em receber imigrantes para ocupar o campo.
Alguns defendiam que os portugueses eram excelentes por serem   católicos, vinham de um país que estava sob uma ditadura e falavam o mesmo   idioma. Agora, e os suecos? Mostro os poucos casos de suecos que vieram parar   aqui. Um deles não queria permanecer no Brasil, mas trataram de regularizar a   permanência dele. Ele passou mal durante uma viagem, desembarcou para se cuidar   e os camaradas já estavam tratando do visto dele. Os suecos são o maior exemplo   da bandeira da eugenia.
Analisei diversos casos de pessoas que tinham todas as condições   de emigrar, que apresentaram todos os diplomas e documentos necessários, mas aí   vinham diversas medidas protelatórias e pareceres que dificultavam a entrada do   imigrante quando não o desejavam.
O seu livro ressalta a importância de um funcionário lotado no   Serviço de Visto, Ernani Reis, do segundo escalão e totalmente ignorado pela   historiografia.
Ele era um intelectual culto e preparado. A maioria dos processos   do Serviço de Visto possui informações relativas ao solicitante ou solicitantes   do pedido e um parecer jurídico. O autor de todos esses pareceres é um só:   Ernani Reis.
Os textos eram dirigidos ao ministro da Justiça que, salvo raras   exceções, seguia a opinião de Reis. Com a ocupação da pasta por Alexandre   Marcondes Filho, a partir de 1942, não só esses pareceres como as exposições de   motivos no assunto, assinadas pelo ministro e dirigidas a Vargas, também   passaram a ser redigidos por Reis.
Não é possível estudar o tema sem analisar o trabalho dele, que se   tornou referência no assunto. O primeiro escalão se baseava na opinião do Ernani   Reis para a tomada de decisões.
Como e por que o órgão foi criado?
O Serviço de Visto não foi criado por decreto. Ele existiu, tinha   papel timbrado e tudo, mas não foi instituído formalmente. A verba vinha de   outros órgãos.
Foi criado para isolar seus técnicos e tomar as decisões de forma   puramente técnica e fria. Eles achavam mais fácil negar o visto do que ter de   decidir no porto.
O governo brasileiro sofreu pressão de outros países para   flexibilizar a entrada de estrangeiros?
De forma sistemática. Especialmente do Reino Unido e dos EUA. Eles   queriam que o país recebesse mais refugiados. Há diversos casos emblemáticos,   como o de uma senhora que vivia na Alemanha e que perdeu a cidadania polonesa   porque era de origem judaica. Quando chegou ao Brasil não a deixaram   desembarcar. Voltou para Portugal, não deixaram também.
Ela fez três vezes a viagem até que ficou presa na Ilha das   Flores, no Rio, porque o navio era do Lloyd Brasileiro e essas viagens estavam   dando prejuízo para a companhia.
Ficou mais de um ano na Ilha das Flores. Queriam reembarcá-la, mas   nenhum país iria recebê-la. Até que o ministro entrou em férias e o interino   implorou ao Vargas. Só assim ela conseguiu sair da ilha e entrar no Brasil.
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Fabrício Augusto   Souza   Gomes
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      **Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO   BRASIL e tão-somente  HISTÓRIA DO BRASIL.  Discussões sobre a situação   atual: política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros   fóruns mais apropriados para tais   questões.
Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
  
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