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domingo, 27 de junho de 2010

GEHB ** Negras raízes

 

Fonte: Diário Catarinense 26 de junho de 2010 | N° 8848 HISTÓRIA

Negras raízes

Grupo da UFSC procura desvendar presença de africanos na Ilha de Santa Catarina entre o final do século 18 e começo do 19

Pouco se sabia sobre a presença de africanos no cotidiano da Ilha de Santa Catarina entre o final do século 18 e o início do século 19. Essa situação vem mudando a partir de uma relevante pesquisa coletiva envolvendo professores e alunos do curso de História da UFSC, que estão desvendando a presença de africanos, tanto escravos quanto libertos, na economia e na vida da Ilha de Santa Catarina. O estudo, coordenado pela professora Beatriz Gallotti Mamigonian, teve financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

No trabalho, o grupo busca avançar em relação a pesquisas anteriores que denunciam a invisibilidade do negro e se preocupam em demonstrar sua presença em Santa Catarina. Um dos principais objetivos da investigação é quantificar e qualificar a presença de africanos no litoral catarinense. Para isso, é preciso dialogar com trabalhos sobre escravidão em outras partes do Brasil e no Atlântico.

A escravidão na Ilha de Santa Catarina foi por muito tempo percebida como doméstica e menos importante do que a escravidão dos engenhos de açúcar, dos cafezais ou das charqueadas. Os agricultores açorianos foram rotulados de pobres. Trabalhos recentes sobre a produção de gêneros para o abastecimento e sobre o comércio transatlântico de escravos inspiraram o novo olhar sobre os escravos em Florianópolis e do litoral catarinense.

O grupo de historiadores da UFSC fez uso de vários tipos de documentos, mas, principalmente, registros de eclesiásticos de batismo, óbito e casamento. O levantamento dos registros de batismo dos africanos recém-desembarcados, em geral jovens ou adultos, mostrou que o auge da chegada de negros na Ilha aconteceu entre 1808 e 1830, coincidindo com a dinamização da economia do Sudeste desencadeada pela chegada da Corte portuguesa ao Brasil.

Esses africanos iam trabalhar nas propriedades rurais, que produziam farinha de mandioca, açúcar, feijão, milho, cachaça e outros produtos básicos de abastecimento. Quatro em cada 10 famílias do Ribeirão da Ilha, em 1843, tinham escravos. Em geral, até cinco. Eles complementavam a mão-de-obra familiar dos agricultores, muitos descendentes dos primeiros açorianos.

A freguesia da Lagoa da Conceição era um verdadeiro celeiro, lá se cultivava de tudo. Também com a ajuda de escravos, muitos deles africanos, o que indica que seus proprietários não eram pobres, pois um escravo africano era caro. Os agricultores da Ilha compravam negros dos comerciantes do Rio de Janeiro e pagavam com farinha, cachaça…

Depois de 1830, a chegada de africanos diminuiu muito por causa da proibição do tráfico. A população escrava cresceu pelos nascimentos, e ficou mais crioula. Mas ainda assim havia muitos africanos, de toda parte: da Costa da Mina (atual Benin), do Congo, de Angola, de Benguela, de Moçambique. Muitos se identificavam pelos nomes dos portos onde foram embarcados, outros chegavam a usar nomes de "nação", como Agumi, Cassange ou Nagô. E como em todas as partes do Atlântico, incorporavam suas manifestações culturais ao cotidiano de trabalho duro. Alguns viajantes estrangeiros que estiveram aqui na época do Natal testemunharam grandes festejos africanos no início do século 19.

A Desterro dos escravos e libertos

Até hoje, o Centro de Florianópolis guarda construções, espaços e símbolos da Desterro do tempo da escravidão. A professora Beatriz conta que costuma organizar, para alunos de graduação e professores da rede de ensino, visitas guiadas na região central, que ajudam a entender um pouco aquele tempo em que aproximadamente um quarto da população da cidade era composta por escravos.

Uma em cada quatro pessoas era propriedade de alguém e trabalhava para o proprietário (ou proprietária – havia muitas mulheres proprietárias também) apenas em troca de casa, roupa e comida. Nesse cenário, se destacam a Igreja Matriz (Catedral) onde eram batizados os africanos novos, e as crianças filhas de escravos e libertos, e a Igreja do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, uma irmandade que congregava tanto africanos quanto negros nascidos no Brasil, chamados, à época, de crioulos.

Segundo a professora, os participantes da visita guiada percorrem as ruas e praças em busca da vida cotidiana dos escravos e dos libertos, suas atividades de trabalho, seus locais de moradia e lazer. Visitam, também, as sedes do poder da época –, a Câmara, onde também funcionava a cadeia, e a sede do governo da província – que tinham influência sobre suas vidas. Depois da independência do Brasil, o espaço social ocupado pelos africanos se restringiu.

Na Constituição do Império (1824), só são reconhecidos como cidadãos aqueles indivíduos nascidos no Brasil. Escravo, por definição, não era cidadão, mas uma vez alforriados, os crioulos passavam a ser reconhecidos como cidadãos brasileiros, enquanto os africanos libertos ficavam num limbo, sem cidadania. Em Desterro, as festas de coroação de reis, que eram ocasiões festivas da comunidade africana aceitas no período colonial, passaram a ser proibidas por postura da Câmara. Os batuques e danças, também.

Em outros lugares do Brasil, os africanos eram tantos que ficava mais difícil impor a proibição. Aí entra a especificidade de Santa Catarina: como a província recebeu tantos imigrantes europeus, a população negra ficou com pouco espaço para defender seus costumes e direitos.

A visita pelo Centro da capital catarinense estimula a imaginação dos participantes. Poucas pessoas que passam, hoje, a caminho do Terminal Cidade de Florianópolis, indo pela Praça Fernando Machado, sabem que ali ficava o primeiro mercado da cidade, inaugurado em 1850. O Mercado mudava muita coisa: várias africanas libertas viviam do trabalho de quitandeira, outros escravos vendiam alimentos e comida em tabuleiros e entregavam a renda aos seus donos, gente que cultivava roças trazia os produtos para vender.

Enquanto, antes, a venda se fazia em barraquinhas, nas canoas ou em panos estendidos no chão, a construção do Mercado buscava dar ordem para o comércio de gêneros e controlar o trabalho daqueles que viviam disso, muitos deles escravos e libertos. Quem vendia tinha que pagar aluguel do espaço, e taxa para a Câmara, e o fiscal controlava que não houvesse no Mercado ajuntamentos e batuques.

As pesquisas não param… e ainda há muito a se revelar da história dos negros no litoral catarinense. Para o pesquisador, é como se ele puxasse o fio que entrelaça um sem-fim de histórias. Mas além disso, a pesquisa estimula o olhar crítico sobre a realidade, leva a pensar que o espaço em que vivemos tem história. E que pessoas de diferentes partes do continente africano contribuíram para ela também.

jacqueline.iensen@diario.com.br
JACQUELINE IENSEN

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    **Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO BRASIL e tão-somente  HISTÓRIA DO BRASIL.  Discussões sobre a situação atual: política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros fóruns mais apropriados para tais questões.

                                                                                                    Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
 
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GEHB ** ARTIGO - Retrato minucioso de um certo Brasil

 

Retrato minucioso de um certo Brasil

FERNANDO AMED
Fonte: O Estado de S.Paulo
26 de junho de 2010
No limitado circuito que compõe a corporação dos historiadores brasileiros, é um tanto conhecida a insatisfação de Capistrano de Abreu (1853-1927) quando da publicação de seus escritos. Aqueles que se debruçaram sobre sua correspondência bem sabem que o historiador cearense pretendia estabelecer uma nova edição de Capítulos de História Colonial (1907), seu trabalho mais conhecido, o que nunca veio a realizar. Uma pena para os leitores que se viram privados de poder contar com a lucidez de Capistrano em mais um de seus exercícios de domínio acerca do passado colonial brasileiro.
Este, felizmente, não foi o caso de Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982). Testemunhos daqueles que privaram de sua sociabilidade sinalizam que o historiador também manifestava certo desgosto para com um dos títulos que compunha a História Geral da Civilização Brasileira, o volume Do Império à República, publicado na década de 70. Capítulos de História do Império, que ora vem ao público, foi sendo escrita ao longo dos últimos anos de vida de Sérgio Buarque e pode ser vista como uma tentativa de revisão por parte do historiador quanto ao que lhe desagradava na publicação anterior.
As semelhanças para com Capistrano de Abreu, no entanto, ainda podem ser exploradas sob outros matizes. Capítulos de História do Império apresenta o mesmo empenho em relação ao tratamento heurístico, a busca pelo conhecimento das minúcias, além do traço historicista, que dava guarida para ambos os historiadores.
Em Capítulos, o leitor pode se sentir muito próximo dos acontecimentos que enfeixaram especialmente o Segundo Império brasileiro. Sobretudo, somos estimulados pelas imagens utilizadas pelo historiador na direção da recuperação do clima que abrigava o império. Já a incomum qualidade literária é uma das características mais marcantes do livro de Sérgio Buarque de Holanda.
O uso de fontes diferenciadas permite que se perceba a busca pela empatia com o ambiente encetado pelo historiador. Nesse aspecto, sobressai o capítulo 4, em que nos aproximamos de Pedro II. Por meio da pesquisa nos diários ou nas anotações de punho feitas pelo imperador nos livros de sua biblioteca particular, além do exame dos testemunhos daqueles que o conheceram pessoalmente, o perfil de Pedro II se delineia com acuidade. É assim que passamos a agregar a informação de que ele possuía "voz aflautada, como de falsete, pernas finas demais para um corpo avantajado" e, nas ocasiões solenes, "calças bem justas, sapatos de seda branca, manto de papos de tucano, alta e pesada coroa que lhe circundava toda a cabeça, a indefectível cabeça de caju a encobrir uma pronunciada saliência na testa".
Observações como essas, aliadas às outras remetidas ao cotidiano político, ou às alcunhas e expressões de época – por que os brasileiros eram designados pelos portugueses como cabras? O que vem a ser a expressão pé-rapado? – nos permitem adentrar o passado mais remoto. Dada a ausência de preocupação com uma visão de síntese sociológica, o que percebemos é a busca pela compreensão da história passada que se segue amparada pela erudição, mais próxima daquela esposada pelos intelectuais do século 19.
Para o presente, em que os trabalhos de história costumam guardar ligações mais pragmáticas, em que os artigos se mostram mais viáveis que trabalhos de fôlego, a obra inédita de Sérgio Buarque de Holanda tem muito a oferecer. Resta saudar que não tenha tido a mesma sorte de Capistrano de Abreu e esperar que venha a encontrar um universo maior de leitores que serão gratificados pela experiência de proximidade para com as situações e alusões remetidas ao nosso passado.
FERNANDO AMED, PROFESSOR DA FACOM/FAAP E DO CURSO DE ARTES VISUAIS DA BELAS ARTES DE SÃO PAULO, É AUTOR DE AS CARTAS DE CAPISTRANO DE ABREU: SOCIABILIDADE E VIDA LITERÁRIA NA BELLE ÉPOQUE CARIOCA (ALAMEDA)

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