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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

** Revista Histórica - edição 45 ª

 

Revista Histórica – edição 45 ª

Informamos a publicação da 45ª edição da revista Histórica – publicação on-line do Arquivo Público do Estado de São Paulo. 



Submissão de artigos para a próxima edição:


Edição 46 – Fevereiro 
Tema: As experiências das Áfricas no Brasil 
Prazo de envio: 10 de Janeiro 

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Atividade nos últimos dias:
    **Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO BRASIL e tão-somente  HISTÓRIA DO BRASIL.  Discussões sobre a situação atual: política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros fóruns mais apropriados para tais questões.

                                                                                                    Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
 
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** [Carta O BERRO] Correção dos vídeos sobre o filme "O Velho", no artigo da companheira Anita Leocádia Prestes.

 
Carta O Berro..........................................................repassem



            UMA ESTRATÉGIA DA DIREITA: ACABAR COM
          OS "MITOS" DA ESQUERDA
( A propósito do filme documentário "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes") *


 Anita Leocadia Prestes**


 __________________________
*   Os conceitos de "direita"  e  "esquerda" são empregados conforme BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. S.P., EDUSP, 1995.
** Anita Leocadia Prestes é doutora em Economia e História Social, professora de História do Brasil na UFRJ e autora dos livros A Coluna Prestes (Ed. Brasiliense,1991, 3ª ed.) e
Os  Militares e a Reação Republicana (As Origens do Tenentismo) (Ed. Vozes, 1994).

Com as modificações ocorridas, a partir de 1991,  na situação internacional, a direita tem adotado novos métodos para combater as forças de esquerda. A autora analisa a nova estratégia da direita - de acabar com os "mitos" de esquerda -, principalmente, no exemplo do filme documentário "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes".



Se concordamos com Norberto Bobbio, quando ele afirma que "esquerda" e "direita" constituem a "grande divisão", hoje "mais viva do que nunca" na "história da luta política na Europa do último século" [1] , temos um ponto de partida para tentar explicar as novas estratégias da direita atual. Visando defender de maneira mais eficaz  os interesses dos setores sociais que representa - principalmente o grande capital internacionalizado -, a direita dos anos noventa apela para novos expedientes, mais adequados aos tempos de hoje, ou seja, ao período histórico caracterizado por Eric Hobsbawm como o fim de uma era e o início de outra.[2] 
Vivemos um momento histórico, em que, dada a derrota sofrida pelo "socialismo real", em particular no Leste europeu, os interesses do grande capital internacionalizado passaram a dominar o mundo de maneira indivisível, sem ter quem lhe possa oferecer uma resistência eficaz. Como é assinalado por James Petras, "o Ocidente está fazendo anexações e ocupações político-militares de longo prazo de uma forma nunca vista desde a era colonial".[3]  Haja vista a Guerra do Golfo, em 1991, levada adiante contra o Iraque pelas grandes potências imperialistas.
 A direita mundial  sente-se com as mãos livres, em condições de impor, em grande medida, sua hegemonia ideológica, através de meios de comunicação extremamente poderosos, eficientes e sofisticados, como a humanidade jamais, antes, conhecera. Seus "intelectuais orgânicos" -  para usar o conceito proposto e teorizado por Antônio Gramsci - trabalham de maneira intensa, consciente ou inconscientemente, com o objetivo, em geral habilmente encoberto, de justificar os interesses do grande capital internacionalizado, ou seja das corporações multinacionais. A tão propalada "globalização", sob a égide desse grande capital, é apresentada como o ápice do desenvolvimento humano, como a única alternativa  possível  para o século XXI.
Nesse mundo  "pós-moderno", para que a ordem dita néoliberal  possa ser mantida, evitando as sempre temidas convulsões sociais, é necessário, entre as muitas medidas a serem adotadas, visando a sua  permanência e reprodução, sepultar os chamados  "mitos" da esquerda. Trata-se, na verdade, de apagar,  na memória de grande parte das pessoas, não só a crença num futuro de justiça social, no qual  venham a imperar valores como a igualdade e a liberdade para milhões e milhões de homens e mulheres em nosso planeta, como também a admiração e o respeito cultivados  por muitas dessas pessoas em relação àqueles que deram suas vidas ou contribuíram de maneira decisiva para que tais ideais se tornassem realidade. Torna-se imperativo, pois, acabar com os heróis e com a exaltação de seus feitos e de suas vidas. O heroismo dos revolucionários, dos comunistas e dos antifascistas é batizado de "mito" para melhor poder ser destruído. O exemplo daqueles que lutaram por um mundo melhor e mais justo é desqualificado com uma simples penada: afirma-se que seus propósitos foram derrotados e, portanto, sua luta teria sido inglória.[4] Às gerações atuais restaria conformar-se com  a "globalização" e seus valores marcadamente "consumistas".
Podemos, hoje, observar duas táticas distintas de uma mesma estratégia  desenvolvida pela direita, visando combater e destruir os supostos "mitos"  da esquerda. Em contraposição aos velhos e desgastados expedientes  dos tempos da  "guerra fria", quando se acusava abertamente os comunistas de comerem criancinhas assadas na brasa e o regime soviético de "socializar" ou "coletivizar" as mulheres e acabar com a instituição da família, no momento atual, adota-se o silêncio a respeito de fatos, acontecimentos e pessoas, que se tornaram incômodos aos interesses dominantes, ou, quando isso não é possível, recorre-se à  descaracterização, ou melhor dito, à deturpação da história, visando torná-la aceitável a esses mesmos interesses dos grupos dominantes. O que, entretanto, não quer dizer que, em alguns momentos, os "intelectuais orgânicos" a serviço da direita não possam apelar  aos velhos e surrados expedientes, sempre na tentativa desesperadora de sepultar "mitos" inconvenientes.
Neste último sentido, citarei apenas dois exemplos. Em 1991, ano marcado pelo simbolismo da "queda do muro de Berlim", o conhecido jurista Saulo Ramos veio a público para lançar contra Luiz Carlos Prestes, já falecido e sem possiblidade, portanto, de defender-se, acusação inusitada e surpreendente: Prestes teria, em 1964, denunciado à polícia os nomes de inúmeros de seus companheiros e amigos.[5]  Semelhante calúnia - desprovida de qualquer possibilidade de comprovação - não havia sido, até então,  levantada sequer pelos mais ferrenhos inimigos  de Prestes.
 Dois anos depois, em 1993, o jornalista W. Waack afirmava, em seu livro Camaradas, que Prestes teria comprado seu ingresso na Internacional Comunista com o dinheiro recebido de Getúlio Vargas para realizar a Revolução de 30.[6] Outra calúnia, lançada sem nenhuma prova, a respeito de episódio que o próprio Prestes tornara público, durante seu julgamento no Superior Tribunal Militar, em setembro de  1937. Naquela oportunidade, ele demonstrara com documentos[7] que o dinheiro utilizado na preparação dos levantes de novembro de 35 não viera de Moscou, mas lhe fora entregue, em 1930, por Vargas, que o obtivera como resultado da venda à Light, pelo governador mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, de uma usina elétrica de Belo Horizonte. Prestes, ao romper com os "tenentes", em maio de 30, e ao denunciar o caráter  oligárquico e antipopular do movimento liderado por Vargas, decidira destinar esses recursos à realização do que ele considerava a verdadeira revolução brasileira - a "revolução agrária e antiimperialista", defendida pelo Partido Comunista. A afirmação difamante de W. Waack, além de mentirosa, constitui uma deturpação grosseira  das práticas vigentes na Internacional Comunista, pois é amplamente sabido que a escolha dos dirigentes dessa organização era feita de acordo com critérios de mérito revolucionário e jamais a partir de uma suposta "compra" de ingresso.
Tais exemplos de ataques diretos aos "mitos" da esquerda tendem, contudo, a tornarem-se menos frequentes.  A tática do silêncio revela-se aparentemente mais eficaz. Na Alemanha atual, pós queda do muro de Berlim, atinge  proporções preocupantes a tendência, insistentemente promovida pela direita, de apagar a memória dos comunistas e antifascistas, a memória de todos aqueles que lutaram  contra o fascismo, pela democracia e pelo socialismo. Semelhante processo é particularmente visível no território da antiga República Democrática Alemã, onde os heróis da luta revolucionária pelo socialismo e da resistência antinazista eram  lembrados e cultuados. Hoje procura-se retirar seus nomes de ruas, praças, escolas e demais lugares publicos e instituições;  fecham-se museus - antigos campos de concentração -, para dar lugar aos modernos templos da sociedade de consumo - os supermercados e shopping centers.
Na Alemanha, certamente, há forças sociais e políticas que resistem  aos propósitos da direita de silenciar  não só a respeito do passado nazista do país como também da luta dos homens e mulheres que resistiram ao fascismo, inclusive dentro dos próprios campos de concentração. A Galeria Olga Benario, em Berlim,  com sede no tradicional bairro  operário de Neukölln, pode ser citada como exemplo desse tipo de resistência. Seus jovens organizadores desenvolvem há anos um esforço gigantesco para, entre outras atividades sociais, políticas e culturais, resgatar  a memória  dos revolucionários que dedicaram suas vidas à luta pelo progresso social, pela democracia e pelo socialismo.[8] A tendência dominante nos meios de comunicação ideologicamente controlados pelos donos do poder é, contudo,  a de silenciar  o passado de luta  desses revolucionários e antifascistas.
O Chile, hoje, pode ser considerado um outro exemplo da tática do silêncio, adotada pela direita atual.  O cineasta chileno Patrício Guzman rodou há alguns meses, em seu país, o documentário A memória obstinada,  em que revela  o quase total desconhecimento, pelos jovens de hoje, da história recente de sua pátria, ou seja, dos acontecimentos relacionados com  o governo democrático da Unidade Popular, dirigido por Salvador Allende, e a sua trágica deposição pelo golpe militar comandado por Augusto Pinochet. Relata Guzman que muitos jovens lhe disseram: "Eu não sabia que as coisas haviam acontecido desta maneira...", quando lhes foi exibido um documentário anterior do mesmo cineasta - A batalha do Chile (1973-1979) -, sobre o governo Allende e o golpe militar.[9]  Desta forma,  a direita  no Chile  tenta  apagar  da memória das novas gerações desse país o seu passado recente de grandes lutas e conquistas democráticas e os nomes de  heróis, como Salvador Allende, que deram suas vidas por um futuro melhor para o  seu povo.
No Brasil, a direita, durante os vinte anos da ditadura militar inaugurada em 1964, adotou a tática do silêncio, particularmente em relação a Luiz Carlos Prestes,  embora em períodos anteriores também  houvesse recorrido a semelhante expediente. Nas condições atuais do país, de existência de uma relativa liberdade de imprensa - ainda que  aliada a uma crescente manipulação da opinião pública -, não sendo mais possível manter silêncio absoluto a respeito de Prestes, procura-se  hoje desenvolver formas sutis de, sem recorrer ao ataque direto, descaracterizar a sua figura. Na virada para o século XXI, é necessário apelar para a criatividade dos "intelectuais orgânicos" a serviço da burguesia para encontrar meios mais eficazes de convencimento das pessoas e de construção de um consenso social, capaz de assegurar sua hegemonia política.
Em junho de 1991, decorrido apenas  um  ano do falecimento de Prestes, o Ministério do Exército declarava anistiado o antigo general da Coluna Invicta, promovendo-o ao posto de coronel e concedendo à sua família o direito de receber pensão militar[10], por considerá-lo na reserva, desde que atingira a idade-limite para permanecer na ativa. O aparente reconhecimento dos méritos de Prestes não passava, contudo, de uma hábil  tentativa de enquadrá-lo no sistema dominante, de descaracterizar sua figura de revolucionário e comunista, de torná-lo inofensivo perante as novas gerações. Certamente, não foi casual o fato de essa medida ter sido adotada após o desaparecimento de Prestes: enquanto viveu, ele jamais admitiu voltar às fileiras da corporação da qual, na juventude,   se demitira duas vezes e fora posteriormente expulso. Contando com a lamentável colaboração de uma parte da família de Prestes[11], os atuais donos do poder  tentaram, desta forma, apropriar-se do legado de uma vida dedicada inteiramente à revolução social e à contestação da ordem vigente, cuja manutenção é garantida por esse mesmo Exército, que o promoveu a coronel. Temos aí  um exemplo das formas sutis empregadas atualmente pela direita para acabar com os supostos "mitos"  da esquerda.
Outros exemplos poderiam ser citados: todos corroborando a utilização de uma imagem "fabricada" de Prestes, útil aos intentos dos políticos necessitados de conquistar alguma simpatia popular. Sem abandonar a repetição de conhecidas e surradas calúnias contra os comunistas e, em particular, contra Prestes, procura-se difundir uma nova imagem do Cavaleiro da Esperança - a de um homem "puro e ingênuo",[12]  indiscutivelmente honesto (é difícil duvidar de sua honestidade), um bom pai de família, até mesmo um amante das flores e cultivador de roseiras, mas um militar rígido (evita-se lembrar seu reconhecido talento como estrategista, revelado durante a Marcha da Coluna Prestes), incapaz de compreender as nuanças da política. Sua vida política, portanto, não teria passado de uma lamentável sucessão de erros e fracassos - um exemplo desastroso, que não merece ser seguido pelos jovens de hoje, uma vez que se trata de lhes incutir a visão de que só devem ser adotados os "modelos" vitoriosos. Desta forma, é "fabricada" uma imagem "domesticada"  ou "pasteurizada"  de Luiz Carlos Prestes - a de uma personalidade que merece muito mais compaixão pelos sofrimentos por que passou do que admiração pelo seu heroismo, pela dedicação sem limites à causa da libertação do seu povo de todo tipo de dominação e exploração, pela firmeza na defesa das convicções revolucionárias assumidas. O herói, o revolucionário, o patriota, o comunista convicto são silenciados, para criar-se uma imagem de um Prestes inofensivo para os dominadores e exploradores de hoje.
Este é o tipo de tratamento da imagem de Prestes apresentado no filme documentário "O Velho - A História de Luiz Carlos Prestes", de autoria de Toni Venturi. Embora o diretor do filme tenha afirmado que não pretendia fazer História, mas somente cinema[13], ao  produzir um documentário sobre um personagem histórico como Luiz Carlos Prestes está, na realidade, fazendo História e levando aos espectadores uma determinada versão da história. Como disse o cineasta chileno Patrício Guzman, "o documentarista é um testemunho que toma partido, que se envolve plenamente com o que conta e isto é bom", acrescentando:
                        "O documentário não é um olho ou uma janela, sim uma                                                    representação da realidade. O único documentário objetivo está                            nas imagens das câmeras de vídeo dos bancos ou de controle do                                      trânsito."[14]

O filme "O Velho" não só está repleto de erros factuais grosseiros, revelando de parte de seus autores um desconhecimento total da história da época e, em particular, da vida de Prestes, como incorre em graves deturpações e distorções em relação ao período histórico supostamente retratado com imparcialidade. Na verdade, o que se percebe no filme é a repetição - embora de forma mais sofisticada - de conhecidas calúnias e inverdades, que a direita sempre lançou contra os comunistas e, em especial, contra Luiz Carlos Prestes.
 Como seria possível concordar com a opinião do júri do festival intitulado "É tudo verdade", que premiou "O Velho",  quando afirma que o documentário retratou com fidelidade a história do Cavaleiro da Esperança, se a cada passo do filme nos deparamos com erros escandalosos e imperdoáveis? O célebre Manifesto de Maio de 1930, lançado por Prestes em Buenos Aires, foi parar no mês de julho. A foto de Clotilde Prestes é mostrada como sendo de sua mãe, Leocadia Prestes. O filme mostra cenas da mãe de Prestes recebendo cartas supostamente por ele enviadas durante a Marcha da Coluna, algo totalmente impossível de ter acontecido, pois os rebeldes, ao marcharem pelo interior do Brasil, careciam de qualquer meio de comunicação com as grande cidades e a capital do país.
Da mesma forma, os acontecimentos de 1930, quando Prestes rompeu com os "tenentes"  (e não com Vargas, como se diz no filme), estão invertidos em sua ordem cronológica, tornando-os incompreensíveis. O general Miguel Costa é citado como chefe da Revolta tenentista de 1924 em S.Paulo e como presidente da Aliança Nacional Libertadora em 1935, o que, em ambos os casos, não corresponde à realidade. Afirma-se que Prestes não teria sabido, na prisão, do falecimento da mãe, o que também não é verdade. Omite-se inteiramente a intensa atividade desenvolvida por Prestes na Europa, durante os anos 70, em solidariedade aos presos e perseguidos políticos no Brasil, criando uma imagem deturpada de sua vida política nesse período. Etc. etc. Trata-se, pois, de uma sucessão de erros, imprecisões e deturpações grosseiras da vida do personagem supostamente retratato, assim como do período histórico em que ele atuou.
Mais uma vez, são repetidos os estereótipos criados pela direita e consagrados pela História Oficial sobre a suposta "Intentona Comunista" - na realidade, um movimento de caráter antifascista, antiimperialista e antilatifundista, que jamais pretendeu implantar o comunismo no Brasil, conforme a versão difundida pelos donos do poder. Mais uma vez, repetem-se as calúnias contra os comunistas e, em particular, contra  Luiz Carlos Prestes e Olga Benário Prestes, de que seriam meros "agentes de Moscou", empenhados em deflagrar uma revolução comunista no Brasil, falsificação grosseira da história e total deturpação do efetivo caráter das relações que imperavam entre os partidos comunistas, no seio da Internacional Comunista.
Embora os autores de "O Velho"  tenham adotado uma postura de aparente imparcialidade, na medida em que entrevistaram  as mais variadas pessoas, seja de direita seja de esquerda, na realidade, o filme revela uma linha político-ideológica definida e apresenta uma mensagem  de caráter anticomunista bastante evidente. O principal  analista  dos acontecimentos de 1935, sintomaticamente, é o jornalista W. Waack, cuja "interpretação" da história  não passa de uma grotesca e caricata manipulação dos documentos por ele consultados nos arquivos de Moscou.[15]
Da mesma forma, a análise da Coluna Prestes é feita por Eliane Brum, jornalista que se distinguiu pela maneira irresponsável  e tendenciosa  como tratou a memória desse importante episódio da nossa história, numa série de reportagens de péssima qualidade, surpreendemente publicadas posteriormente em livro.[16] Segundo E. Brum, a Coluna não teria passado de um grupo de bandidos e estupradores, que percorreram o Brasil cometendo todo tipo de desatinos contra as populações do interior do país - tese que não consegue sustentar-se diante da evidência dos fatos hoje amplamente conhecidos.[17]
Em contrapartida, o papel destinado, no filme de T. Venturi, aos entrevistados de esquerda é claramente subalterno. Os historiadores Nelson Werneck Sodré e Marly Vianna ficaram com os seus depoimentos prejudicados pelos cortes frequentes e abruptos, que não permitem ao espectador acompanhar devidamente a exposição de suas idéias e os argumentos por eles apresentados. As entrevistas de intelectuais como Oscar Niemeyer e Ferreira Gullart, em que são externadas opiniões favoráveis a Prestes e aos comunistas, aparecem ligeiramente e sem o destaque dado aos depoimentos de seus inimigos ou adversários.
Tanto os autores do documentário quanto os membros do júri que o premiaram revelaram, no mínimo, um total desprezo  pela verdade, que o referido festival pretendia retratar. Ao incluir o documentário citado na mostra "É tudo verdade", e, mais ainda, ao premiá-lo, os organizadores do festival e o seu júri, da mesma forma como aqueles órgãos de divulgação que se mostraram empenhados em sua propaganda, estão, na prática, contribuindo para a desinformação do público e para que os estereótipos fartamente propalados pelo anticomunismo dos tempos da "guerra fria" continuem presentes, influindo na formação das novas gerações que, dessa forma, ficarão ainda mais distantes do conhecimento de nossa história contemporânea.
Com  o filme "O Velho", temos mais um exemplo  edificante  de como se  fabrica e se difunde  a HISTÓRIA  OFICIAL - aquela que contribui para assegurar a hegemonia  dos donos do poder -, num período histórico de  avanço da chamada "globalização", ou seja,  de derrota, no cenário internacional, das forças  alinhadas com a perspectiva socialista e de progresso e justiça social. Para quem se interessa seja pela história do Brasil seja pela vida de Luiz Carlos Prestes,  parece oportuno lembrar estas questões.
Com o filme "O Velho", assistimos a mais uma tentativa empreendida pelos "intelectuais orgânicos"  comprometidos, consciente ou inconscientemente, com a direita de acabar com os "mitos"  da esquerda. Neste caso, trata-se, principalmente, de  desmoralizar, desgastar, banalizar e tornar  inofensiva, para  os donos do poder, a figura de Luiz Carlos Prestes. Da mesma forma, procura-se acabar com outro "mito", que na última década conquistou os corações e as mentes de milhões de pessoas, tanto no Brasil quanto no exterior, através do livro Olga de Fernado Morais[18] - a figura da  revolucionária e comunista Olga Benário Prestes, tragicamente assassinada numa câmera de gás de um campo de concentração da Alemanha nazista, para onde fora ilegalmente deportada pelo governo de Getúlio Vargas.
A tática da deturpação histórica  vem se tornando cada vez mais generalizada, utilizando-se os seus mentores dos atuais meios de comunicação de massa, extremamente poderosos e sofisticados. Dentre eles, o cinema adquire uma importância capital, na medida em que, através da imagem, torna-se possível  exercer uma influência muito maior junto ao grande público. Parece sintomático que, no mesmo momento em que é lançado o documentário "O Velho", também  se dê a estréia  do filme de longa metragem "O que é isso companheiro?" de Bruno Barreto. Temos um novo exemplo de manipulação da história recente do país, quando os episódios relacionados com o sequestro do embaixador norte-americano no Brasil, em 1969, são apresentados de maneira a condenar a violência dos jovens sequestradores - que lutavam contra a ditadura militar, embora se possa discordar dos métodos por eles utilizados, - e a sutilmente desculpar a violência da ditadura; chega-se ao extremo de procurar "amenizar" o horror da tortura institucionalizada durante os "anos de chumbo". Desta forma, adota-se uma postura conciliatória com a ditadura militar que dominou o país por mais de vinte anos,  na tentativa de afastar os jovens de hoje de qualquer simpatia  por atitudes de rebeldia ou contestação à ordem vigente. Procura-se, assim, acabar com o "mito" das esquerdas no Brasil.
A manipulação da memória histórica pelos donos do poder não é nova. Já no caso do tenentismo, tivemos um exemplo de como, a partir da vitória do movimento de 30,  os "intelectuais orgânicos" ligados ao poder, procuraram utilizar-se do prestígio dos jovens "tenentes"  da década de vinte para justificar as políticas implementadas pelos setores dominantes.[19]  A novidade atual reside na intenção declarada de alcançar, através de expedientes cada vez mais elaborados e sutis  - quando a tecnologia avançada dos dias de hoje é colocada a serviço dos desígnios das forças de direita -, a "desmitificação"   seja dos acontecimentos seja dos personagens que ainda provocam admiração e respeito  junto a setores significativos da sociedade. Este é o caso, no Brasil, de Luiz Carlos Prestes - personalidade respeitada e admirada até mesmo por seus adversários políticos, personagem símbolo da luta revolucionária no país, da luta pelo socialismo no Brasil. Este é o caso, também, de Olga Benario Prestes - personagem heróica das esquerdas tanto no Brasil quanto no cenário mundial, imortalizada nas páginas comoventes do livro Olga. Este é o caso dos jovens revolucionários que lutaram e tombaram tragicamente na luta contra a ditadura implantada no país em 1964. Este será o caso de muitos outros acontecimentos e personagens de esquerda, enquanto essa estratégia "desmitificadora" da direita não for neutralizada e derrotada.


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Artigo publicado na revista Cultura Vozes, n° 4, volume 91, Petrópolis (RJ), julho-agosto de 1997, p.51- 62.




[1]  BOBBIO, Norberto. Op. cit., p. 24.
[2]  HOBSBAWM. Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. S.P., Comp. das                                  Letras,1995, p. 15.
[3]  PETRAS, James. Ensaios contra a Ordem.S.P., Ed. Scritta, 1995, p. 55.
[4]  Cf., por exemplo, WAACK, William. Camaradas: nos arquivos de Moscou: a história secreta        da revolução brasileira de 1935. S.P., Comp. das Letras, 1993, p. 11.
[5]  Cf. RAMOS, Saulo. "Entrevista", EXAME VIP, Nº 9, 2/10/91, P. 24-31.
[6] Cf. WAACK, W. Op. cit., capítulo 2.
[7]  Documentos que se encontram no processo movido contra L.C. Prestes pelo Tribunal de Segurança Nacional, hoje depositados no Arquivo do STM, sediado em Brasília.
[8]  Sobre a Galeria Olga Benario, cf. EHRENFORT, Petra, "A Galeria Olga Benario em Berlim  'Queremos fazer um trabalho do qual Olga se orgulhasse!'", in  STRAUSS, Dieter (org.)                          Não Olhe nos Olhos do Inimigo: Olga Benario e Anne Frank. R.J., Paz e Terra, 1995, p. ll5-                   118.
[9]  Cf. SANTOS, Elza Fernandez, "Chile revê o seu passado", Jornal do Brasil, R.J., "Caderno B",    6/5/97, p.2.
[10]  A autora deste artigo, filha de L.C. Prestes, recusou a pensão de coronel do Exército do seu  pai, assinando termo de renúncia, encaminhado oficialmente ao Ministério do Exército, datado de 10/08/92.
[11]  A víuva de Prestes, contrariando a vontade por ele expressa em vida, solicitou  ao Ministério do  Exército a reintegração de Prestes no Exército e a pensão militar, que  foi concedida às suas  filhas mulheres.
[12]  Cf., por exemplo, CONY, Carlos Heitor, "Prestes teve o ímpeto dos puros e ingênuos", Folha de S. Paulo, "Folha Ilustrada", S.P., 11/04/97, p. 19.
[13]  Cf. Folha de S.Paulo, "Folha ilustrada", 23/04/97.
[14]  Cf. SANTOS, Elza Fernandes. Op. cit.
[15] Cf. WAACK, W. Op. cit.
[16] Cf. BRUM, Eliane. Coluna Prestes: o Avesso da Lenda. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1994.
[17] Cf. PRESTES, Anita Leocadia. A Coluna Prestes. 3ª ed. S.P., Brasiliense, 1991.
[18]  MORAIS, Fernando. Olga. S.P., Ed. Alga-Omega, 1985.
[19]  Cf. PRESTES, Anita Leocadia. "70 anos da Coluna Prestes: a história oficial ontem e hoje", Cultura Vozes, nº 5, setembro-outubro/1994, p. 67-76.
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