Este espaço é reservado para troca de textos e informações sobre a História do Brasil em nível acadêmico.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

** A memória histórica como campo da luta de classes

Fonte: Boletim Agência Carta Maior - 17/11/2010
A memória histórica como campo da luta de classes (I)

Se perguntássemos para qualquer pessoa comum o que é história, elarapidamente nos diria: É algo que trata de fatos e personagens que existiram num passado mais ou menos distante. Estes três elementos (fatos, personagens e passado), sem dúvida, entrariam em duas de cada três definições do que seria História. E, ao referir-se ao passado, pensavam-na como uma coisa morta, que nada poderia nos dizer e, muito menos, nos ensinar sobre o presente. O artigo é de Augusto Buonicore.
Publicado originalmente no site da Fundação Maurício Grabois

Não é sem razão que no interior das salas de aula a história muitas vezes foi tida como uma disciplina chata. Isto se deu especialmente devido a pouca relação estabelecida entre o que era ministrado e os problemas concretos vividos pelos alunos. Não existia qualquer convicção de que o aprendizado da história pudesse ajudá-los desvendar e, principalmente, transformar o mundo em que viviam.

O problema é que o passado do historiador não deveria ser – e não é - algo morto, como o fóssil de um dinossauro encravado numa rocha ou exposto num museu. Os fatos, como uma espécie de matéria-prima da história, não são coisas mortas que apenas devem ser coletados e colocados numa seqüência rigorosamente cronológica.

Repito, não é possível estudar uma comunidade humana e seu desenvolvimento histórico como se fosse uma colméia ou um conglomerado de rochas. Estranhamente, este passado continua vivendo e produzindo seus efeitos sobre nós e é, justamente, por isso que deve ser estudado e melhor compreendido.

No caso das ciências humanas – ao contrário das ciências naturais e exatas – não há uma muralha da China separando o objeto a ser estudado (as sociedades) e o sujeito que o estuda (o historiador, o sociólogo etc.), mesmo tratando-se do estudo de agrupamentos que viveram há milhares de anos.

Para os antigos historiadores, de tendência positivista, os fatos eram como coisas brutas. Eles estavam permanentemente atrás dos fatos puros, duros e irretorquíveis.

Contra os fatos não há argumentos, gostavam de dizer. Contudo, os fatos não falam por si mesmos, como afirma o senso comum positivista. Segundo o historiador inglês Edward Carr, “os fatos falam apenas quando o historiador os aborda: é ele quem decide quais os fatos que vem à cena e em que ordem e em que contexto”. E conclui: “A convicção num núcleo sólido de fatos históricos que existem objetiva e independentemente da interpretação do historiador é uma falácia absurda, mas que é muito difícil de ser erradicada”.

No entanto, o historiador que se propõe fazer perguntas ao passado não é um ser desencarnado, separado do mundo. Ele é membro de uma determinada sociedade, de uma determinada época, de uma determinada classe social. Ele se encaixa no interior de determinadas ideologias e perspectivas teórico-metodológicas, que, na maioria das vezes, têm um forte sentido classista. Portanto, o historiador não é neutro diante dos conflitos e dos problemas que aparecem à sua frente durante a pesquisa que realiza.

É sua situação no mundo que determina as perguntas e as escolhas cotidianas que faz. Isto, é claro, vai direcionar as respostas que ele procura encontrar. Um historiador liberal-burguês, por exemplo, jamais colocaria a questão: De onde vem a exploração do trabalho? Para ele, o conceito exploração nada teria de científico, não passaria de uma excrescência ideológica - invenção de alguns socialistas inconformados.

A história não é a simples catalogação neutra de fatos ocorridos no passado. A missão dos historiadores é relacioná-los numa totalidade concreta (processo histórico) e, principalmente, interpretá-los. E a interpretação sempre tem por base determinada teoria ou ideologia. A partir dos mesmos fatos podemos construir várias e contraditórias interpretações.

O historiador marxista tem como objetivo fornecer uma explicação coerente das origens e desenvolvimento das sociedades humanas em suas diversas dimensões. Compreender as inúmeras transformações por que elas passaram. As mudanças sociais devem ser, em última instância, os verdadeiros objetos da história.

As sociedades humanas – como tudo no universo - estão num constante movimento. Elas nascem, desenvolvem-se - conhecem várias fases – e depois fenecessem. Estas transformações podem se dar lentamente – quase imperceptíveis - ou de maneira abrupta, como ocorre nas guerras e nas explosões revolucionárias.

Mas, qual é o motor dessas permanentes mudanças? São as contradições existentes no seio de cada sociedade, que se traduzem naquilo que os marxistas chamaram de lutas de classes.


Por que os trabalhadores devem conhecer a história?



Em todas as comunidades humanas existe um combate surdo pela memória. Este combate faz parte de uma luta ainda maior que é a travada pela conquista da hegemonia. Em outras palavras, a história é um espaço no qual grupos sociais se enfrentam para decidir qual deles dirigirá os rumos da nação e mesmo do planeta.

Por isso, as classes dominantes sempre procuraram reconstruir o passado para, no presente, justificar sua própria dominação. Os líderes das nações imperialistas também buscaram se utilizar da chamada história universal para justificar a dominação e a exploração que exerciam sobre outros povos, considerados inferiores.

Vejamos alguns exemplos extremos destas tentativas: os faraós do Egito foram transformados em filhos diletos do Deus Rá, alguns governantes gregos e romanos também foram transformados em descendentes de deuses e heróis olímpicos. Para justificar a escravidão africana, os negros foram considerados descendentes de Cam, o filho amaldiçoado de Noé. Deveriam pagar, através da servidão, pelos pecados de seus antepassados. Estes são apenas exemplos mais descarados da reconstrução mítica da história feita pelos membros das classes proprietárias no poder e seus escribas. Existem outros exemplos mais sutis, menos perceptíveis, mas, nem por isso, menos perversos.

Os deserdados da terra, os povos explorados, escravizados - ou mesmo eliminados - deixaram poucos rastros na história. Os escravos do Egito, Roma e Grécia não nos deixaram nenhuma obra escrita, apresentando seu ponto de vista sobre a situação na qual viviam. Quem escreveu a história dessas sociedades antigas foram homens livres e, na sua quase totalidade, proprietários de terras e de escravos. Alguns imperadores, também, aventuraram-se no oficio de escrever história. É claro que para enaltecer os seus próprios feitos e dos seus antepassados.

No Brasil, as coisas não podiam ser diferentes. Aqui, também, não foram os índios e negros escravizados que escreveram a história do país. Afinal, a quase totalidade deles não sabia ler e escrever – era lhes proibido freqüentar escolas. O que sabemos deles, num primeiro momento, nos foram contados por viajantes estrangeiros e jesuítas. Relatos que muitas vezes descreviam o martírio desses povos, mas, em geral, vinham carregados de inúmeros preconceitos e graves incompreensões.

Somente na segunda metade do século XIX, ao começar ser questionada a escravidão, surgiu pela pena dos abolicionistas uma outra história, mais crítica ao passado escravista. Mesmo assim, apesar de sua boa vontade, os abolicionistas não poderiam expressar adequadamente as opiniões dos explorados. E aqui não vai nenhum demérito a eles. Pois, foi através dos óculos desses escritores que começamos conhecer um pouco mais da evolução e vicissitudes de nossa sociedade.

Não quero dizer com isto que se os índios e os negros escravizados soubessem ler e escrever produziriam uma interpretação exata da sociedade na qual viviam. Eles ainda não tinham o instrumental teórico necessários para isso. Mas, com certeza, seus depoimentos nos permitiram ver a realidade por outros ângulos e acabar de montar o quebra-cabeça do que foi a nossa sociedade colonial e escravista. O olhar da senzala jamais será o mesmo da Casa Grande, mesmo que por ela pudesse ser fortemente influenciado. Este, inclusive, o erro daqueles que pretendem generalizar as conclusões de Gilberto Freyre na sua obra magna.

Podemos dizer que somente com o advento do capitalismo e a formação de uma classe operária moderna, que sabia ler e escrever – podendo, assim, produzir seus próprios intelectuais orgânicos -, é que foi possível construir uma história mais coerente das classes exploradas. Apesar disso, por um bom tempo, esta nova história (socialista) tendeu a ser marginal, fora dos grandes circuitos, como as academias e o mercado editorial. Afinal, as idéias dominantes são sempre – ou quase sempre – as idéias das classes dominantes.

Somente tendo a consciência que a história é um espaço de luta de classes, os trabalhadores poderão se dedicar com mais afinco ao seu estudo e elaboração. O domínio da história e da dinâmica das sociedades em que vivem – como das experiências de resistência desenvolvidas por seus antepassados - os ajudará travar, de maneira mais conseqüente, as lutas do presente, avançando rumo ao socialismo.

Saber que as sociedades se transformam – que nada é imutável -, e que o principal instrumento dessas mudanças é a ação consciente dos homens, tem um efeito decisivo no processo de constituição da classe dos trabalhadores, como agente ativo de sua própria história.


Bibliografia




BORGES, Vavy Pacheco, O que é história, Ed. Brasiliense, SP, 1980
CARR, E. H., Que é História, Ed. Paz e Terra, RJ, 1978
CHESNEAUX, Jean, Hacemos tabla rasa del pasado? Ed. Siglo Veintiuno, México, 1991
HOBSBAWM, Eric, Sobre História, Ed. Companhia das Letras, SP, 1998
MICELI, Paulo, O Mito do Herói Nacional, Ed. Contexto, SP, 1988
PINSKY, Jaime (org), O Ensino de História e a Criação do Fato, Ed. Contexto, SP, 1988
PLEKHANOV, A Concepção Materialista da História, Ed. Paz e Terra, RJ, 1980
RODRIGUES, José Honório, Filosofia e História, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1981
SCHAFF, Adam, História e Verdade, Martins Fontes, SP, 1983

(*) Esta é a primeira parte do texto que foi apresentado na mesa "A importância da história na formação do ser social" que compôs a programação do XX Encontro Nacional de Educadores, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de Paulínia (SP)entre 26 e 28 de julho de 2010.


** V Encontro Escravidão & Liberdade no Brasil Meridional

 

 V Encontro Escravidão & Liberdade no Brasil Meridional


Coordenadora
: Profa. Dra. Regina Célia Lima Xavier
Comissão Organizadora:
Beatriz Gallotti Mamigonian – Universidade Federal de Santa Catarina
Carlos Alberto Medeiros Lima – Universidade Federal do Paraná
Helen Osório - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Henrique Espada Lima Filho – Universidade Federal de Santa Catarina
Joseli Mendonça - Universidade Federal do Paraná
Lucia Helena Oliveira Silva – Universidade Estadual Paulista – Unesp-Assis
Martha Daisson Hameister – Universidade Federal do Paraná
Regina Célia Lima Xavier – Universidade Federal do Rio Grande do Sul

11 a 13 de maio de 2011

Conferencistas:
Prof.Dr. Joseph Miller – University of Virginia
Profa. Dra. Silvia Hunold Lara – Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Chamada


 O V Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional será realizado  em Porto Alegre, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem por objetivo reunir pesquisadores que se dedicam aos temas da escravidão, da liberdade e do pós-emancipação na região sul do país, bem como aqueles que, tratando de temas correlatos ou estudando outros espaços, possam estabelecer conexões com a região ou com os temas privilegiados.



 Assim, serão bem vindos trabalhos que contemplem:



 Ø  os sujeitos envolvidos nas relações produtivas da sociedade escravista: (escravos africanos e brasileiros, negros livres, índios, trabalhadores contratados – imigrantes e nacionais mulheres, crianças).



Ø  trabalho, em suas dimensões urbana e rural.



 Ø  redes de sociabilidades, parentesco, inclusive o espiritual,  família,  irmandades negras, práticas religiosas (católicas ou não).



 Ø  revoltas, crimes, rebeliões e culturas africanas.



Ø  o tráfico, suas modalidades e suas transformações (tráfico atlântico de escravos, tráfico interprovincial, mercado interno, trajetórias de pessoas e riquezas, debates intelectuais e políticos; as alterações nos padrões de posse de escravos decorrentes da restrição e/ou abolição do tráfico atlântico)



 Ø  as práticas de manumissão e as fronteiras entre a escravidão e a liberdade (alforrias, recursos ao mundo institucional-jurídico)



 Ø  o abolicionismo, a abolição e o destino dos africanos e seus descendentes no pós-emancipação (a militância e os projetos abolicionistas, o debate político institucional em torno da abolição; a experiência dos ex-escravos: negociação, autonomia, cidadania; relações inter-étnicas e inter-raciais; a memória e a cultura no pós-emancipação).



 Ø  relações hierárquicas, teorias raciais, os projetos de exclusão e de inclusão.



Ø populações escravas e atividades produtivas



 Ø  Avaliação de fontes documentais.





 Com este encontro, portanto, pretende-se possibilitar a troca de experiências de pesquisa, o intercâmbio de informações, o afinamento de interesses e perspectivas de análise, a colaboração, enfim, entre pesquisadores.





Formas de apresentação de trabalhos:



 Comunicação



 Serão aceitos trabalhos que correspondam, no mínimo, a pesquisas em andamento em nível de Mestrado e que sejam resultado de pesquisa original (concluída ou em estágio de redação), excluindo, portanto: 1) exposição de projetos e 2) trabalhos de conclusão de disciplinas.



O resumo ampliado deve conter tema, metodologia e conclusões, até 400 palavras. Deve ser enviado, ainda, o currículo resumido, até duas paginas.


 Os pesquisadores que tiverem seus resumos aceitos deverão enviar os textos completos para circulação entre os participantes do V Encontro, de modo a podermos diminuir o tempo das apresentações e ampliar as discussões dos mesmos. O envio do texto completo é imprescindível para a efetivação da inscrição. O texto, inicialmente, ficará acessível na página apenas para os inscritos no evento. Só serão publicados, posteriormente, no site do V Encontro de Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, com acesso irrestrito, aqueles trabalhos realmente apresentados pelos autores.


Os melhores trabalhos apresentados por alunos de pós-graduação serão premiados. O regulamento estará disponível na página do Encontro em 15/12/2010. Os prêmios serão divulgados e entregues durante o último dia do evento.


 Pôster


 Os trabalhos de graduação, de iniciação científica, assim como os projetos em andamento serão apresentados sob a forma de pôster. As propostas serão da mesma forma analisadas a partir de resumo ampliado e currículo dos proponentes. Os resumos serão publicados em volume impresso e na página do Encontro na internet.



Os resumos enviados devem conter o nome do proponente e sua instituição, a modalidade  (comunicação ou pôster) e o título do trabalho.

As propostas de comunicação ou pôster devem ser encaminhadas para o email:
vencontro@ifch.ufrgs.br.



Ø  Cronograma





 Ø  Recebimento de propostas de comunicação ou pôster: até 15 de dezembro de

 2010



 Ø  Emissão das cartas de aceite: 07 de fevereiro de 2011



Ø  Definição dos mini-cursos: até 10 de janeiro de 2011



 Ø  Recepção de textos completos e pagamento da inscrição pelos

 apresentadores de comunicação: até 10 de março de 2011



 Ø  Recepção de inscrição de ouvintes até dia 20 de abril de 2011


Ø Recepção de inscrição de participantes do mini-curso: até o término das

vagas.


 Ø Recepção de inscrição para lançamento de livros: até 10 de abril


 Ø  Encontro: 11 a 13 de maio de 2011


Valor das inscrições
Apresentação de comunicação
Profissionais, R$60,00/Estudantes, R$40,00
Apresentação de pôster
R$35,00
Inscritos para mini-curso
R$40,00
Ouvintes
R$25,00





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Atividade nos últimos dias:
        **Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO BRASIL e tão-somente  HISTÓRIA DO BRASIL.  Discussões sobre a situação atual: política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros fóruns mais apropriados para tais questões.

                                                                                                        Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
     

    ** Pró-Defesa - Convite para o Ciclo de Palestras NEST -2010 - ANP - 18NOV 17h

     


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      ** Conferência: O Islã e a Globalização

       

      Prezados(as) Professores(as)
      O Curso de Especialização em Estudos Judaicos convida para a Conferência "O Islã e a Globalização", proferida pelo prof. Peter Demant.
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      Fabrício Augusto Souza Gomes





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        ** [Carta O BERRO] A proclamação da República

        Carta O Berro..........................................................repassem


        A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA *

                                                                        Por Augusto Buonicore **


        Na luta pela substituição da monarquia pela República também se chocaram duas estratégias distintas. Uma defendia que essa mudança deveria se dar dentro da ordem, sem grande mobilização popular, outra advogava a derrubada revolucionária da monarquia.
        Essas duas correntes do republicanismo estavam ligadas a distintas bases sociais. A reformista era composta, fundamentalmente, por elementos vinculados à aristocracia agrária. Os radicais às parcelas urbanas, especialmente às classes médias. O republicanismo moderado – ou conservador – tinha maior força em São Paulo e o radical no Rio de Janeiro. Embora os reformistas fossem hegemônicos nos dois estados.
        Entre os republicanos mais exaltados se encontravam Silva Jardim e Lopes Trovão. Acreditavam que a República precisava "ser feita nas ruas e em torno dos palácios do imperante e de seus ministros" e que não se poderia "dispensar um movimento francamente revolucionário". Por outro lado, ainda em 1881, o principal líder nacional dos republicanos, Quintino Bocaiúva, condenava os que "procuravam encaminhar a causa republicana para uma solução violenta e inoportuna", os que almejavam desviar o movimento "do campo da discussão e da propaganda pacífica, para o campo da revolução armada, fazendo-o abandonar as armas da persuasão e da influência moral para substituí-la pelo facho incendiário da discórdia civil e da guerra fratricida".
        No mesmo sentido, em 1885, afirmou o republicano e grande fazendeiro paulista Prudente de Moraes: "não aceitamos a revolução como meio (...) é nosso dever representar as funções públicas como cooperadores de reformas, que operam, por partes, essa eliminação. Portanto (...) os deputados republicanos não pertencem à maioria nem à oposição governamental, não apoiam nem combatem governos, não disputam o poder no atual regime".
        No decorrer da década de 1880 estabeleceu-se uma aliança entre os "republicanos históricos" paulistas, os reformistas e positivistas do Rio de Janeiro, que isolou a ala radical do Partido Republicano Nacional. Silva Jardim, como Lopes Trovão, acabaram sendo postos à margem do movimento quando ele estava prestes a tornar-se vitorioso.

        1. O surgimento do movimento republicano

        Em 1868, desrespeitando as regras do jogo parlamentar, D. Pedro II indicou um membro do Partido Conservador para formar o novo governo. Caiu, assim, o ministério chefiado pelos liberais. As novas eleições, controladas pelos conservadores, deram maioria absoluta a estes. Antes de deixar a cena política a Câmara dos Deputados aprovou, por 85 votos a 10, uma moção de desconfiança em relação ao governo.
        O Partido Liberal (monarquista) se dividiu. O setor radical formou o Centro Liberal pretendendo organizar "as forças democráticas contra a ditadura". Dentro do Centro uma ala ainda mais radicalizada passou a defender a República. Em 1870 trinta liberais radicais se reuniram para formar o Clube Republicano e lançaram um Manifesto, que seria a base do novo partido político: o Partido Republicano. O documento foi assinado por 58 pessoas – a grande maioria composta de profissionais liberais e apenas um fazendeiro. O partido nasceu com pouca expressão política e nenhuma sustentação popular. Mas, a semente estava lançada.
        Em 1873 realizou-se uma convenção republicana em São Paulo, que lançou os alicerces do Partido Republicano Paulista (PRP). Diferente do que ocorreu no Rio de Janeiro, dos seus 133 convencionais 79 eram proprietários de terra. Dois anos depois vários clubes republicanos provinciais se reuniram para formar o Clube Republicano Federal. O seu principal dirigente foi  Saldanha Marinho. As figuras mais expressivas, Quintino Bocaiúva – presidente do partido na capital imperial – e Aristides Lobo, chefe de sua ala radical.
        A secção mais forte do movimento republicano foi a de São Paulo, graças à adesão de inúmeros fazendeiros do Oeste paulista – vanguarda econômica do país. Em 1877 o PRP elegeu três deputados provinciais. E em 1884, os dois primeiros deputados republicanos para Câmara Federal: Prudente de Moraes e Campos Salles. No ano da Proclamação da República o PRP representava 25% dos eleitores paulistas. Mesmo assim continuava atrás de dois partidos monarquistas: o Liberal e o Conservador. Devemos, no entanto, relativizar esses índices como referenciais seguros sobre a opinião pública no final do império, porque apenas 1,5% da população podia votar. Somavam-se a isso as fraudes que eram regra nessas eleições.
        Mas, por que os grandes fazendeiros escravistas paulistas aderiram prontamente ao republicanismo? O que os levou ao campo de oposição ao segundo reinado?
        Os fazendeiros do café do Vale do Paraíba e os senhores de engenho do nordeste representavam a principal força econômica e social durante os primeiros cinquenta anos do Império. Por isso tinham forte representação política no interior do Estado monárquico brasileiro – no parlamento e nos ministérios. Com a crise da economia nordestina e das lavouras do Vale do Paraíba começou a se operar uma defasagem entre o poder econômico e o poder político.
        O centro mais dinâmico da economia agroexportadora se transferiu para o Oeste paulista e o Estado brasileiro não refletiu essa mudança. Nas décadas de 1870 e 1880 essa defasagem se tornou gritante. No ano da Proclamação da República (1889) dos 59 senadores apenas 3 eram paulistas. Um número igual ao da província do Pará. Bahia e Pernambuco tinham 6 senadores cada, Rio de Janeiro 12, e Minas Gerais 20. O quadro era ainda mais grave na Câmara dos Deputados onde São Paulo possuía apenas 9 deputados, Pernambuco 13, Bahia 14, Rio de Janeiro 12, e Minas Gerais 20.
        No ministério do império, raros foram os representantes dos fazendeiros do Oeste paulista. Ali também predominavam os representantes das oligarquias de Vale do Paraíba, Bahia, Pernambuco e Minas. Tudo isso era agravado pelo fato de o presidente da província não ter sido eleito pelos paulistas, e sim indicado pelo imperador, e, geralmente, não representava os setores mais dinâmicos – e poderosos – das classes dominantes locais – e, às vezes, nem mesmo era paulista.
        Aos olhos dessas oligarquias, tão grave quanto a subrrepresentação política seria a forma de arrecadação e distribuição das rendas públicas. Dois meses de arrecadação da alfândega de Santos, diziam, equivalia a todo o gasto do governo imperial com a província. Para cada 20 mil réis nela arrecadados apenas 3 voltavam para ela.
        Isso provocava um grande descontentamento na nova e poderosa elite econômica paulista, e a República passava a ser encarada como o melhor meio para galgar o poder no Estado brasileiro e desalojar as outras frações das classes dominantes – adequando o poder político ao poder econômico. A grande bandeira foi o federalismo e alguns chegaram mesmo a fazer propaganda ativa pela separação de São Paulo.
        No Rio de Janeiro o movimento republicano teve uma base social diferente: as camadas médias urbanas. Na capital do império se destacavam as figuras de Saldanha Marinho, Aristides Lobo, Lopes Trovão, Quintino Bocaiúva e Silva Jardim. Os fazendeiros do Vale do Paraíba não tiveram qualquer relação com o Partido Republicano e permaneceram fiéis à monarquia até a Abolição, e mesmo depois.
        Esse partido, no entanto, tinha menos expressão eleitoral que em São Paulo. Ainda em 1889 conseguiu apenas 1/7 da votação. No ano anterior o principal chefe do Partido Republicano, Quintino Bocaiúva, foi derrotado pelo conservador e abolicionista Ferreira Viana – por 108 votos contra 1.347.
        A fragilidade do novo partido e a falta de convicções sólidas fizeram com que muitos abandonassem suas fileiras quando, em 1878, D. Pedro II chama o Partido Liberal para compor um novo governo. Entre os que o abandonaram, Cristiano Otoni e Lafaiete Rodrigues Pereira tiveram um papel importante na formação do Clube Republicano do Rio de Janeiro e na elaboração do seu Manifesto.

        2. Republicanos e abolicionistas

        A existência de várias classes e frações de classe no interior do movimento republicano o levou a se dividir em torno de uma série de questões importantes, entre elas a solução a ser dada ao problema da escravidão. O partido acabou assumindo uma postura de neutralidade diante da vigorosa campanha abolicionista. Apenas em 1887 o Congresso Republicano conclamou que seus aderentes libertassem os seus escravos... até 14 de julho de 1889, quando do centenário da Revolução Francesa. A maioria dos republicanos passou a aceitar a Abolição, desde que vinculada a uma indenização aos proprietários.
        O Clube Republicano do Rio de janeiro apresentou, ainda em 1871, três propostas para solucionar o problema da escravidão: 1º) Deixar o problema da Abolição para as províncias; 2º) decretar a emancipação geral com indenização; e 3º) emancipar os escravos gradualmente num período de 10 a 15 anos, sem indenização. Sobre a indenização afirmava: "há muita gente que se assusta com o algarismo enorme da indenização, mas entre esse algarismo e o que se tiver de gastar com uma guerra civil, escolha que for capaz".
        Os republicanos paulistas, num documento de 1873, também deixaram clara a sua posição. Defendiam que a Abolição fosse realizada "mais ou menos lentamente, conforme maior ou menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre", e que "em respeito aos direitos adquiridos e para conciliar a propriedade de fato com o princípio da liberdade, a reforma se fará tendo por base a indenização e o resgate". O abolicionista negro Luís da Gama recusou-se a assinar tal documento e rompeu com a direção do Partido Republicano.
        Não sem razão o intelectual comunista Leôncio Basbaum chegou a afirmar: "O movimento republicano no Brasil não era de modo algum um movimento de caráter burguês, como querem alguns autores, e muito menos popular (...). E no que se refere particularmente ao PRP (...) nem mesmo se pode dizer que tenha sido progressista". Não o foi porque estavam ausentes do seu programa a Abolição da escravidão e a reforma agrária. Júlio Ribeiro, ainda em 1885, afirmou: "os republicanos paulistas hão de ser o que são e são o que sempre foram – escravocratas ferrenhos".
        Havia, no entanto, republicanos defensores da Abolição imediata e sem indenização. Silva Jardim, ironicamente, apresentou aquela que seria a sua proposta de lei para pôr fim à escravidão. Declarou ele: "essa lei teria apenas dois artigos". O primeiro seria "Fica abolida a escravidão no Brasil", e o segundo: "Pedimos perdão ao mundo por não tê-la feito há mais tempo".
        O peso dos fazendeiros no movimento levou certos republicanos abolicionistas menos consequentes a fazerem concessões aos escravistas. Quintino Bocaiúva chegou a criticar José do Patrocínio por este ser antes de tudo um abolicionista e somente depois um republicano.

        3. O golpe militar

        Apesar da resistência dos seus setores mais conservadores, a ala radical buscou se integrar ao povo e mobilizá-lo contra a monarquia. Um exemplo desse movimento foi a Revolta do Vintém, ocorrida na capital imperial em 1880. Ela começou quando o governo criou um imposto que onerou as passagens de bonde em 20 réis. Setores de oposição, encabeçados pelos republicanos Lopes Trovão e José do Patrocínio, realizaram várias manifestações de repúdio. No dia 1º de janeiro um comício foi atacado pela polícia. A população reagiu e começou um quebra-quebra de bondes. Os distúrbios continuaram por vários dias e o exército foi convocado para reprimir os protestos.
        Como resultado dos conflitos, três manifestantes foram mortos e 28 feridos. Isto acarretou a queda do gabinete e a abolição do imposto. O Partido Republicano se absteve de apoiar o movimento. Em outubro de 1881 um comício de Lopes Trovão foi interrompido por policiais e no conflito que seguiu o tribuno republicano quase foi assassinado. Esses comícios foram condenados por Quintino Bocaiúva, mas este teve de se solidarizar com os companheiros agredidos.
        Em 1887 começou a crescer no interior do republicanismo a ideia de utilizar o exército para pôr fim à monarquia. Mesmo para os evolucionistas esta parecia uma opção mais adequada à mobilização popular. Rangel Pestana propôs à comissão permanente do partido uma aliança com os militares para pôr abaixo o imperador. Inicialmente ela rejeitou a ideia. Mais tarde o paulista Francisco Glicério foi ganho para a tese e chegou a sugerir a Bocaiúva que se colocasse à frente de uma revolta cívico-militar. A intensa propaganda republicana já havia solapado as débeis bases sociais da monarquia, o que levaria a uma rápida aceitação do novo regime.
        Depois da Abolição, sem indenização, aumentou o tom da oposição ao PRP. No seu manifesto de 24 de maio de 1888 afirmou: "O Partido Republicano, pelos seus representantes reunidos em congresso, para tornar eficaz esse trabalho de integração das forças revolucionárias resolveu: I. Combater o 3º reinado em todos os terrenos em que a circunstâncias o coloquem".
        A radicalização tinha duas razões: 1ª) o ingresso de fazendeiros escravistas descontentes com a monarquia; e 2ª) a necessidade de marcar posição em relação à monarquia que poderia angariar apoio popular graças à Abolição. Este movimento contraditório levou o renomado republicano e abolicionista José do Patrocínio, entre outros, a abandonar o movimento e aderir à monarquia moribunda.
        O último ministério do Império, empossado em julho de 1889, tentou jogar a última cartada – avançando o sinal e propondo uma reforma política e social bastante ousada para a época. Isto isolou completamente o governo imperial junto aos setores conservadores e selou o seu fim. Os escravocratas descontentes já haviam se desinteressados pelo destino da coroa, agora passavam a temer a própria existência de uma monarquia simpática à anarquia. O grande temor passava ser a reforma agrária.
        O novo ministro dirigindo-se a D. Pedro II afirmou: "Vossa Majestade terá seguramente notado que em algumas províncias agita-se uma propaganda ativa cujos intuitos são a mudança de Governo (...). No meu humilde conceito é mister não desprezar essa torrente de ideias falsas e imprudentes cumprindo enfraquecê-la, inutilizá-la, não deixando que se avolume (...). Chegaremos a este resultado, senhor, empreendendo com ousadia e firmeza largas reformas na ordem política social e econômica, inspiradas na escola democrática. Reformas que não devem ser adiadas para não se tornarem improfícuas, O que hoje bastará, amanhã talvez seja pouco".
        No dia 11 de julho foi apresentada a proposta de reforma: Ampliação do colégio eleitoral, exigindo que o eleitor soubesse ler e escrever e tivesse profissão reconhecida – mantida a exclusão das mulheres –, maior autonomia das províncias e municípios, liberdade de culto, fim da senatoria vitalícia, eleições diretas dos intendentes municipais e a indicação dos presidentes das províncias a partir de lista tríplice formada através de eleições, reforma das leis de terras que facilitassem a sua aquisição. O objetivo do governo era roubar algumas das bandeiras da oposição republicana e assim ampliar sua base social. Em alguns casos a plataforma imperial era mais avançada, pois apresentava concretamente uma proposta de reforma agrária. Diante de uma proposição, considerada carbonária, a Câmara dos Deputados aprovou por 79 votos a 20 uma moção de desconfiança ao governo e foi dissolvida.
        Aproveitando-se da crise política os republicanos aumentaram a sua propaganda junto ao Exército. No dia 11 de novembro Rui Barbosa, Benjamim Constant, Aristides Lobo, Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério se reuniram na casa do marechal Deodoro da Fonseca para convencê-lo a comandar um golpe de Estado contra o imperador. Ele ainda não havia se decidido, pois era contra o governo e não contra o regime. Apenas se decidiu às vésperas e, em 15 de novembro, liderou o golpe que pôs fim à monarquia.

        4. A Proclamação da República e a formação do Estado burguês

        A Proclamação da República foi um dos marcos da revolução burguesa no Brasil – um momento de nossa ruptura incompleta. Houve um deslocamento das frações mais arcaicas da classe dos grandes proprietários rurais, passando o poder político para a sua fração mais dinâmica: a dos produtores e exportadores de café de São Paulo. Isto explica a manutenção de uma estrutura econômica assentada no latifúndio, no trabalho semisservil e na agroexportação.
        Como já afirmou o professor Décio Saes, no seu clássico A formação do Estado burguês no Brasil, a Proclamação da República foi um marco na adoção de um novo sistema jurídico-político. Transformou o Estado brasileiro num Estado burguês. Embora não tivesse o dom de imediatamente impor o predomínio de relações de produção tipicamente capitalistas, assentadas no trabalho assalariado, o novo Estado criou as melhores condições para a expansão de formas capitalistas de exploração do trabalho.
        Como já afirmei em capítulo anterior  "o Brasil conheceu no final da década de 1880 e início de 1890 transformações políticas importantíssimas. Este período representou um marco no processo de revolução política burguesa. Abriu caminho para que a revolução continuasse o seu caminho e as relações de produção capitalistas pudessem se impor sobre o conjunto da economia – o que só ocorreria muitas décadas depois".
        As transformações políticas do Estado antecederam as transformações econômicas e a própria hegemonia política do setor industrial sobre o Estado. Existiu uma natural defasagem entre o ritmo da transformação política e o da transformação econômica. A primeira abriu caminho para que a segunda pudesse se desenvolver mais rapidamente. Mais do que exceção essa parece ter sido a regra das revoluções políticas burguesas.

        * Capítulo do livro "Marxismo, história e revolução burguesa: encontros e desencontros" da editora Anita Garibaldi.

        ** historiador, mestre em ciência política pela Unicamp e secretário-geral da Fundação Maurício Grabois.

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