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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

** O paraíso religioso holandês A liberdade dos judeus no Brasil de Nassau

 
O paraíso religioso holandês
A liberdade dos judeus no Brasil de Nassau


Fonte: Pesquisa FAPESP
© reproduções do livro O Brasil e Os Holandeses / 1630-1654

Rua dos Judeus, em Recife



Com um pragmatismo superado apenas pela argúcia, o Padre Vieira afirmava sobre os judeus, lançando mão de um argumento emprestado de Santo Agostinho: "O esterco fora do seu lugar suja a casa, e posto no seu lugar fertiliza o campo. O mesmo vale para os judeus, que no estrangeiro ajudam os hereges, mas em casa fornecem o capital para manter o Império. Por que transformar vassalos úteis em inimigos poderosos?". O mesmo senso prático se estabeleceu no Brasil durante a dominação comercial e militar dos holandeses, entre 1630 e 1644, em Pernambuco, onde reinou um ambiente inédito de tolerância religiosa, em especial para judeus. "A capital pernambucana era uma verdadeira 'Jerusalém colonial' por causa da utopia da reconstrução do mundo judaico da diáspora. Era uma Babel cultural. Recife, por certo tempo, foi a única cidade do mundo que reunia pessoas das três crenças (judeus sefarditas, católicos e calvinistas) em um único ambiente de tolerância religiosa", afirma o historiador Ronaldo Vainfas, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de Jerusalém colonial: judeus portugueses no Brasil holandês (Civilização Brasileira), pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). "Nunca antes os judeus alcançaram tamanha liberdade religiosa como no Brasil holandês, em especial durante o governo de Maurício de Nassau", analisa.
No caso dos judeus, havia, como pregava Vieira, razões concretas para a boa vontade batava. "Os holandeses do governo colonial ou representantes da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) apoiavam enfaticamente os judeus porque eles eram os intermediários por excelência dos negócios coloniais", observa Vainfas. "O 'tolerantismo' ou o Estado multirreligioso era visto por muitos governos da época como o caminho mais curto para a deslealdade e para a dissidência interna. Não foi fácil para Nassau implantar essa política, tendo que lutar constantemente contra a ira da maior parte do clero calvinista local e contra pressões de uma política menos tolerante na colônia, exigida pelos diretores da WIC", afirma o historiador americano Stuart B. Schwartz, professor da Universidade Yale e autor de Cada um na sua lei (Companhia das Letras). "Esse período oferece uma oportunidade limitada de imaginar as possibilidades de tolerância que existiriam na sociedade portuguesa com a redução do poder e da autoridade da Igreja e, acima de tudo, da Inquisição." Afinal, era a primeira vez que os judeus puderam se reorganizar depois de mais de um século de proibição do judaísmo em Portugal. O processo remonta a 1478, quando os reis católicos instituíram a Inquisição na Espanha, o que levou os conversos, vistos como hereges por se "judaizarem" em sigilo, a fugir para o reino vizinho. O grande afluxo de judeus espanhóis levou a nobreza e a Igreja de Portugal a clamarem por medidas equivalentes à espanhola e, em 1496, o rei português, que nada tinha contra seus súditos hebreus, decretou que todos os semitas deveriam se converter ao catolicismo, o que fez nascer a comunidade dos cristãos-novos. Em 1536, quando a Inquisição chegou a Lisboa, mais uma vez os sefarditas iniciaram uma diáspora, dessa vez em direção aos Países Baixos. Amsterdã passou a ser conhecida como a "Jerusalém do Norte".
Rituais – "Os imigrantes estavam separados por mais de 100 anos do ju­daísmo dos avós, não sabiam hebraico e só praticavam certos rituais domésticos. Não conheciam nada ou pouco do judaísmo. Para a maioria dos convertidos, a primeira comunidade judia que conheceram foi essa que criaram. Eram 'judeus novos' que, no fundo, eram cristãos por formação", explica Vainfas. O português era a língua falada por eles, conhecidos por isso pelos holandeses como "gente da nação portuguesa", apelando para o castelhano nas orações e cerimônias das sinagogas. Aos poucos foram ampliando seus direitos, embora fossem uma minoria que se restringia a um gueto em Amsterdã. "Quando os holandeses se instalaram no Brasil, os judeus vieram para o país, a partir de 1635. Essa proteção aos judeus não foi uma decisão de Nassau, mas uma política da WIC", nota o pesquisador. "A Companhia não tinha fundos para financiar suas operações e foram obrigados a encorajar a migração de judeus portugueses, que se transformaram em operadores e intermediários, fornecendo dinheiro, crédito e os suprimentos necessários para colocar a região de produção de açúcar novamente em funcionamento", afirma o historiador americano Jonathan Israel, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, autor de The expansion of tolerance: religion in dutch Brazil.
"Eram os únicos que falavam português e holandês, o que lhes permitia dominar o comércio da colônia, vantagem combinada a um conhecimento profundo da indústria açucareira. E, ao contrário de Amsterdã, onde só podiam morar, em Pernambuco eram livres para ter lojas e tocar negócios em geral", diz o americano. "Essa tolerância, porém, não era gratuita, mas fruto da necessidade. A maioria das plantações de açúcar em Recife tinha sido destruí­da na conquista e não havia dinheiro da WIC capaz de restaurar a economia. Foi um caso especial, que não se repetiu em outras regiões dominadas pelos holandeses, como o Caribe ou a Nova Amsterdã", ressalta Israel. "Eles foram os grandes cobradores de impostos do Brasil holandês. Emprestaram dinheiro a juros para senhores de engenho holandeses ou luso-brasileiros e para cristãos-novos menos afortunados. Até para a WIC os grandes comerciantes judeus emprestaram dinheiro. Foram igualmente distribuidores de escravos", conta Vainfas. Com o financeiro resolvido, houve espaço para a fé. A congregação Kahal Kadosh Zur Israel foi a primeira fundada nas Américas. "Era algo inimaginável numa colônia portuguesa católica e Nassau sofreu grandes pressões por parte dos pastores calvinistas", diz o professor da UFF. "Embora o governo holandês protegesse os judeus, os predicantes calvinistas se revelaram mais intolerantes aqui, porque a visibilidade do judaísmo era maior e os privilégios desfrutados pelos judeus eram imensos. Os pequenos e médios comerciantes holandeses odiavam os judeus porque perderam espaço e viram frustradas suas expectativas de enriquecer na colônia. Os calvinistas também nisso esposaram a causa dos negociantes holandeses", continua Vainfas. Nassau, no entanto, gostava de lembrar aos diretores da WIC que os judeus, ao contrário dos católicos, eram aliados fiéis. A comunidade teve desdobramentos.
Liberdade – "A presença de judeus confessos provocou tensões e sentimentos diversos nos cristãos-novos daqui. Vários dentre esses aproveitaram a relativa liberdade religiosa para se tornarem abertamente judeus", analisa o historiador Bruno Feitler, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor do livro Nas malhas da consciência (Alameda). "Mas muitos cristãos-novos que passaram pelo processo de 'retorno' não tinham nenhum conhecimento ou prática da religião ou dos costumes judaicos", observa. "Causava um grande desconforto aos católicos acompanhar a adesão diária de cristãos-novos à sinagoga, homens e mulheres que antes se diziam cristãos e frequentavam missas. A disposição de muitos cristãos-novos de 'regressar' ao judaísmo parecia confirmar o alerta da Inquisição contra o perigo da 'heresia' judaica que corria no sangue dos cristãos-novos", avalia Vainfas. Na luta da restauração portuguesa, os lusitanos também se voltaram para os judeus, aconselhados por Padre Vieira, um curioso conflito de interesses. "No caso de Portugal, o dinheiro judaico foi essencial para a vitória sobre a Espanha. No caso holandês, era importantíssimo nos investimentos da WIC. Os judeus da Holanda investiram nos dois lados da contenda. O desempenho das redes mercantis sefarditas exprimiu a lógica de um capitalismo comercial avançado, capaz de operar entre sistemas monopolistas rivais, colocando em segundo plano razões de ordem política e religiosa", lembra o pesquisador. Apoiar Portugal era investir na chance de os lusos retomarem o Brasil dos holandeses, responsáveis pela liberdade experimentada pelos judeus. Quando esses foram expulsos, a maioria dos sefarditas deixou o Brasil e foi para lugares controlados pela WIC, o que lhes permitiu superar a experiência pernambucana.
"Alguns foram para a América, mas é um mito que tenham fundado Nova York. Os holandeses de Manhattan temiam que os judeus repetissem por lá o que haviam feito no Brasil: tomar conta do comércio. Isso não ocorreu, porque o português não tinha utilidade na Nova Amsterdã", diz Vainfas. "Um estudo da cultura brasileira mostra o legado deixado por aqui pelos cristãos-novos, com suas ideias de tolerância e liberdade, com sua defesa de que 'cada um deve ter a liberdade de adorar Deus conforme sua consciência'. Eles podem, pela sua crítica à Igreja, aos dogmas e ao fanatismo, ser considerados os precursores da ilustração brasileira. Os judeus entraram intimamente na composição étnica do nosso povo, fato decisivo para a formação de nossa mentalidade e para a heterodoxia dos brasileiros", afirma a historiadora Anita Novinsky, professora da Universidade de São Paulo, autora do livro Cristãos-Novos na Bahia (Perspectiva).



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** Gonçalves Dias, etnógrafo Maior poeta do Romantismo brasileiro pesquisou, escreveu e coletou material sobre índios

 
Gonçalves Dias, etnógrafo
Maior poeta do Romantismo brasileiro pesquisou, escreveu e coletou material sobre índios


Fonte: Pesquisa FAPESP
© Litografia de Fleiuss Irmãos e Linde / Biblioteca Nacional / Reprodução de Jaime Acioli

Adornos com bicos de tucano e espelhos coletados pelo poeta


A procura pelas origens brasileiras foi uma das motivações do Indianismo, movimento literário que teve o poeta maranhense Antonio Gonçalves Dias e o romancista cearense José de Alencar como seus principais criadores em meados do século XIX. Gonçalves Dias, porém, levou essa busca para além da literatura. O poeta escreveu um ensaio, coletou material e produziu notas e diários que se perderam no mesmo naufrágio em que ele morreu, no litoral do Maranhão. O autor de um dos mais conhecidos poemas da língua portuguesa, a Canção do exílio, foi também etnógrafo e participou da Comissão Científica do Império, a primeira a contar apenas com especialistas brasileiros.
Gonçalves Dias (1823-1864) nasceu em Caxias, no Maranhão. Em 1838 foi para Portugal terminar os estudos secundários e, em seguida, cursar direito na Universidade de Coimbra. Na Europa conheceu e recebeu influência dos escritores e poetas românticos. Em 1845 voltou ao Brasil e fixou-se no Rio de Janeiro onde ensinou história e latim no Colégio Pedro II. Junto com Manuel de Araújo Porto-Alegre e Joaquim Manuel de Macedo criou a revista Guanabara em 1849, para divulgar o Romantismo.
Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1850 o escritor estava interessado em conhecer a história do Brasil pelo ponto de vista dos seus primeiros habitantes.
"Ele chegou a ir a Portugal, em missão do IHGB, em busca de documentos que ajudassem a compor uma história brasileira", diz a historiadora da ciência Kaori Kodama, da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. Foi naquele ano que dom Pedro II encomendou a ele um estudo comparando os indígenas nacionais com os da Oceania. O poeta dedicou-se à tarefa e produziu Brasil e Oceania, usando como base relatos de viajantes. "Ele admirava naturalistas como Von Martius, mas se preocupava em desmentir 'calúnias' e 'exageros' publicados sobre o Brasil no exterior", conta Kaori. O escritor também tinha uma visão diferente da corrente na época e considerava que a civilização era que havia desvirtuado o "índio puro".
De 1859 a 1860 Gonçalves Dias integrou a Comissão Científica do Império. A meta era levar especialistas brasileiros (geógrafos, zoólogos, botânicos, geólogos e astrônomos) a conhecer a natureza brasileira de modo objetivo. A expedição foi analisada no livro Comissão Científica do Império, organizado pela historiadora da ciência Lorelai Kury (Andrea Jakobsson Estúdio Editorial, 2009). O Ceará foi o estado escolhido para a missão por ter sido pouco explorado. Ao constatar que não havia "tipos puros" entre os indígenas daquela região, o escritor rumou para o Amazonas, onde anotou observações sobre as línguas faladas e enviou objetos etnográficos para o Rio, incorporados depois à coleção do
Museu Nacional.

© Biblioteca Nacional / Reprodução de Jaime Acioli

Peças da Amazônia reunidas por Gonçalves Dias para exposição de 1861
Peças da Amazônia reunidas por Gonçalves Dias para exposição de 1861

A maior parte do seu trabalho na comissão ficou desconhecida. Supõe-se que o material estava no navio que naufragou quando ele voltava da Europa, em 1864. Em 2002, a Academia Brasileira de Letras publicou Gonçalves Dias no Amazonas: relatórios e diário da viagem ao rio Negro, com introdução do escritor maranhense e acadêmico Josué Montello, com informações sobre aquele período.
"A etnografia feita por Gonçalves Dias era muito diferente da que é praticada hoje", afirma o antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor do Museu Nacional. No século XX esse ramo da antropologia se tornou um trabalho de pesquisa de campo sistemático e de contato direto com as culturas que se quer estudar. Já o trabalho científico do poeta era realizado por meio de leituras e comparações entre os relatos de viajantes e naturalistas implicando hipóteses sobre o desenvolvimento e difusão das culturas. "Ele estava sintonizado com seu tempo tanto ao fazer literatura quanto ciência, sendo o impacto de sua obra equivalente à de Castro Alves com o tráfico negreiro."




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** A Bahia tão dessemelhante Pesquisa feita nos EUA revela riqueza cultural soteropolitana

 
A Bahia tão dessemelhante
Pesquisa feita nos EUA revela riqueza cultural soteropolitana


Fonte: Pesquisa FAPESP
© ARQUIVO / AGÊNCIA ESTADO
Elevador Lacerda, 1928-1930


Na década de 1950, o então luxuoso Hotel da Bahia é inaugurado no centro de Salvador para acolher principalmente os turistas estrangeiros. Em sua parede, um grande mural do pintor Genaro de Carvalho (1926-1971), chamado de Festas regionais, apresenta uma cena que podia ser observada nas ruas daquela terra "histórica e pitoresca", como a descreveu o artista na época à imprensa local. Na tela há as famosas baianas de acarajé, mulheres vestidas com roupa branca suntuosa, panos e turbante, como no século XIX, que lavam a escadaria da igreja do Bonfim sob a proteção de Iemanjá, orixá do candomblé. Esse episódio – o hotel, o mural, a declaração do pintor – sintetiza, para a historiadora americana Anadelia A. Romo, da Universidade do Texas, uma das principais tensões observadas na sociedade baiana, não só naquele tempo mas também hoje, em 2010: as tradições, vistas como apaziguadas e estáticas, estão vivas num dia a dia que é, porém, urbano, dinâmico e desigual.
Sem dúvida, essa Bahia tradicional, tal como é pintada pelo mestre Genaro, é a que se vê nos principais pontos turísticos e a divulgada pelas agências e guias de viagem. A história de como se configura essa imagem, entre 1888 e 1964, é contada por Anadelia em Brazil's living museum – Race, reform, and tradition in Bahia (em tradução livre, "O museu vivo do Brasil – Raça, reforma e tradição na Bahia"), obra publicada pela editora da Universidade da Carolina do Norte. A pesquisa começou quando ela ainda era estudante de graduação na Universidade Princeton e foi aluna do historiador baiano João José Reis, então professor visitante. Por mais de uma década o interesse persistiu, e o seu estudo incluiu diversas visitas aqui para pesquisar em arquivos brasileiros. Anadelia concluiu seu Ph.D. em história pela Universidade Harvard e hoje é professora na área de América Latina da Universidade do Texas.
E a quem interessa essa imagem de "museu vivo"? Como explica a pesquisadora, vários setores se apropriaram e se beneficiaram dele. Reforçar os laços africanos contribuiu, por exemplo, para fortalecer a identidade de grande parte da população afrodescendente. "Não foi um processo fácil, dada a discriminação racial e cultural que existe e é secular", diz. A tensão, no entanto, permanece. "Afinal, isso não se traduziu em maior igualdade e é um dos problemas centrais que abordo no livro." Se, por um lado, a cultura afro-baiana é incorporada pelo discurso oficial, por outro seus habitantes têm sofrido no decorrer do século por causa da negligência do Estado em lhes oferecer bem-estar, mobilidade social e acesso a saúde e educação, como descreve a pesquisadora.
A Bahia que vive dias de esplendor até o século XIX inicia o século XX em profundo imobilismo – um período de desgraça econômica que, nos anos 1930, foi descrito por intelectuais locais como "o enigma baiano". O mistério de tal ostracismo é mais tarde analisado em profundidade pela historiadora Kátia de Queirós Mattoso, em seu livro Bahia século XIX – Uma província no Império (Nova Fronteira), resultado de sua tese de doutorado na Sorbonne: após a defesa, seria a primeira titular da cadeira de história do Brasil daquela universidade francesa.
Essa Bahia negra e mulata, pobre e quieta, ainda sem as marcas do progresso, é então remodelada a partir de novas formulações de raça e cultura, como descreve Anadelia A. Romo. A presença cultural africana – estima-se em 4 milhões o número de escravos trazidos principalmente para Salvador e outras cidades do Recôncavo Baiano – logo se torna um dos atrativos para turistas de outros pontos do país e do exterior. E vai inspirar artistas, compositores e escritores baianos e de outras partes. Jorge Amado foi o criador que mais exaltou a cidade em sua obra, mas a imagem da Bahia como, em resumo, um lugar místico e incomum também se propagou com a contribuição de compositores como Dorival Caymmi, igualmente baiano, e Ary Barroso, mineiro; pintores como Carybé, argentino; e o etnofotógrafo Pierre Verger, francês.
A ideia de que existia uma "democracia racial" na Bahia – na comparação com o modelo americano da época, extremamente estratificado – começa a atrair pesquisadores estrangeiros já na década de 1930. Sob a coordenação da Unesco, uma grande pesquisa é iniciada no começo dos anos  1950 – é quando entra em cena intelectuais como o paulista Florestan Fernandes, para quem o racismo se esconde sob a aparência da mistura. "O que é interessante observar é que a 'democracia racial' passa a ser rejeitada por acadêmicos do sul do país, como São Paulo, mas muitos deles na Bahia continuam a defendê-la, como se a Bahia fosse uma exceção", diz a pesquisadora americana, que está dedicada agora ao estudo do intercâmbio entre os antropólogos brasileiros e americanos.
A partir da década de 1970, a visão de que há um "paraíso racial" foi trocada por outra, a de que há um "inferno racial", como diz o antropólogo Jocélio Teles dos Santos, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais e professor da Universidade Federal da Bahia, autor de, entre outros, do livro O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil (Edufba). Segundo ele, via-se aqui uma América portuguesa católica e tolerante em oposição à América protestante e déspota, que eram os Estados Unidos. "Nas últimas décadas ocorre a politização cada vez mais crescente e surge a cultura da reivindicação", diz. O curioso é que o paradoxo se mantém, acrescenta o pesquisador. Os governos que se sucedem – à direita ou à esquerda – reforçam a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à africanidade, e ao mesmo tempo existem ainda necessidades não atendidas de políticas públicas ante as desigualdades raciais.
O interesse de historiadores norte-americanos pela Bahia é muito grande e crescente, sobretudo para aqueles que pesquisam escravidão e história cultural do negro, como afirma o historiador João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia e autor de livros pioneiros, como Rebelião escrava no Brasil, A morte é uma festa e A invenção da liberdade, editados pela Companhia das Letras. "Essa história de 'democracia racial' é um pouco velha. O negro brasileiro – o baiano incluído –, e não só o negro, mas também os antirracistas em geral, desejam que se torne realidade, mas não é. Basta ver a última campanha de ódio contra os nordestinos recentemente na internet. É o mesmo caldo cultural do racismo", lembra o historiador.
João José Reis conta que os baianos já se acostumaram com a ideia de uma Bahia fortemente "africana": comem acarajé, dançam ao som do Olodum e da Timbalada, vestem-se de branco na sexta-feira. Ali não existem grupos organizados de supostos brancos que preguem a supremacia racial, como ocorre em outras partes do país. As cotas foram adotadas nas nossas universidades públicas baianas sem o conflito racial previsto por antropólogos e parte da mídia. "A Bahia é, porém, racista como o resto do Brasil, só que de maneira menos organizada. Toda hora aparece denúncia de racismo na imprensa, a matança de jovens negros da periferia é como se fosse um dado natural, são os negros que estão nas ruas como pedintes, loucos. São raros os negros entre a elite local", diz.




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** Fé na modernidade e pé na tábua A polêmica relação que o Brasil criou com o automóvel

 
Fé na modernidade e pé na tábua
A polêmica relação que o Brasil criou com o automóvel


Fonte Pesquisa FAPESP
© reprodução do livro caricaturistas brasileiros 1836-1999
''Os motoristas dessa elite se davam ao direito de transitar acima do bem e do mal, diz Marco Sávio''


O automóvel tinha "acabado" de chegar ao Brasil, em 1892, com os irmãos Alberto e Henrique Santos-Dumont, quando, poucos anos depois, em 1903, se registrou um dos primeiros acidentes automobilísticos do país, envolvendo o abolicionista José do Patrocínio e seu amigo Olavo Bilac, para quem ele emprestara seu carro recém-chegado da França. Após tentar aprender a dirigir por alguns quilômetros e deixar muitos transeuntes em pânico, o poeta parnasiano "enfiou" o carro numa árvore. "Isso só aconteceu porque eu não fui batizado. Sem religião e com essas ruas vagabundas o progresso não é possível", teria exclamado Patrocínio. A história é representativa do como se deu a introdução do automóvel no Brasil, transformado em força motriz do progresso nacional e fonte de poder e hierarquização para poucos durante décadas. "Para as elites, o carro era a ferramenta perfeita para conseguir o progresso com ordem. O automobilismo, nesse contexto, criaria um Brasil moderno e sem conflitos. Era um ícone do crescimento de um Estado democrático, desenvolvido e moderno", explica o historiador e brasilianista Joel Wolfe, da Universidade de Massachusetts, Armherst, autor do livro recém-lançado Autos and progress: the brazilian search for modernity (Oxford University Press).
"Para alcançar isso, esse grupo não se preo­cupava com as realidades sociais, mas com a maximização do potencial do carro como veículo do progresso e da civilização. Havia todo um discurso simbólico que colocava o carro como uma representação moderna de um espírito empreendedor do passado, das bandeiras e dos bandeirantes, que promoveria uma espécie de comunhão com as nações modernas, em especial os Estados Unidos", afirma o historiador Marco Sávio, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e autor de A cidade e as máquinas (Annablume/Fapemig). Assim, mesmo que fosse um bem de consumo ao qual apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso, o carro mobilizou a atenção dos poderes públicos e de largas fatias do orçamento em prol do asfalto nas cidades e das estradas de rodagem. "Era um reflexo dos interesses de um pequeno grupo de pessoas que queria desfrutar do prazer de dirigir, uma ideia de sociedade automotiva onde os deslocamentos eram livres de qualquer impedimento", analisa Sávio. Era a chamada "utopia possível", nos dizeres do prefeito paulistano Firmiano Pinto, que já nos anos 1920 defendia o asfaltamento de São Paulo para abrigar os carros, ainda que fossem poucos, em detrimento das necessidades mais prementes da sociedade.
"Era o ideal de uma sociedade sem conflitos, em que a livre circulação é o símbolo maior de status e liberdade. Os motoristas dessa elite se davam ao direito de transitar acima do bem e do mal, uma amoralidade abjeta que causava mortes. Era o privilégio da máquina acima dos direitos a outras formas de uso do espaço público", diz o pesquisador da UFU. Aqui, novamente as "lições" do acidente de Bilac, totalmente alheio às pessoas ao seu redor, confortável em sua posição "superior" de motorista, e da ira de Patrocínio pela "culpa" das autoridades que não deram a ele as tão "fundamentais" condições de rodar sem ser detido por nada. "Criou-se, desde então, um padrão baseado numa ideia de domínio e de direito natural e incontestável de usar os espaços da cidade para o trânsito, com o poder de usar a força sempre que algo interromper o direito sagrado ao tráfego livre e desimpedido", nota Sávio.
"É notável que o automóvel tenha sido reinventado com um instrumento de nivelamento nos Estados Unidos, mas que, no Brasil, tenha ficado muito mais marcado como um elemento de distinção, indicando uma intrincada escala de inferioridade ou superioridade social", observa o antropólogo Roberto Da Matta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e autor da pesquisa Igualdade no Trânsito, agora transformada no livro Fé em Deus e pé na tábua: como e por que o trânsito enlouquece no Brasil (Rocco). "Os comportamentos bárbaros no trânsito resultam menos de questões de obras e melhorias materiais que do fato de que todos se sentem especiais, superiores e com direitos a regalias e prioridades que justificam o desleixo e a impaciência para com a norma geral materializada num sinal e numa faixa de pedestres", observa. "O automóvel é uma opção que está em harmonia com o estilo aristocrático de evitar o contato com a plebe ignara, o povo pobre, chulo e comum, desde os tempos das liteiras e dos palanquins. A nossa preferência por formas individualizadas de transporte representa um retrocesso. Por outro lado, a onda desenvolvimentista de meados do século XX permitiu-nos os delírios de sermos donos de um carro como coroamento do sucesso indivi­dual. Fomos para a individualização dos meios de transporte pensando apenas na sua dimensão individual e deixamos de lado as normas e os requerimentos coletivos." Para o antropólogo, há a ausência histórica, que data da forma como o automóvel foi introduzido no país, de uma plena consciência igualitária, fruto de vícios coloniais, justamente num espaço que a modernidade, supostamente adquirida com o carro, exige que seja marcado e construído pela igualdade. "É esse choque de expectativas hierárquicas: quem se vê como 'mais rico' tem um carro 'mais caro', é 'branco'etc. e, assim, espera o reconhecimento de sua superioridade, em choque com a imposição da igualdade, que vale para todos e demarca o universo da 'rua'. Isso é o que produz a sensação geral de caos e estresse no nosso trânsito", diz.

© reprodução do livro a revista no brasil
''O automóvel chegou ao Brasil e se consolidou por aqui como uma grande conquista da civilização''

Segundo Da Matta, o paradoxo que aumenta o nosso "estresse" é que nenhum "jeitinho" pode ser dado e nada podemos fazer para ultrapassar a igualdade que constrói o ambiente público no qual circulamos quando deixamos nossas casas. "Culpamos o governo e, assim, jogamos fora todo um processo de aprendizado de paciência que melhoraria nosso comportamento nessa área", analisa. Surgem Bilac e Patrocínio novamente, mesmo quando se misturam religião e gasolina. "Daí o 'fé em Deus e pé na tábua'. Este último evidencia o lado mais típico de nossa conduta pública, o sinalizador do desejo individual que representa a pressa e a impaciência ao ter o caminho obstruído por uma multidão de desconhecidos. Esses outros que não aceitamos como iguais e que são 'obstáculos' em nosso trajeto. Essa é uma visão de nós mesmos como seres especiais, dotados de posição singular e, até prova em contrário, elevada e protegida no sistema, por termos um elo íntimo com o Ser Supremo", diz o antropólogo. "O automobilismo ganhou, no Brasil, qualidades de uma ideologia, uma promessa de curar todos os males nacionais. Pela primeira vez na história brasileira a tecnologia foi abraçada como um instrumento de transformação econômica, política e social da sociedade. Essa tecnologia serviria para quebrar as barreiras da integração nacional de forma pacífica e ordeira. O carro iria destruir os obstáculos ao desenvolvimento capitalista e fornecer as bases para a criação de uma verdadeira cultura brasileira e identidade", diz o brasilianista Joel Wolfe.
O automóvel chegou ao Brasil e se consolidou por aqui como uma grande conquista da civilização, a vitória da ciência humana sobre a natureza. Isso funcionou especialmente bem para a elite paulista, para quem o carro deveria cumprir um papel-chave na conclusão da história da conquista bandeirante, uma segunda etapa de construção da nação brasileira, agora não mais pelo território, mas civilizando, por meio da presença do automóvel e da estrada de rodagem", afirma Sávio. Era o "neobandeirismo", onde se destaca a figura de Washington Luís, prefeito e governador de São Paulo e autor da famosa frase "Governar é abrir estradas". Ele investiu na modernização da infraestrutura de transportes, construindo 1.326 quilômetros de novas estradas, levando esse amor pelas "boas estradas" quando assumiu a Presidência da República em 1926. "Com ele e a elite paulista, o automóvel virou algo mais do que um meio alternativo de transporte, se transformando num paradigma de 'ser paulista'. A mentalidade geral desses homens defendia a superação do 'atraso' nacional e estadual com a construção de estradas que possibilitassem uma ligação rápida do interior com a capital, de forma que todo o poder e a riqueza da civilização paulista pudessem influenciar a transformação do interior do Brasil", continua Sávio. "Curiosamente, a elite do café, que se beneficiava muito com a ligação da infraestrutura nacional à economia de exportação, popularizava perigosamente as máquinas, que, em pouco tempo, desafiaram o modelo econômico liberal. Afinal, o carro abria a possibilidade de, pela primeira vez, se unificar a nação e, com isso, abalar a predominância do estado paulista frente ao Estado", diz Wolfe. Reveladora dessa nova tendência, aberta pelo culto ao automóvel, foi a Lei de Estradas Federais, criada em 1927.
"Essa lei encorajava os estados a solicitar verbas do governo federal para a construção de estradas, com a condição de que essas fizessem parte de um sistema nacional de rodagem. Era mais uma novidade que ia de encontro à longa tradição republicana de laissez-faire econômico. O carro, aos poucos, abria caminho para um Estado centralizado", continua o brasilianista. Para tanto contribuíram as empresas norte-americanas automobilísticas que vieram se estabelecer no país, como a Ford e a General Motors. "Elas eram vistas como instrumentos necessários de progresso, capazes de transformar imigrantes desordeiros do exterior e do campo numa classe trabalhadora disciplinada que transformaria o país." Ou como escreveu o próprio Henry Ford em Hoje e amanhã: "O automóvel fará uma grande nação do Brasil. Os nativos, embora alheios ao maquinário e a qualquer forma de disciplina, irão logo assimilar o mundo da linha de montagem". "Ao encorajar o transporte por carro pelo interior do Brasil, as companhias norte-americanas ajudaram a mudar a geografia mental do país. E estimularam a construção de estradas tendo como meta aumentar a demanda por veículos, que deveria ser expandida para toda a nação", explica Wolfe.
"A estratégia da Ford do Brasil sempre foi difundir a ideia de que possuía um carro funcional e que era a resposta ideal para as condições do país, sempre ligando sua marca com a questão premente da estrada de rodagem. Esses conceitos soavam como música para a elite de um Estado com pouquíssimas estradas em condições ideais para a prática do automobilismo", completa Sávio. Ao mesmo tempo, a propaganda dessas companhias reforçava a modernização conservadora do automóvel, movida pela hierarquização da sociedade, em que mesmo os proprietários de carro menos valiosos, como o modelo T, da Ford, começavam a ser considerados como uma classe inferior de cidadãos, acima apenas da imensa massa de pedestres que sofria com a ameaça do trânsito caótico. "Quase me atiro sob as rodas de um auto. Era um Ford. Não quis. Morte muito ordinária", explicou o personagem suicida de Automóvel de luxo (1926), livro do modernista Mário Graciotti.
ição Impressa 179 - Janeiro 2011

© reprodução do livro caricaturistas brasileiros 1836-1999
''O bonde era visto como um meio 'inadequado', já que colocava, lado a lado, membros de classes separadas''

Segundo Sávio, esses eram frutos de um movimento iniciado a partir de 1909, em São Paulo, quando os projetos de transporte passaram a refletir mais os anseios de um pequeno grupo para que o automóvel passasse a assumir o lugar que um dia foi do bonde como centro de preocupações do transporte. "A aparição de organismos como o Automóvel Club de São Paulo, em 1908, que congregava os cidadãos mais importantes do estado, ajudou a relegar o transporte coletivo a um segundo plano. O bonde, por exemplo, era visto como um meio 'inadequado', já que colocava, lado a lado, membros de classes separadas que sempre se segregaram." As pressões desse grupo cresciam não apenas contra os bondes, mas também contra as ferrovias, até então aclamadas como força de progresso para a economia cafeeira. "A situação era ainda pior para os pedestres, contra os quais era legítimo usar da força e da violência para que saíssem das ruas, tornando-as livres para o tráfego." O bem comum, assim, nunca esteve nas preocupações dessas elites, que, conta o pesquisador, viam o espaço público como extensão do espaço privado e respondiam apenas a anseios de grupos que promoveram a construção de uma complexa infraestrutura dedicada ao carro, sem criarem contrapartidas para os grupos que tiveram suas vidas afetadas pelo novo meio de transporte. Ao final dos anos 1920, os veículos passaram a ser os senhores absolutos das ruas e os pedestres eram "empecilhos da utopia possível", invasores. O passado, histórico, reforça os problemas presentes. "Com a chegada do automóvel, esse virou dominante, algo que é coerente com o modelo dos segmentos aristocráticos brasileiros, que, tendo o carro, abandonam o bonde e o trem, reiterando um desdém pelo transporte público e reiterando o nosso viés hierárquico", analisa Da Matta. "No Brasil retomamos o uso da liteira quando adotamos o uso do transporte individual. Foi como ficamos modernos e parecidos com os americanos e permanecemos fiéis ao nosso gosto por um espaço construído hierarquicamente. Fizemos a ginástica de adotar os carros, mas não ensinamos os motoristas a internalizar normas."
Por isso, continua o pesquisador, a parada obrigatória, a espera por outro veículo ou pedestre é um sinal de "perda de tempo", já que a igualdade é sempre vivida como inferioridade no Brasil. "Entre nós o verbo 'respeitar' conota escolha ou opção (sendo mais indicado para quem se pensa como superior); e o verbo 'obedecer' é compulsório (sendo aplicado a quem se pensa ou é imaginado como inferior). Afinal, como se diz por aí: 'Manda quem pode, obedece quem tem juízo!'. Esse verbo 'respeitar', aplicado a sinais, pessoas, pedestres e outros veículos no trânsito, revela o lado opcional de uma sociedade que até hoje tem se recusado a encarar a igualdade como um princípio da democracia", diz Da Matta. O resultado desse choque entre igualdade e desigualdade, continua o antropólogo, explica o uso frequente do "salve-se-quem-puder". "Em vez de esperar pela nossa vez, apelamos para o 'Você sabe com quem está falando?' e tentamos sair da situação de 'qualquer jeito'. Seja subindo na calçada sem pensar nos outros carros, sinais, faixas e pedestres; seja criando uma via extra; seja resmungando alto e discutindo inutilmente com os condutores dos veículos situados à nossa frente que, por sua vez, estão também gritando e reclamando", analisa. "Ou seja: hierarquizamos por conta própria e violentamente, 'na marra', o espaço público por meio de uma ação pessoal, agressiva, sem pensarmos nas suas consequências, seja porque estamos estressados com a situação que nos faz perder tempo ou impedidos de chegar ao nosso destino." Nesse embate hierárquico, de raízes antigas, a força da lei é relativa. "A presença do guarda faz nascer as atitudes igualitárias; sua ausência traz de volta a ideia do mais ou menos, da gradação e das velhas precedências hierarquizadas. É a percepção da infração como norma e que está ligada à impunidade e também à certeza de que certas pessoas são punidas e outras não", diz.
A ausência de paciência relativamente ao outro é inegável, nota o pesquisador. Ela nasce desse sentimento de superioridade, de acordo com o qual todos devem nos compreen­der e respeitar, mas a recíproca não é absolutamente verdadeira. "Se o nosso carro enguiça e promove um congestionamento; se encontramos um velho amigo dirigindo ao nosso lado e batemos um papo; se paramos na porta da escola para nossos filhos, não tem problema, pois os outros são invisíveis, não estamos atrapalhando ninguém, mas realizando algo normal (e legítimo). Daí nossa indignação quando alguém buzina e chama nossa atenção para o abuso; daí a nossa repulsa com a 'falta de educação' de quem reclama e deveria compreender e esperar não por sua vez, mas por nós." Mas quando nos transformamos no "outro" tudo muda de figura. "A ausência de paciência, a pressa tão amiga da imprudência e irmã do acidente, faz parte do estilo brasileiro de dirigir. Ela trai a consciên­cia e a incapacidade para negociar cordialmente e põe a nu a incapacidade que revela a ausência de uma educação, de uma preparação para a igualdade", avalia o antropólogo. Outro elemento expressivo desse esquema, segundo Da Matta, é a forte identificação mental ou psicológica entre o condutor e o veículo. Isso, aliás, revela o que está na raiz da falta de espaço no trânsito para a circulação de carros que ocupam uma área significativa quando transportam apenas uma pessoa, um supercidadão que fica encastelado em seu mundo. Assim, o carro vira um instrumento de projeção da personalidade do seu dono e um índice de ascensão social e capacidade de consumo: uma ofensa ao automóvel equivale a uma ofensa ao seu motorista. "Assim, um leve esbarrão involuntário ou uma colisão sempre é ponto de partida para 'cenas' e jamais como aquilo que é um evento promovido pelo acaso: um acidente. Daí a atitude inicial do drama de qualquer colisão é estabelecer uma 'culpa' com coação social ou física agressiva e o famoso 'Você sabe com quem está falando?'." Provavelmente o que Bilac e Patrocínio diriam se, em 1903, uma autoridade questionasse o que o carro fazia na árvore.



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** A cidade dos engenheiros A trama urbana paulista foi criada pelos "saberes técnicos e eruditos"

 
A cidade dos engenheiros
© reprodução do livro Dois séculos de projetos no estado de São Paulo (Imesp-edusp)
Vale do Anhangabaú

"Se até 1900 os interessados na questão 'alojamento' reuniam-se na casa dos higienistas, passaram eles a residir em separado. O engenheiro mantém com os higienistas relações proveitosas e cordiais, visitam-se com regularidade, mas não os vemos mais de braço dado: os primeiros encontram mais conveniência em se aproximar dos urbanistas", afirmou Victor da Silva Freire, engenheiro e diretor de Obras Públicas da prefeitura de São Paulo, em 1914, em sua conferência A Cidade Salubre, proferida no Grêmio Politécnico. "Entre 1890 e 1950, é impossível separar, no plano conceitual, o vocabulário do 'urbanista' (engenheiro e arquiteto) daquele do administrador público de São Paulo", explica a historiadora Maria Stella Bresciani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do projeto temático Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano: estado de São Paulo, séculos XIX e XX, apoiado pela FAPESP. Segundo a pesquisadora, o saber erudito de técnicos e autoridades, propondo e acreditando-se capazes de dar respostas adequadas aos desafios de uma cidade que se modernizava, foi responsável pelas modificações ocorridas em São Paulo e marcou profundamente a relação entre o poder público e os interesses do capital privado, que tiveram grande peso na configuração do espaço urbano paulista.
Segundo a pesquisadora, o que distingue esse projeto de outros estudos sobre o mesmo tema são as indagações teóricas e históricas em dois eixos que se cruzam. "Em termos de história, indicamos a forma como os pressupostos do higienismo-sanitarismo permanecem ativos mesmo quando se estabelece o campo profissional de especialistas da cidade. Estudamos de que forma esses pressupostos se mantêm ao serem traduzidos em preceitos técnicos e incorporados à disciplina urbanística nos anos 1920, mesmo que engenheiros e arquitetos procurassem autonomia sobre o que chamavam de 'rigidez teórica dos higienistas'", observa ainda. "Pelo lado teórico, quisemos entender como funcionava o 'intervalo' entre a promulgação de leis, projetos e planos e sua efetiva aplicação ou execução, já que seriam – como outros estudos afirmam – meras cópias de ideias e modelos estrangeiros e, assim, inadequados à situação local", continua.
Avenidas – A historiadora lembra, para exemplificar a primeira situação, o Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia (1896-1965), concebido na década de 1930 e só implementado nos anos 1970. O segundo ponto é mais complexo, pois envolve, nota Stella, ir além da linha interpretativa das "ideias fora do lugar", pois "usar o argumento da importação de ideias para a configuração urbana de São Paulo impede a reflexão mais atenta sobre o processo de constituição de um campo concei­tual do urbanismo como sendo um 'saber de domínio comum', composto de vários saberes e experiências, difundido e aplicado com mudanças por causa de situações específicas em diversos países quando se acrescentam opções práticas ao urbanismo abertamente pragmático", afirma. Basta recordar o que dizia, nos anos 1920, o engenheiro e prefeito de São Paulo, Anhaia Mello (1896-1974), ao lado de Prestes Maia um dos polos intelectuais que propuseram uma maneira de se pensar a configuração urbana da cidade. Embora preconizasse que "as ideias têm hoje uma efetividade imensa e um raio de ação quase ilimitado e imediato, que abraça o globo e vai sondar outros planetas", Anhaia Mello avisava que era preciso conhecer como os outros resolveram os problemas urbanos e "aplicar com inteligência, e não servilmente ou por mero espírito de imitação, os métodos e processos que se adaptem às nossas condições locais. Acima de tudo, afirmamos a importância de acompanhar a formação acadêmica e a atuação dos especialistas e, nesse processo, entender os momentos de definição de suas opções teóricas".
Assim, além de revelar a permanência dos pressupostos sanitários no urbanismo paulista e de superar a teoria da importação de modelos como forma de compreender a formação da cidade, o temático trouxe outro resultado significativo aos estudos existentes: a demonstração do poder do capital privado na configuração do espaço urbano paulista. Obras feitas pelos especialistas em questões urbanas que, acredita Stella, acabaram por atribuir à cidade a sua configuração moderna. "Além disso, os pressupostos desse saber científico e técnico desenvolvido na capital foram também aplicados na criação de novas cidades ao oeste, frutos da expansão da fronteira cafeeira resultante da implantação da rede ferroviária que influenciou a urbanização de toda essa área até os limites da cidade de São Paulo. As nossas pesquisas revelam o poder das companhias privadas e dos donos de propriedades rurais no estabelecimento das ferrovias e na feição urbana de cada nova cidade surgida nesse processo."

© reprodução do livro Dois séculos de projetos no estado de São Paulo (Imesp-edusp)
Faculdade de Medicina, em 1929

"As atividades desses grupos foram importantes para uma reconfiguração do espaço urbano do estado de São Paulo, para a difusão da arquitetura eclética e para a constituição do repertório paisagístico e para a remodelação dos antigos largos, praças e jardins", observa o arquiteto Adalberto Retto Junior, coordenador do grupo de professores da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (Faac) que integram uma área do temático. Segundo estudos desses pesquisadores, por causa das iniciativas que exigiram a construção de equipamentos e edificações voltados à produção e construção da malha ferroviária, as cidades formadas no oeste paulista, a zona de expansão da produção cafeeira, apresentam, ainda hoje, uma paisagem bastante homogênea no seu desenho urbano: o quadriculado contínuo da malha urbana se detém ao encontrar uma barreira natural ou os leitos de ferrovias e rodovias, independentemente da topografia existente. Para Retto Junior, o espaço público dessas novas cidades, muitas criadas em função da passagem das ferrovias, houve uma reprodução da legislação da capital em seu processo de difusão e a circulação dos preceitos higiênicos e inovações técnicas.
A implantação dessas cidades, segundo o grupo de estudos, pode ser considerada um marco no planejamento urbano, cujo objetivo maior era obter um rápido retorno do investimento feito. Após serem substituídas pelas rodovias, as estruturas arquitetônicas criadas pela expansão da rede ferro­viária no interior do estado se transformaram em "ruínas modernas", também existentes na capital. "É preciso questionar para quem se preservam áreas e imóveis, por que e em nome de que passado. Ainda que essa preservação tenha sido feita em nome de uma 'linha de continuidade com o passado', ela deve ser pensada como trabalho seletivo de reconstrução desse passado", analisa a historiadora Cristina Meneguello, da Unicamp, integrante do temático. "Essa preservação virou 'tema favorito' nos meios de comunicação e no discurso político, mas é preciso questionar isso para além do seu lado 'positivo'. A apropriação da história não deve ser apenas uma citação material e visual, mas algo que mostre em si a possibilidade de transformação", continua.
Engenheiros – Para entender, aliás, essa transformação em seu processo, é preciso compreender como se chegou ao predomínio dos engenheiros. Afinal, antes deles, quem comandava esse desenvolvimento eram os higienistas. "As prescrições sanitárias eram baseadas na teo­ria miasmática, que atribuía ao 'veneno' presente no ambiente a causa das epidemias. Daí o surgimento de um corpo de profissionais que deveriam combater os 'males' aos quais as cidades estavam submetidas, realizando intervenções práticas para reduzir os 'miasmas'", explica a arquiteta e historiadora Ivone Salgado, da PUC-Campinas, integrante do temático. Uma epidemia de febre amarela em Campinas e Santos levou o poder público a decretar a inspeção dos cortiços do bairro de Santa Ifigênia. "Os médicos higienistas sentiram-se no direito de entrar no espaço privado das habitações coletivas, mais pobres, para uma intervenção 'ordenadora' da cidade e sugeriram a localização das futuras habitações de trabalhadores em vilas construídas numa distância de 15 quilômetros da capital. Era o início de um processo de segregação espacial que marca a cidade até hoje, designada pelos especialistas como 'padrão periférico de crescimento urbano'", continua Ivone.
Mas uma inovação científica, a microbiologia, levou à decadência da teoria miasmática, causando a emergência de um novo profissional responsável pelo saneamento urbano: o engenheiro sanitário. "Os novos programas de saneamento básico ficaram para os engenheiros municipais que se tornaram o braço técnico do movimento de reforma sanitária. A profissão de engenheiro experimentou um crescimento rápido", observa Ivone. "Os engenheiros a serviço da cidade eram chefes entre a elite tecnocrática, que construía e administrava a nova infraestrutura urbana e foram surgindo ao lado da classe emergente burocrática de funcionários permanentes da cidade." Ou, nas palavras de Victor Freire: "Passam eles a residir em separado". "É preciso ver a cidade moderna como um organismo complexo inserido num plano de expansão. Temos hoje, para sorte da sociedade, soluções técnicas", escreveu ele em 1918. Era a vitória dos "argumentos técnicos, científicos e econômicos", considerando todas as manifestações da vida da cidade em conjunto, em suma, "na essência do urbanismo". "Nas décadas finais do século XIX houve mudanças importantes nas formas de legitimar a autoridade municipal e as intervenções na cidade. Uma 'nova política urbana' surgiu, embasada na possibilidade de o Estado estabelecer critérios 'objetivos' para solucionar problemas 'reais' da coletividade", nota Stella. A parceria entre o engenheiro e o médico, continua a pesquisadora, indiscutível no século XIX, dá lugar, no fim da década de 1920, à parceria desigual entre o engenheiro urbanista e o especialista em sociologia urbana, seu colaborador. Em 1914, praticamente todas as cidades com alguma expressão econômica já contavam com serviços urbanos modernos. Havia base para tanto desenvolvimento.


© reprodução do livro Dois séculos de projetos no estado de São Paulo (Imesp-edusp)
Vale do Anhangabaú e viaduto do Chá


A criação da Politécnica em 1894 e da Escola de Engenharia Mackenzie em 1896 deu nascimento a um núcleo institucional, de um centro a partir do qual se definiram as políticas para a ação oficial e privada no setor de construção civil. Foi o passo decisivo para a união entre o engenheiro e o administrador. "Seja porque os prefeitos procuravam esses profissionais para tocar os vários departamentos da administração pública, seja porque eles mesmos eram, na sua maioria, engenheiros formados pela Politécnica e falavam a mesma linguagem", nota Stella. São Paulo se orgulhava de sua independência e de seu saber erudito e técnico na relação entre o crescimento demográfico e espacial e as intervenções realizadas na cidade pelo poder público associado à iniciativa privada.
Livre – "Vimos as várias terras da província se cobrirem de vias férreas sob os auspícios fecundos da iniciativa privada; vimos se formarem ricas associações e companhias para explorar, sem a intervenção do poder estatal, os ramos mais importantes da indústria, agricultura e comércio; vimos a província do estado de São Paulo mudar completamente de aparência em poucos anos, impulsionada pelo poder admirável das associações livres, da vontade individual", escreveu o presidente de São Paulo, Paulo Egydio, em artigo ao jornal O Estado de S. Paulo em 1888. São tempos dos "melhoramentos": os empresários ricos da província passam a se estabelecer de vez na capital, o que levou as autoridades públicas a investir nas obras de "melhoramento e embelezamento" da cidade.
É afirmação recorrente na historiografia que a forma de se pensar a cidade pode ser dividida entre duas correntes representadas pelos engenheiros Anhaia Mello e Prestes Maia, ambos ocupantes da cadeira de prefeito de São Paulo em tempos distintos (Mello entre 1930 e 1931; Maia entre 1938 e 1945, durante o Estado Novo). "Mello propunha solucionar os problemas de congestão da cidade pela contenção e retração do crescimento urbano para criar uma 'transição equilibrada entre campo e cidade'. Prestes Maia, em posição oposta, defendia o 'esgotamento das potencialidades da metrópole e a remoção dos problemas por novas obras e novos planos'. Ambos representavam opções distintas do uso dos saberes técnicos e eruditos na configuração da cidade", diz a pesquisadora. Sylvia Ficher transcreve em Os arquitetos da Poli (Edusp) o depoimento do engenheiro-arquiteto Leo Ribeiro de Moraes, seguidor de Anhaia, em 1954. "Para lidar com questões de urbanismo são possíveis duas atitudes: a prática e a científica. A primeira, que foi advogada por Prestes Maia, é a que tem sido tomada até hoje pelos governos que se empenham em fazer 'alguma coisa'. A outra, adotada por Anhaia Mello, é a aplicação dos preceitos do urbanismo moderno para alcançar algo mais que a simples desobstrução do trânsito e a ornamentação de praças e avenidas."
Abridor – "Para Prestes Maia causava estranheza o 'esquema Anhaia', o que previa a proibição da instalação de novas indústrias em São Paulo e a limitação do crescimento da cidade, que dizia serem medidas para 'ananicar a nossa cidade por meio da forma'. Mas Anhaia Mello defendia a posição teórica correta, enquanto Prestes Maia se apoiava na posição mais pragmática de 'abridor de avenidas'", continua Ribeiro. Em 1929, numa coletânea de artigos, Mello designava, aponta Stella, a "ciência do urbanismo" como "cooperação" e criticava aqueles que "confundiam uma ciência tão bela e vasta com a simples técnica da engenharia municipal" ao subestimarem a necessidade da "colaboração do sociólogo, do legislador, do jurista, do político, do administrador, do economista e de todo o cidadão". O saber erudito vitorioso dos engenheiros, na visão de Mello, tinha novos preceitos: o "verdadeiro objetivo da civilização – construir belas cidades e viver nelas em beleza – exigia preparar o ambiente e formar uma psicologia urbana e anseio cívico, uma opinião pública esclarecida". Era preciso "limitar a expansão indefinida e desordenada de São Paulo" e "criar espaços de lazer para os operários". Mais importante, o esquema Anhaia criticava estruturas monopolistas e defendia o controle estatal sobre companhias privadas que ofereciam serviços públicos.
Prestes Maia caminhava na direção oposta e apostava no valor do capital privado, na opção por grandes avenidas perimetrais para fluidez da circulação, na adoção de soluções técnicas para o "ajuste permanente da metrópole às exigências de organização da sociedade moderna: a necessidade é evitar não o crescimento da metrópole, mas a interrupção do processo pela ineficiência do funcionamento urbano", afirmava. "Para Prestes Maia, a apresentação dos planos para a população pela imprensa só deveriam acontecer depois que o projeto já tivesse sido desenvolvido e elaborado pelos engenheiros da municipalidade", diz a pesquisadora. O saber erudito segundo Prestes Maia venceu a disputa. "Foi apenas nos anos 1950, após o fim do regime Vargas e  o fim do mandato de Prestes Maia, que os profissionais do Departamento de Urbanismo começaram a incorporar algumas das ideias de Anhaia Mello." Mas a cidade já criara uma nova feição: os cidadãos estavam apartados das decisões de políticas urbanas. "As descobertas do temático revelam que a estrutura baseada no sanitarismo, na engenharia e na arquitetura não foi sucedida por um urbanismo técnico e mais adequado a lidar com a cidade. O caráter sanitário ainda se mantém como guia das ações urbanas", nota Stella. "Construir cidades é construir homens. O ambiente urbano é que plasma o caráter humano, de acordo com sua própria feição, para a fealdade ou para a beleza", já observava, com grande antevisão, Anhaia Mello em 1929.




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** [Carta O BERRO] PARA NÃO ESQUECER JAMAIS! História de Ruy Carlos Vieira Berbert -XXIII-

Carta O Berro..........................................................repassem




Ruy Carlos Vieira Berbert

 
Militante do MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO POPULAR (MOLIPO).


Estudante universitário.


Nasceu em Regente Feijó (São Paulo), no dia 16 de dezembro de 1947, filho de Ruy Thales Jaccoud Berbert e Ottilia Vieira Berbert.


Desaparecido em 1972, aos 25 anos de idade, assim permanecendo até 30 de junho de 1992, quando a Justiça reconheceu sua morte em 2 de janeiro de 1972, na cidade de Natividade (Tocantins).


Poucas informações se tinha a respeito de Rui Carlos e de seu desaparecimento. Sua morte foi admitida por um general estreitamente ligado ao aparelho repressivo em entrevista fornecida ao jornal "Folha de São Paulo", em 28 de janeiro de 1979.


Foi indiciado no inquérito 15/68, referente ao XXX Congresso da UNE, em Ibiúna/SP. Em 27 Julho/72 foi condenado pela 2ª Auditoria da Marinha à pena de 21 anos de reclusão.


Em meados de junho de 1991 foi entregue por Hamilton Pereira, membro da Comissão Pastoral da Terra, à Comissão 261/90 da Prefeitura de São Paulo, criada no governo da prefeita Luíza Erundina, para acompanhar a identificação das 1049 ossadas encontradas na vala clandestina de Perus, um atestado de óbito em nome de João Silvino Lopes, causa mortis: suicídio, datado de 02 de janeiro de 1972, em Natividade (na época, Estado de Goiás). Havia probabilidade de ser de um militante desaparecido político.


Na ocasião, não se tinha a possibilidade de identificar este provável militante. Este nome não constava na lista dos desaparecidos políticos. Caso fosse um nome falso, era necessário mais informações para identificá-lo.


Em Janeiro de 1992, quando se teve acesso aos arquivos do DOPS-SP, encontrou-se uma relação elaborada a pedido do Dr. Romeu Tuma intitulada: "Retorno de Exilados". Na relação das pesssoas, estava o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert com as seguintes observações: preso em Natividade, suicidou-se na Delegacia de Polícia, em 02 de janeiro de 1972. Concluiu-se que João Silvino Lopes era o nome falso de Ruy Carlos Vieira Berbert e buscaram-se meios para prosseguir nessas investigações. Solicitou-se à Comissão de Representação da Câmara Federal ajuda para investigar, naquela cidade, a verdadeira identidade do morto.


Organizou-se uma caravana integrada pelas seguintes pessoas: o Presidente da Comissão de Representação Externa do Congresso, deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), deputado federal Roberto Valadão (PMDB-ES), Idibal Piveta, advogado da família de Ruy Carlos Vieira Berbert e representante da OAB-SP, Hamilton Pereira, da Comissão Pastoral da Terra, de Goiás e Suzana Keniger Lisboa, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.


Os integrantes da Caravana tomaram os depoimentos de populares que presenciaram os fatos da época. Foram entrevistados alguns moradores, funcionários públicos e membros da PM, que confirmaram que Ruy Carlos e João Silvino eram realmente a mesma pessoa.


Feito levantamento das sepulturas do Cemitério e localizado o possível local do sepultamento, foi encaminhado à Justiça pedido para reconstituição de identidade e posterior exumação e traslado dos restos mortais. Contatos com o Prefeito e o Governador do Estado foram feitos para providenciar as medidas necessárias para guarda da sepultura localizada.


No dia 30 de junho de 1992, a juíza de Direito da Comarca de Natividade, Dra. Sarita Von Roeder Michels, concluiu os termos de retificação da Certidão de Óbito, requerida pelo Sr. Ruy Jaccoud Berbert, pai de Ruy Carlos. O parecer da juíza diz o seguinte: "A documentação acostada aos autos não deixa quaisquer dúvidas de que Ruy Carlos Vieira Berbert seja a mesma pessoa que morreu na cadeia pública desta cidade de Natividade, foi sepultado no Cemitério local e cujo óbito lavrou-se em nome de João Silvino Lopes."


Em seguida encaminhou o cancelamento do registro de óbito em nome de João Silvino Lopes e foi lavrado novo assento que registra o óbito de Ruy Carlos Vieira Berbert, falecido em 02 de janeiro de 1972, às 3:00 horas na cadeia pública da Praça Senador Leopoldo de Bulhões.


Seu corpo, entretanto, não pode ser localizado, apesar das tentativas realizadas pela Equipe do Departamento de Medicina Legal da UNICAMP. No dia 19 de maio de 1992, em Jales, São Paulo, uma urna funerária vazia foi depositada no jazigo da família Berbert, simbolizando o enterro de Ruy Carlos, vinte anos após sua morte.


De sua mãe, D. Ottília:


"Rui Carlos tinha uma única imã, Regina Maria Berbert Pereira. Ele passou a adolescência em sua terra natal. Sempre foi uma pessoa tranqüila e bondosa, especialmente para sua família.


Ao concluir o Curso Científico, deixou sua cidade seguindo para São Paulo com o intuito de se preparar para o vestibular e conseguiu, para tal, bolsa de estudos integral. E venceu essa etapa na vida estudantil conseguindo ser aprovado na PUC e USP, com distinção. Com o resultado dos vestibulares, optou pelo seu ingresso na USP, no curso de Letras.


Porém, após um ano, trancou a matrícula e começou a ministrar aulas em cursinhos particulares, entre outros no Capi-Vestibulares, na Av. São João e também num cursinho da Liberdade. Neste ínterim, iniciou seu envolvimento nas atividades políticas estudantis, quando, em outubro de 1968, foi preso em decorrência de sua participação no Congresso da UNE, em Ibiúna.


Após a sua prisão retornou à sua terra natal, permanecendo uns 15 dias e voltando logo em seguida para o Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo, onde morava, continuando a sua participação nos movimentos estudantis, até que, por motivos óbvios, se retirou do país.


Logo após sua saída do país, no final de 1969, em dezembro, recebemos uma carta da Europa na qual reconhecemos a letra dele. Porém, percebia-se claramente que, por motivos de força maior, dizia estar como turista pelo velho mundo, que estava bem, mas que seria muito difícil nos escrever sempre. Meses após recebemos um bilhetinho escrito às pressas e falando apenas que estava bem e que pensássemos sempre nele com carinho.


A partir daí saíram algumas notícias na imprensa sobre ele, tais como:


25/11/78: 'Folha de São Paulo' - O Congresso Nacional pela Anistia divulgou uma lista de 37 nomes de pessoas mortas e desaparecidas a partir de 1964 e nela constava o nome de Ruy Carlos como desaparecido em Dezembro de 69.


28/01/79: 'Folha de São Paulo' - 13 nomes de desaparecidos, cujas fichas estavam no 'necrotério' de um órgão de segurança em dezembro de 1973 e que são dados como desaparecidos pelas famílias e organizações de defesa dos direitos humanos; consta que o desaparecimento de Ruy Carlos está ainda em investigação.


03/08/79: 'Correio da Manhã' - Rio - Noticia uma lista de 14 nomes, com este título: 'Estes desaparecidos foram mortos'. Entre esses nomes estava o de Ruy Carlos.


18/08/79: 'Estado de São Paulo'- O Dr. Idibal Piveta envia carta ao Ministro da Justiça, Petrônio Portela, solicitando informação de Ruy Carlos e outros.


22/09/79: 'Folha de São Paulo'. O Juiz Antonio Carlos de Seixas Teles, anistiou várias pessoas condenadas por atividades estudantis contra a segurança nacional e entre elas estava o nome de Ruy Carlos.


01/08/1991: 'Diário Popular' noticia trabalho feito em Curitiba pela Comissão Especial de Investigação, onde foram encontradas fichas de 17 desaparecidos em um arquivo de aço, com a identificação "falecidos", constando o nome de Ruy Carlos.


Após este histórico sobre a vida de Ruy Carlos, gostaria de mostrar a luta constante pela qual passamos, na busca incerta da solução de um passado certo.


Apesar dos fatos comprovarem a quase certeza de sua morte, nós vivemos mais de uma década com a esperança e o sonho de vê-lo novamente.


A partir do momento em que tivermos a certeza de que ele não voltaria mais, passamos a viver momentos ainda mais angustiantes e mais uma década se passou.


Hoje, o nosso maior sonho é conseguir dar para Ruy Carlos um lugar digno de grande herói que foi. É esta a nossa última e grande esperança.


Se assim o conseguirmos, não olvidaremos jamais a grande luta dos amigos e, porque não dizer, irmãos, que lutam e lutaram para a elucidação de uma época tão negra para nós.


Esperamos que a História nunca se esqueça de mencionar esses jovens heróis, muitas vezes anônimos para a maioria da população alienada a respeito dos acontecimentos passados.


Todavia, para nós, Ruy Carlos Vieira Berbert não é um herói anônimo pois, além de dar a sua contribuição para as grandes transformações sócio-políticas brasileiras, nos é lembrado como um filho digno das mais belas recordações, como um ser humano maravilhoso que foi: jovem, belo, inteligente, honesto e carinhoso que soube lutar pelos seus ideais."






Desaparecidos: à margem do rio dos Mortos


Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos da ditadura civil-militar. Corpos à espera do sepultamento. Familiares à espera de concretizar o luto, de acabar com a incerteza. Almas à espera da travessia do Aqueronte. Como definiu Ivan Seixas, da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, "são os fantasmas que voltam sempre. São os fantasmas que querem lembrar que não podem ser esquecidos". A reportagem especial é de Paula Sacchetta, publicada originalmente no Brasil de Fato.


Paula Sacchetta - Brasil de Fato – 02/08/2010


Queres tu, realmente,


sepultá-lo, embora isso tenha


sido vedado a toda a cidade?


Fala de Ismênia na tragédia Antígona






Cena 1: o começo ou sepultamento inusitado


Segunda-feira, 18 de maio de 1992. Em Jales, a 600 quilômetros de São Paulo, um caixão fechado é velado na Câmara Municipal. Foi decretado feriado, a cidade inteira está parada. A Câmara está lotada. Presentes crianças e adolescentes, gente de todas as idades. É um dia de sol muito quente, daqueles que nem ferro de marcar. Após o velório, um cortejo segue a pé até o cemitério.






Depois de anos de busca do filho desaparecido, Ruy Thales consegue enterrá-lo. O caixão é finalmente depositado no jazigo da família Berbert. Dentro dele, porém, não havia um corpo. Nem restos mortais. Apenas um terno completo e os sapatos de Ruy Carlos Vieira Berbert, desaparecido desde 1972. Objetos que haviam permanecido até então intocados em seu quarto, para "caso ele voltasse".






Antes do início das cerimônias, Ruy Thales, o pai, chamou Amélia Teles em casa para tomar um café. Ela estava em Jales representando a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. "Ele havia me chamado para o enterro, mas eu sabia que os restos mortais não haviam sido encontrados. Aceitei o convite e não perguntei nada. Ele também não me disse nada".






Depois do café, o conteúdo do caixão foi revelado. Naquele dia, Amélia foi cúmplice de Ruy Thales. Ninguém, além dos dois, sabia que o ataúde estava praticamente vazio. O pai já estava bastante idoso, e, prevendo que morreria logo, quis enterrar o filho. Mesmo sem ter um corpo. No fim do dia, depois do ato na Câmara e do enterro, deu um jantar para 80 pessoas. "Era uma mesa enorme, parecia um banquete", conta Amélia. O pai de Berbert morreu pouco tempo depois. Mas conseguiu enterrar seu filho.






Cena 2: Ruy Carlos Vieira Berbert, presente!


O ritual foi a forma encontrada pela família Berbert para acabar com a espera. A maneira de encerrar o luto que já durava 20 anos. Estavam se libertando de um fantasma que, até hoje, assombra a vida de famílias inteiras: filhos, pais, mães e irmãos. Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos.






"Não pode haver aceitação da ideia de que ainda existem mais de 140 brasileiros que muitos vivos sabem onde estão seus corpos ou como seus corpos deixaram de existir", afirma Paulo Vannuchi, à frente da Secretaria Especial de Direitos Humanos desde o final de 2005.






O caso de Ruy Carlos Vieira Berbert é emblemático. Nascido em Regente Feijó, no interior paulista, em 1947, veio para São Paulo tentar o vestibular da USP. Passou em letras, começou o curso e se tornou militante no movimento estudantil. Mais tarde, passou à luta armada. Em 1969, viajou, pela ALN – Ação Libertadora Nacional, organização de maior expressão no cenário da guerrilha urbana, nascida como dissidência do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e que teve Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira como dirigentes –, para Cuba, de onde retornou como militante do Molipo – Movimento de Libertação Popular, surgido a partir de um racha da própria ALN.






A maioria dos que voltavam do treinamento na ilha socialista já chegava ao Brasil "queimada" e procuradíssima pela repressão. Quando os serviços de informação da ditadura souberam que os integrantes do Molipo estavam se espalhando de forma clandestina para dentro do país, o governo baixou uma ordem exigindo a prisão de todo e qualquer estranho recém-chegado às cidades do interior.






O turista relâmpago


Na virada de 1971 para 1972, Berbert instalou-se em Natividade (na época, em Goiás, hoje, no Tocantins), em uma pequena pensão. No dia seguinte, foi preso enquanto conversava tranquilamente na calçada com a filha do dono do estabelecimento.






A delegacia da cidade era bem antiga. Suas celas possuíam amplas janelas gradeadas que davam para a praça principal. Da janela, o preso conversava com as pessoas que por ali passavam. Em algumas horas, o militante tornou-se celebridade, quase uma atração turística. Ficou conhecido.






Dois ou três dias após sua prisão, baixou em Natividade "o pessoal de São Paulo", como eram chamados os agentes do DOI-Codi. Nesse mesmo dia, Berbert apareceu enforcado em sua cela. A versão oficial: suicídio.






No dia seguinte, um grande proprietário de terras da região, não muito querido pela população local, também morreu. Os dois corpos partiram em cortejo rumo ao cemitério, seguidos por boa parte dos habitantes daquela cidade. Os agentes da repressão acreditavam que era por conta da morte do latifundiário, mas as pessoas estavam seguindo Berbert, o turista relâmpago, que, embora tivesse ficado tão pouco tempo na cidade, angariou simpatia e admiração, e que, do mesmo jeito que chegou, foi-se embora num piscar de olhos. Enterraram o latifundiário na ala "dos ricos" do cemitério, e o militante, numa vala comum, junto aos indigentes.






A família Berbert passou a ter informações sobre o filho somente através de notícias de jornal. Em 1979, um general ligado ao aparelho repressivo admitiu sua morte em entrevista concedida à Folha de S. Paulo. Na ocasião, dona Ottília, mãe de Ruy Carlos, disse ao grupo Tortura Nunca Mais que gostaria de mostrar a luta constante pela qual passaram, na busca incerta da solução de um passado certo: "Apesar dos fatos comprovarem a quase certeza de sua morte, nós vivemos mais de uma década com a esperança e o sonho de vê-lo novamente".






Corpo que não era corpo


Apenas em 1991 começaram a obter dados mais concretos. Um atestado de óbito com o nome de João Silvino Lopes foi entregue à Comissão 261/90 da Prefeitura de São Paulo, criada no mandato da prefeita Luiza Erundina, para acompanhar a identificação das 1.049 ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus. Segundo a versão oficial, Lopes havia se suicidado em 2 de janeiro de 1972, em Natividade. Embora pudesse ser um militante político, seu nome não constava na lista de desaparecidos.






Só um ano mais tarde, em 1992, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso aos arquivos do Dops, foi encontrada uma relação elaborada a pedido de Romeu Tuma, diretor da unidade paulista do órgão entre 1977 e 1982. Nela, estava o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert com as seguintes observações: preso em Natividade, suicidou-se na Delegacia de Polícia, em 2 de janeiro de 1972. Concluiu-se que João Silvino Lopes era o nome com que fora enterrado Ruy Carlos Vieira Berbert.






Tendo-se como base esse mesmo documento, foi possível saber que seu corpo estava no cemitério de Natividade, mas não em qual local exatamente. Para exumá-lo e fazer a posterior identificação, seria preciso escavar o cemitério inteiro. Membros da Comissão 261/90 explicaram a situação à família Berbert, que, resignada, se contentou com um atestado de óbito, concordando em não fazer a exumação praticamente impossível. O corpo permaneceu no local, mas um enterro simbólico foi realizado na cidade onde seus pais moravam.






Naquele dia, quem passou pela Câmara Municipal de Jales prestou homenagens frente ao caixão vazio de corpo, mas repleto de símbolos. Velaram um corpo que não era corpo, que não sabiam que não era corpo, mas que reverenciavam e o fariam ainda que o soubessem. No cemitério, colocaram a bandeira a meio-pau e cantaram o hino nacional. Tudo isso para o homem que não estava lá.

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