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sexta-feira, 2 de julho de 2010

GEHB ** ARTIGO - O Poder Moderador e a tensão entre federalismo e centralização no Segundo Reinado

 
Gunter Axt
Gunter Axt é historiador e gestor cultural. Bacharelou-se em História para UFRGS em 1992 e defendeu mestrado na mesma universidade em 1995. Doutorou-se em História Social pela USP, em 2001. Desenvolveu pós-doutorado junto ao CPDOC da FGV em 2005 e em 2006. Em 2009, foi professor visitante na Université Denis Diderot, Paris VII, junto ao Institut de la Pensée Contemporaine. É pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Intolerância (LEI) da USP e integra o Grupo de Trabalho em História Política da Associação Nacional de História, que já coordenou em nível nacional e regional.

09/06/2010 -

O Poder Moderador e a tensão entre federalismo e centralização no Segundo Reinado

Há quem conte a história do Brasil como desdobramento natural de um projeto estatista e centralizador. Mas a construção dessa fórmula jamais foi pacífica.

No Império, após a investida descentralizante do Ato Adicional, de 1834, e do regresso conservador, de 1841, entrou-se numa espécie de acordo possível. A última revolta contra a centralização política eclodiu em Pernambuco, foco de forças autonomistas, em 1848, sendo rapidamente sufocada. Por volta de 1850, houve um acordo entre as elites em torno da forma de governo monárquica, política e administrativamente centralizada, mas com ênfase nos acordos com as elites provinciais. Calcula-se que, ao final do Império, 77% das rendas públicas eram arrecadadas pelo Governo Geral, sendo que apenas 18% seguiam para as Províncias. O Governo Central empregava cerca de 70% dos funcionários públicos, enquanto que as províncias empregavam 25%.

A partir de 1860, avivou o debate entre liberais e conservadores sobre os limites da centralização. A submissão das províncias ao Governo Central e as interferências do Poder Moderador na vida política tornaram-se polêmicas. Pontificaram neste debate os liberais Zacarias de Góis e Vasconcelos e Aureliano Tavares Bastos, de um lado, e, de outro, os conservadores Pimenta Bueno, Marques de São Vicente, e Paulino José Soares de Souza, Visconde do Uruguai, alguns dos grandes nomes da teoria política brasileira.

Para o Visconde do Uruguai, o empoderamento das Assembleias Provinciais durante a Regência (1831-1840) estimulara as facções locais, germens das revoltas que corroíam a unidade. O político conservador sonhava separar a administração do campo da política, pois entendia que a vitória de uma facção significaria o abafamento definitivo da outra, o que traria instabilidade institucional. Por isso, insistia na necessidade de instituições que operassem a mediação do conflito, acreditando ser o Poder Moderador a chave deste sistema. A fórmula seria recuperada no Estado Novo por Getúlio Vargas e, em 1964, pelo regime militar. O Visconde do Uruguai registrava o quanto as eleições estavam ameaçadas pela fraude e pela manipulação do poder privado local, assinalando que o poder distante tornava-se menos despótico que o poder local. Paulino de Souza sinalizava que o princípio de self-government, defendido por Tocqueville e implantado nos Estados Unidos da América, dependia de uma estratégia de controle dos poderes locais e do interesse privado, o que, considerando as condições do país, tão somente era possível, naquele momento, por meio da missão pedagógica e civilizante possibilitada pela centralização política e administrativa. O Visconde acreditava que uma descentralização precipitada poderia lançar o país numa oligarquia.

A monarquia, de fato, por meio do Poder Moderador, encontrara uma fórmula de substituir os titulares do poder sem violência excessiva, sobrenadando as facções e limitando o grau de interferência dos poderes privados locais no processo político. Assim, as interferências do imperador nomeavam um membro do partido de oposição para que fizesse as eleições, garantindo um sistema de rodízio e evitando o conflito aberto entre as facções.
O liberal Zacarias de Góis e Vasconcelos, por sua vez, propunha o estabelecimento de limites à ação do Poder Moderador, especialmente por meio da responsabilização dos ministros de Estado, mas em momento algum questionou a pertinência da manutenção deste mecanismo, distanciando-se, portanto, das propostas reformistas do início dos anos 1830. Zacarias sustentava que o Poder Moderador não deveria, contudo, ser exercido diretamente pelo monarca, mas, sim, pelos ministros, responsabilizados perante a Câmara. O Visconde do Uruguai rebatia estas teses argumentando que se transferido o Poder Moderador para os ministros, o Ministério seria perigosamente partidarizado e disposto acima da Coroa.
Aureliano Tavares Bastos foi ainda mais além na crítica à centralização, assoalhando que o Poder Central ameaçava a liberdade, cuja plena realização dependeria do reforço à autonomia local.

A crítica em relação aos malefícios advindos do excesso de centralização avolumou-se com o passar dos anos e foi absorvida pela pregação republicana, sendo expressa já no manifesto de 1870. Ao longo da década de 1880, a propaganda republicana insistiu na fórmula da descentralização para garantir a manutenção da unidade política e territorial do Brasil. Ideologias novas, como o positivismo de Augusto Comte, emprestavam coerência conceitual e fluidez discursiva ao projeto descentralizante. Por detrás desta fermentação, estava uma nova fração da classe dominante que pretendia conferir mais visibilidade política ao seu poder econômico – os cafeicultores paulistas. Simbólico nesse sentido é o Monumento do Ipiranga. Ao demandar a construção de um faustoso prédio em registro da Independência do Brasil, a nova burguesia agrária paulista mostrava que pretendia apropriar-se de uma parcela da soberania nacional.

Acusando o golpe e sentindo a perigosa mudança dos ventos políticos, alguns políticos, como Joaquim Nabuco, em 1885, e Rui Barbosa, propuseram reformas federalistas sem abdicar do princípio monárquico. A urgência do assunto se afirmou especialmente depois da Abolição da Escravatura, em 13 de maio de 1888, que diluía a necessidade de vinculação umbilical entre unidade jurídica e centralização política. Em 1889, Rui Barbosa insistia: "Ou a monarquia faz a federação ou o federalismo faz a República". O Imperador Dom Pedro II formou, em 7 de junho de 1889, um novo Gabinete, cuja chefia entregou a Visconde de Ouro Preto, o qual se propôs a encaminhar uma reforma administrativa, a fim de esvaziar a pregação republicana que crescia em todo o país. Acenou para o arrefecimento do centralismo monárquico, por meio do fortalecimento das Assembleias Legislativas e dos Conselhos Municipais. Na economia, o Visconde desencadeou um ousado programa emissionista, que pretendia aumentar o meio circulante, reunindo recursos para financiar a lavoura, atingida em cheio pela Abolição e pela quebra de safra. E Dom Pedro II chegou a aventar a possibilidade de transferir o Poder Moderador para nossa Suprema Corte. Porém, as promessas não foram suficientes para estancar o inconformismo, e, em 15 de novembro de 1889, uma quartelada estalada no Rio de Janeiro começou derrubando o Gabinete e terminou depondo o Imperador e proclamando a República.

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