Este espaço é reservado para troca de textos e informações sobre a História do Brasil em nível acadêmico.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

31° Simpósio Nacional de História - SNH 2021 - História, Verdade e Tecnologia.

 clique na imagem para acessar o site do SNH 2021

UERJ e UVA - 19 a 23 de julho de 2021 - Rio de Janeiro, RJ

quarta-feira, 18 de março de 2020

Roupas padronizadas para escravizados marcaram início da indústria de vestuário no Brasil.



Pesquisa da USP abordou o desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil desde o século 19 até os anos 1960, quando a produção chegou à classe média

FONTE: Jornal da USP*



Padrões similares em roupas de pessoas escravizadas no século 19, mostrados no livro Escravos brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Jr., organizado por Paulo Cesar Azevedo e Maurício Lissovsky – Foto: Reprodução

.
Uma pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP construiu, de forma inédita, um recorte da história da moda no Brasil desde o século 19, com a produção em série de roupas para pessoas escravizadas, até o início dos anos 1960, quando a indústria têxtil nacional já apresentava traços semelhantes aos dos grandes centros do Ocidente.
A tese de doutorado Indústria do vestuário e moda no Brasil do século XIX a 1960: da cópia e adaptação à autonomização subordinada, defendida pelo jornalista Luís André do Prado em 2019, aborda um período em que o assunto é pouco estudado pela academia, não apenas no Brasil como por instituições estrangeiras.
Prado pesquisou dados estatísticos e análises econômicas realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), livros, jornais, teses, dissertações, entrevistas, além de pesquisas físicas em acervos pessoais e institucionais de associações e editoras especializadas em moda. “Meu objetivo inicial era focar a década de 1960, mas a carência de dados sobre os primórdios da indústria do vestuário no Brasil me fez voltar no tempo mais do que planejara. Fui parar no início do século 19.”
O pesquisador explica que a criação de moldes de roupas por escala de tamanhos permitiu a produção em escala industrial desde a virada do século 18 para o 19, em países como Inglaterra, França e Estados Unidos, e, na primeira metade do século 19, no Brasil. “Posteriormente, a introdução das máquinas de costura, de corte de tecidos e de fabricação de malhas, entre meados e fins do século 19, contribuiu enormemente para acelerar o crescimento da fabricação de roupas prontas.”

Início da padronização

Na segunda metade do século 19, o Brasil experimentou a industrialização da produção de roupas de trabalho para os negros escravizados como um primeiro nicho de produção em série.
Nas décadas seguintes, desenvolveram-se manufaturas de roupas íntimas, uniformes escolares e de vestuário masculino, que seguia os padrões ocidentais do terno. “Estas peças se prestaram melhor à produção seriada justamente por serem mais padronizadas, sem forte influência das alternâncias da moda”, explica Prado.
Roupas femininas, por seguirem as modas sazonais, passaram a ser padronizadas em uma escala ascendente a partir da década de 1930. As confecções brasileiras copiavam e adaptavam os padrões da moda internacional, principalmente os centrados em Paris.
Somente em 1960 o Censo Industrial mostrou pela primeira vez a produção de roupas femininas com uma porcentagem maior que a masculina: 26,8% contra 23,4%.

Produção para a classe média

Um dos capítulos da pesquisa analisou a multinacional francesa Cia. Industrial Rhodiaseta, durante os anos 1960, em um suposto lançamento internacional da moda brasileira. Foram realizados, durante sete anos, campanhas promocionais, eventos e divulgações, em uma extensa lista de países, de peças de alta moda e de produção em série feitas no Brasil.
Prado explica que o esforço “não passou de uma estratégia publicitária para vender à classe média brasileira a ideia de que as confecções e os criadores do Brasil também poderiam ter valor simbólico. Uma estratégia paradoxal pela qual procurou-se simular um reconhecimento, no exterior, da moda feita no Brasil”.
.


Confeccionistas “homologados” pela Rhodia na revista Manchete, anos 1960, linhas de prêt-à-porter – Foto: Reprodução/Hemeroteca Digital Brasileira

.
A ideia era valorizar a produção em massa que seria vendida à classe média no Brasil. “Evidencia-se, por esses eventos, a mentalidade ‘colonizada’ do brasileiro médio, mas que reproduzia um comportamento naturalizado pelas elites nacionais”, analisa.
A produção de alta moda neste período, como Dener Pamplona de Abreu ou Clodovil Hernandes, vivenciou trajetórias curtas, pois a moda de indústria seriada passou a lançar as tendências adotadas pelos brasileiros.
Prado explica que o interesse pelo assunto vem crescendo no Brasil e que o trabalho abre uma vertente de pesquisa no campo de História Econômica e na área de vestuário e moda. “São assuntos que apaixonam mesmo o público não acadêmico. Já em 2010, ocupamos o primeiro posto entre os países que mais oferecem graduação de nível superior em moda.”
Paulo Andrade/Assessoria de Comunicação da FFLCH
*Política de uso 

A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

150 Anos da Destruição do Estado-nação Paraguaio Pelo Exército Brasileiro

28.01.2020
150 Anos da Destruição do Estado-nação Paraguaio Pelo Exército Brasileiro. 32556.jpeg

Mário Maestri*
Há exatamente 150 anos, vivia-se os últimos momentos do arrasamento, para todo o sempre, do Estado-nação paraguaio, sobretudo pelo exército imperial brasileiro.
No final de janeiro de 1870, uns setecentos soldados, os restos do exército  paraguaio, semi-desarmados, marchavam por entre as matas semi-desabitadas do norte do país, sob chuva torrencial e um calor infernal, deixando para atrás soldados, mulheres e crianças mortos de inanição, doença e fome. 
Francisco Solano López comandava a retirada sem objetivo certo, em direção ao descampado de Serro Corá, no norte do país, próximo à fronteira com o Brasil, onde, em 1º de março, seria executado sob as ordens do general sul-rio-grandense Correia da Câmara, em um último arremedo de confronto. Era o epílogo de tragédia iniciada em fins de 1864, com a invasão pelo exército imperial, sem declaração de guerra, da República Oriental do Uruguai, para impor ali um ditador-títere: Venancio Flores.
Exterminando o Passado e o Futuro

Na "Era da Globalização", o silenciamento-destruição do passado, como experiência social determinante, é impulsionado pela natureza profunda do grande capital globalizado. A globalização do capital tudo  faz para consolidar a vivência do indivíduo em um tempo "atualista" ou "presentista". Ou seja, que domine no ser social atomizado, reduzido à situação de consumidor-produtor isolado, a percepção-sentimento, inconsciente e contraditória, de viver eternamente em um  presente. Único e imutável tempo histórico. Ou melhor, tempo sem história, sem relação com o passado e o futuro. Na "Era das Nações", as classes dominantes procuravam impor suas versões do passado, para dominar o presente e controlar o futuro. Financiavam institutos históricos reunindo historiadores conservadores selecionados; sustentavam a redação, produção e divulgação em livros, revistas, jornais -a seguir na rádio e na televisão- das suas narrativas historiográficas; dificultavam e combatiam as narrativas do passado desde o ponto de vista das classes exploradas. As universidades e as escolas as eram a ponta de lança da produção e das divulgações das narrativas apologéticas nacionais das classes dominantes. Esforçavam-se para que a historiografia dominante fosse a das classes dominantes.
A globalização tudo faz para que o passado e o futuro se dissolvam sob o domínio esmagador de um presente sempre estático e sem raízes, onde não há mudanças, apenas permanências.  Esse projeto foi e é impulsionado no Brasil em forma avassaladora sobretudo pela globalização desenfreada da economia e da sociedade. Foi e é impulsionado pela grande mídia, pelos governos passados e, agora, em forma desenfreada, pela nova ordem autoritária neo-colonial globalizada em institucionalização. 
A mais longa guerra
A chamada Guerra da Tríplice Aliança contra a República do Paraguai [1864-70] foi o mais longo, duradouro e mortífero conflito guerra empreendida pelo Estado Brasileiro. Talvez 150 mil combatentes imperiais foram enviados aos campos de batalha, aos safanões, com talvez 50 mil baixas mortais, sobretudo em combate e doenças [cólera, disenteria, varíola].
O sesquicentenário daquele conflito está se concluindo sem que se tenha realizado nenhum grande evento científico-acadêmico no Brasil, na Argentina, no Paraguai, no Uruguai. Quando muito, realizaram-se as tradicionais celebrações militar-patrióticas castrenses para uso da corporação. O deslizar conservador na Argentina, no Paraguai, no Brasil e, agora, no Uruguai, contribuíram fortemente para impor o enorme e doloro silêncio, que a mídia preocupa-se em não quebrar.
A guerra, lutada de 1864 a 1870, por decisão da classes dominantes imperiais e liberal-argentinas, opunha-se aos interesses das populações do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai. Em um sentido histórico, todas as nações envolvidas saíram prejudicadas do conflito, com destaque para a população e a nação paraguaia. 
Consolidando a Escravidão e a Monarquia
No Brasil, a vitória do Estado imperial contribuiu para consolidar, ainda por longos anos, a monarquia, o conservadorismo, a escravidão. No Uruguai, a ditadura "colorada", imposta pela força das armas do exército imperial, restaurou e manteve a situação semi-colonial do país em relação ao Império, com destaque para o domínio despótico e prepotente dos  criadores escravistas rio-grandenses do norte uruguaio. 
Na Argentina, a ordem liberal-unitária portenha, a serviço do comércio e do capital inglês, se espraiou pela nação, liquidando as liberdades federalistas, sufocadas em um banho de sangue que ceifou dezenas de milhares de gaúchos, pequenos plantadores, pequenos comerciantes, etc. das províncias do Litoral e do Interior. 
O caso do Paraguai foi dramático. O pequeno país rural, de uns 450 mil habitantes - a população rio-grandense na época -, constituíra-se como talvez o único Estado-nação da América do Sul, quando de revolução nacional-popular vitoriosa dirigida por José Gaspar de Francia, advogado paraguaio jacobino, filho de pai brasileiro.
Revolução Democrática Vitoriosa
No governo do Paraguai, de 1813 a 1840, impulsionado pelos acontecimentos, o doutor Francia instituíra ordem político-social apoiada na larga população camponesa hispano-guarani [chacareros], que conheceria então por décadas situação de literal acesso livre a pequenas explorações agrícolas [chacaras]. O doutor Francia e a população paraguaia venceram a revolução democrática na qual, no Uruguay, Artigas fora derrotado, em 1820, com a forte colaboração luso-brasileira.
O governo francista golpeara a reação dos oligarcas proprietários, a quem poupara no geral a vida mas confiscara suas posses, sobretudo fundiárias. Com estas últimas e as antigas fazendas jesuíticas, fundou as "fazendas da nação", de propriedade pública, que sustentavam os gastos administrativos e militares do Estado, aliviando os impostos pagos por plebeus e camponeses. 
O Estado francista nacionalizou o comércio exterior e a Igreja, instituiu a liberdade religiosa, organizou o mais amplo sistema da época de educação pública elementar para os jovens do sexo masculino. Por décadas, o país viveu semi-encapsulado, por ter o acesso negado do seu comércio ao Prata pela oligarquia de Buenos Aires. Boa parte das trocas mercantis paraguaias de então se dava por São Borja, no Rio Grande do Sul.
Restauração Lopista
Com a morte de José Gaspar de Francia, em 1940, se instaurou a Era Francista [1842-70], com o governo dos López, pai e filho, de caráter pró-oligárquico e restauracionista. Entretanto, o lopismo não atacou em profundidade a propriedade camponesa da terra, na qual se assentava, nos fatos, a independência do país.
A união do Império do Brasil e da Argentina liberal-unitária levaram o Paraguai a uma guerra que não poderia vencer. Quando as tropas da Tríplice Aliança invadiram o país, em inícios de 1866, conheceram uma oposição inesperada, heróica e incondicional lutada sobretudo pela população rural, logo traída pelas  classes dominantes. Não houve rendição. O exército paraguaio combateu praticamente até a extinção. 
A destruição do Estado paraguaio tornou-se inevitável, devido sobretudo aos graves erros militares de sua direção, que dificultaram e mesmo impediram a unificação da resistência paraguaia, uruguaia e argentina, única condição para aquelas forças terem sucesso diante da união dos poderosos Estados imperial brasileiro e liberal-oligárquico argentino. 
Não houve reconstrução propriamente dita do Paraguai após 1870. A destruição-desorganização da sua poderosa classe camponesa de raízes hispano-guarani, primeiro na guerra e, a seguir, com a  privatização das terras públicas pelo partido dos generais de Francisco Solano López, permitiu a criação do Estado liberal-oligárquico anêmico e anti-popular que conhecemos hoje.
Paradoxalmente, a população paraguaia sente e vibra ainda com as recordações da resistência heróica. Continua não acreditando no fim da história. [Duplo Expresso, quinta-feira, 16.01.2020. https://duploexpresso.com/?p=109657]

Arquivo do blog

Seguidores do Grupo de Estudos da História do Brasil - GEHB.