Documentário revela um Rio de Janeiro ainda pouco conhecido
Fonte: FAPERJ Danielle Kiffer Divulgação |
Documentário conta a história da urbanização do Rio de Janeiro |
O embate com a vasta natureza do Rio de Janeiro ditou a estrutura urbana carioca. É o que mostra o projeto da pesquisadora Ana Luiza Nobre, da Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Com uma equipe de alunos de arquitetura, urbanismo e cinema da universidade, ela produziu o documentário em DVD Entre Morros e Mares, que mostra a evolução urbana da cidade, com foco na segunda metade do século XX, com fotos e filmes históricos. Desenvolvido com apoio da FAPERJ por meio do edital de Apoio à Produção de Material Didático para Atividades de Ensino e/ou Pesquisa, o documentário, que tem narrações do ator Paulo José, do poeta Eucanaã Ferraz e da atriz Malu Galli, foi feito especialmente para ser trabalhado em sala de aula com alunos de graduação de arquitetura, história, engenharia, sociologia, urbanismo e áreas afins.
“Como uma cidade situada entre morros e mares, repleta de mangues e brejos, a urbanização do Rio de Janeiro sempre representou um grande desafio. Foi preciso aterrar as lagoas, inventar o chão”, explica Ana Luiza. Segundo a pesquisadora, isso representou grandes dificuldades técnicas, que a engenharia e a arquitetura tiveram que resolver em conjunto, por meio de aterros, da aberturas de túneis, da construção de pontes e outras grandes estruturas e até pelo arrasamento de morros inteiros. No vídeo, algumas dessas dificuldades são contadas no depoimento de diversos engenheiros, a maioria deles participantes das principais e mais complexas obras realizadas na cidade na segunda metade do século XX. “Apesar de ser da área de arquitetura, priorizei a presença de engenheiros no vídeo, pois estes profissionais quase nunca são lembrados e sua importância é indiscutível”, relata a pesquisadora.
No começo do século XX, começam, de fato, as grandes transformações no espaço urbano do Rio. “A construção do porto do Rio de Janeiro e da Avenida Beira-Mar, na área central da cidade, são alguns dos exemplos das grandes reformas urbanísticas realizadas durante o mandato do então prefeito da cidade, Pereira Passos (1901 a 1906), que marcam o ingresso do Rio na modernidade”, conta Ana Luiza. O Rio de Janeiro também acabou sendo precursor em construções com nível técnico arrojado. Um exemplo é o Museu de Arte Moderna (MAM), projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, no início dos anos 1950, obra pioneira no uso do concreto armado aparente e na solução estrutural em pórticos, que libera o espaço das exposições de apoios e eleva o edifício do solo, criando uma continuidade entre a cidade e o mar. O museu foi erguido na área do Aterro do Flamengo, região que recebeu as rochas do desmonte do Morro de Santo Antônio e, na mesma década, foi transformada em parque com projeto paisagístico de Roberto Burle Marx.
Jeorgino Nobre |
A construção da ponte Rio-Niterói foi uma das pioneiras na utilização de concreto autoadensável |
Simultaneamente ao MAM, a cidade vê surgir outra obra que desafia os limites da técnica, impondo-se sobre uma praça. É o Pavilhão de São Cristóvão, projetado pelo arquiteto Sergio Bernardes e pelo engenheiro Paulo Fragoso. Na época, sua construção significava também erguer a maior cobertura pênsil do mundo. Em seu depoimento, o engenheiro Carlos Alberto Fragelli, colaborador do engenheiro Paulo Fragoso, fala que o sistema de cobertura foi concebido como uma gigantesca cesta de cabos de aço, projetada para ficar suspensa a 20 metros de altura. “Hoje, o pavilhão não tem mais a cobertura, que sofreu com um vendaval e mais tarde ainda foi danificada por um incêndio. O pavilhão foi reformado no início dos anos 2000 e ainda hoje continua abrigando a feira nordestina nascida no Campo de São Cristóvão."
Na mesma época, ainda nos anos de 1950, o edifício Avenida Central foi mais um exemplo de inovação. Projetado pelo arquiteto Henrique Mindlin, com estrutura do engenheiro Paulo Fragoso, foi, segundo depoimento do engenheiro Affonso Bevilacqua, responsável pela montagem de sua estrutura metálica, “a primeira vez no Rio de Janeiro em que foi construído um prédio daquela altura – 34 andares e 110 metros de altura – e daquela envergadura. Nele, foi aplicado, antes mesmo de nos Estados Unidos, a técnica da viga mista, que é uma combinação de concreto armado com aço, introduzida por Paulo Fragoso”, explica Bevilacqua.
O documentário destaca ainda a ponte Rio–Niterói que, da época em que foi inaugurada, em 1974, até 1985, era considerada a segunda maior ponte do mundo. Entre outros aspectos, a ponte foi registrada no Guiness Book como o recorde de vão em estrutura metálica. De acordo com Bruno Contarini, engenheiro responsável por sua execução, a ponte, com projeto estrutural do engenheiro Antonio Alves Noronha Filho, trouxe várias inovações. Uma delas foi a utilização do concreto autoadensável, de grande plasticidade, com capacidade de fluir com facilidade dentro das formas, passando pelas armaduras e preenchendo os espaços sob o efeito de seu próprio peso, sem a necessidade de utilizar equipamentos de vibração. “Costuma-se atribuir essa invenção aos japoneses, citando uma ponte construída naquele país em meados de 1985. Porém, esquecem que, 15 anos antes, na ponte Rio–Niterói, foram utilizados 150 mil m3 desse tipo de concreto”, afirma Bruno Contarini em seu depoimento.
Acervo da Escola de Engenharia da USP-São Carlos |
Pavilhão de São Cristóvão: à época de sua construção, foi a maior cobertura pênsil do mundo |
O vídeo também mostra a expansão urbana da cidade para a Barra da Tijuca, a partir do plano piloto de Lúcio Costa, de 1969, em uma tentativa de reorientar o crescimento da cidade e deslocar o seu centro urbano para a Zona Oeste. Nesse sentido, a construção do elevado do Joá, que teve projeto estrutural do engenheiro Walter Braga, foi uma obra inovadora e ousada, do ponto de vista técnico, tanto por conta da localização quanto por sua estrutura. Segundo a pesquisadora, “para melhorar o acesso àquela região da baixada de Jacarepaguá, foi construída, no fim da década de 1960, a autoestrada Lagoa–Barra, que incluiu a perfuração de túneis e a criação de um viaduto com duas pistas sobrepostas entre a encosta e o mar”. Como diz em seu depoimento o engenheiro Valter Braga, autor do projeto estrutural do viaduto do Joá, o elevado era continuação do projeto dos túneis. “O local de implantação obrigou a elaboração de uma superestrutura sinuosa, cheia de curvas e a uma mezzo estrutura bastante assimétrica, porque foram implantadas em uma encosta bastante íngreme. Outra característica do elevado foi o amplo emprego de pré-moldados; foram utilizadas vigas trapezoidais de concreto protendido”, informa.
Foram produzidas 150 cópias do DVD para distribuição em universidades de todo o Brasil. “O vídeo traz informações valiosas que permitem um olhar mais profundo e detalhado sobre a cidade, não só linda por sua natureza, mas vasta de histórias contidas em cada pedaço de concreto e aço”, finaliza Ana Luiza.
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