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domingo, 7 de agosto de 2011

** "Legalidade mostrou que sociedade organizada impede golpe", afirma historiador

 
"Legalidade mostrou que sociedade organizada impede golpe", afirma historiador
ELEONORA DE LUCENA
DE SÃO PAULO

"A Junta Militar apertou o botão para disparar o golpe, mas a sociedade reagiu e não concordou", assim o historiador Jorge Ferreira resume os resultados da Campanha da Legalidade desencadeada há 50 anos para lutar pela posse de João Goulart na Presidência da República.
Ferreira, 54, autor de "João Goulart, uma Biografia" [Civilização Brasileira, 2011], destaca a força decisiva das organizações civis no movimento. "Golpes não dependem da vontade de generais, mas exigem apoio social", enfatiza.
Nesta entrevista, Ferreira, professor de História do Brasil da Universidade Federal Fluminense, narra momentos cruciais da campanha e analisa a crise militar.
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Folha - Qual é o legado do movimento pela legalidade 50 anos depois?

Jorge Ferreira - O legado foi o de mostrar que havia, na sociedade brasileira, um forte apego pela manutenção das instituições da democracia representativa instauradas pela Constituição de 1946. Em agosto/setembro de 1961, a sociedade brasileira não quis golpes de Estado. Não se tratou apenas da liderança de Brizola ou do levante no Rio Grande do Sul. Em todo o país, diversos sindicatos de trabalhadores declararam greve pela posse de Goulart. Organizações camponesas no nordeste brasileiro também protestaram. Empresários, por meio de Federações de Indústrias e Associações de Comércio apoiaram a continuidade do processo democrático. Organizações estudantis, como a UNE, UBES E UMES, fizeram o mesmo. Todos os partidos políticos no Congresso Nacional, incluindo a UDN, exigiram a posse de Goulart. A OAB, a ABI, A CNBB, mas também federações umbandistas e até diretorias de clubes de futebol repudiaram o golpe. A imprensa, majoritariamente, apoiou a legalidade (apenas "O Globo", "O Estado de S. Paulo" e "Tribuna da Imprensa" apoiaram o veto a Goulart). Ao final, as Forças Armadas se dividiram. Uma coisa era muitos oficiais não gostarem de Jango; outra, diferente, era rasgar a Constituição e impedir a posse do vice-presidente eleito constitucionalmente. Em outras palavras, a Junta Militar apertou o botão para disparar o golpe, mas a sociedade reagiu e não concordou. Até mesmo parte considerável das Forças Armadas não aceitou o golpe. Como sabemos, golpes não dependem da vontade de generais, mas exigem apoio social. Então, vemos, em 1961, a sociedade brasileira apegada aos valores democráticos e constitucionais. Esse é o grande legado. Mas também vemos que não existe aquela imagem da "sociedade de massas" conduzida por líderes "populistas". A crise da legalidade nos mostra, sim, a sociedade brasileira organizada. Empresários, trabalhadores urbanos, camponeses, estudantes, profissionais liberais, religiosos etc., organizados em suas entidades representativas. Nesse sentido, cai por terra a tese de que o regime de 1946-1964 foi uma "democracia populista" ou uma "república populista". O regime foi de democracia-liberal ou democracia representativa. E imbuída de valores democráticos. Pronto. Agora, porque, em menos de três anos, essa mesma sociedade assistiu de braços cruzados, sem reação, recrutas liderados por um general sem prestígio marchando de Juiz de Fora para a Guanabara com objetivo de depor o presidente da República, é outra história.
Como o sr. analisa o ineditismo da campanha, ao provocar uma cisão nas Forças Armadas. Como o sr. explica a posição adotada pelo comandante do 3º Exército naquele episódio? Qual era a sua formação? Por que ele resolveu apoiar Brizola? Como era atuação dos grupos de esquerda dentro das Forças Armadas?

No período 1945-1964, conviviam nas Forças Armadas diversas tendências políticas, da direita à esquerda. Se havia militares direitistas golpistas, havia também muitos oficiais comunistas, janguistas e brizolistas. Na crise política gerada pela renúncia de Jânio Quadros, o general José Machado Lopes tomou decisão junto com o Estado-Maior do 3º Exército. Para obedecer à Junta Militar golpista, ele teria que bombardear o Palácio Piratini, matando todos que lá estavam, incluindo o governador Brizola. Depois, teria que impor a "ordem" no Rio Grande do Sul. Para isso, ele teria que cometer verdadeira chacina. A população gaúcha estava em estado de revolta na capital e no interior. Há de se considerar que o militar é obrigado a obedecer à hierarquia e à disciplina, mas não é obrigado a cumprir ordens absurdas. Assim, entre cumprir a Constituição e evitar ser responsável por milhares de mortes, ele preferiu estar ao lado da legalidade.
A questão da distribuição de armas à população durante a campanha parece ser um ponto obscuro. O sr. tem mais dados a respeito? As fábricas de armamentos localizadas no RS foram também mobilizadas?

A população de Porto Alegre e das cidades do interior gaúcho mobilizou-se para a defesa da legalidade. Na capital, cerca de 45 mil pessoas se alistaram para a formação de batalhões populares. Brizola requisitou nas lojas de armas da capital mil revólveres e os distribuiu a quem desejasse. É interessante que, ao final da crise, todos os que receberam as armas as devolveram. A Brigada Militar gaúcha tinha em seus arsenais uma grande quantidade de fuzis e metralhadoras. Eles foram comprados no início dos anos 1930 pelo governador Flores da Cunha, no caso de enfrentamento com Vargas. Depois, a Brigada Militar (a PM gaúcha), para evitar o confisco das armas pelo Exército Brasileiro, as manteve escondidas. Todos os alistados que quisessem armas recebiam os revólveres e os fuzis e tinham rápida aula de tiro com instrutores da Brigada Militar --incluindo aí mulheres e comunistas. O que ocorreu, de fato, foi que Brizola armou a população em Porto Alegre. No interior, o trabalho foi feito pelos Centros de Tradições Gaúchas, mas nesse caso com armas artesanais, como lanças, arcos e flechas, facões etc.
A situação em que o general Machado Lopes canta o hino nacional também não é muito abordada. O sr. tem mais detalhes?

O relato que tenho é esse: o comandante do 3º Exército, Machado Lopes, junto aos generais de seu Estado Maior, comunicou a Brizola que iria ao Palácio Piratini conversar com ele. Para Brizola, Machado Lopes tinha o objetivo de depô-lo do cargo. Brizola armou assessores e alguns funcionários mais próximos. Se Machado Lopes desse ordem de deposição, os assessores sacariam as armas e prenderiam os generais. Tendo-os como reféns, Brizola desafiaria a Junta Militar a bombardear o Palácio Piratini. O fato é que Machado Lopes e os generais chegaram em um jipe. Nas escadarias do Palácio e, diante deles, havia cerca de 100 mil pessoas. O silêncio era enorme. Quando eles subiam as escadas (permitindo que a população os vissem), alguém começou a cantar o hino nacional. Machado Lopes e os generais pararam, viraram-se para o povo, botaram a mão no peito (na altura do coração) e também cantam o hino. Milhares de pessoas choraram nesse momento.
Do ponto de vista da história militar, qual é a relevância? Quem poderia ser ouvido sobre esse ponto?

Pois é, boa pergunta. Trata-se de história ainda a ser construída. Creio que três livros de memórias são importantes: um, o do próprio José Machado Lopes. O outro, o do Odílio Denys. Ele, na época, era o Ministro da Guerra (atual ministro da Defesa) e, se não me engano, tem um livro publicado. O terceiro é o do Cordeiro de Farias. Ele foi nomeado por Denys para chefiar as forças militares para combater o 3º Exército.


http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/955485-legalidade-mostrou-que-sociedade-organizada-impede-golpe-afirma-historiador.shtml


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Fabrício Augusto Souza Gomes

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