Este espaço é reservado para troca de textos e informações sobre a História do Brasil em nível acadêmico.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

** [Carta O BERRO] A Revolução Russa e a mídia brasileira

Carta O Berro..........................................................repassem

A Revolução Russa e a imprensa brasileira   

Por Augusto Buonicore

                                                                                                                                                              À Astrojildo Pereira



  As notícias da queda do tzarismo na Rússia foram recebidas com festa no Brasil. Nas comemorações que se seguiram, congraçaram-se burgueses e proletários, liberal-conservadores e anarquistas. Tal qual o fevereiro de 1848 na França, o fevereiro russo de 1917 foi a "revolução bela, a revolução da simpatia universal".
Nos dois casos o povo havia se unido à burguesia para derrubar uma monarquia indesejável. Alguns meses depois a concórdia universal foi quebrada com a radicalização da luta de classes e a explosão de rebeliões operárias. No caso francês os operários foram derrotados – e a rebelião afogada em sangue –; no russo, a luta de classes terminou com a vitória dos operários sobre os seus oponentes, burgueses e latifundiários.
No Brasil, entre fevereiro e outubro de 1917, os primeiros sinais das graves desavenças futuras podiam ser observados nas interpretações dadas em relação aos fatos e principais personagens da revolução ainda em curso. Kerenski – o chefe social-revolucionário de direita que participou desde o primeiro governo provisório –, pouco a pouco, foi se tornando o ídolo dos nossos republicanos burgueses. Estes o chamavam de Danton russo e herói da Nova Rússia democrática.
A burguesia e os setores oligárquicos nada entenderam dos reais motivos que levaram àquele grande movimento revolucionário. Chegaram mesmo a afirmar que se tratava de uma rebelião contra as vacilações do tzarismo em relação a continuidade de sua participação na guerra imperialista. Ela teria sido a afirmação do espírito patriótico do povo russo, interessado em levar a guerra até o final sem nenhum acordo com a Alemanha. Assim, segundo eles, a queda do Tzar havia liberado energias para que o país continuasse no conflito mundial ao lado dos seus aliados da Entente, capitaneada pela Inglaterra, França e Estados Unidos.
O liberal-conservador Rui Barbosa emprestou seu prestígio a essa tese infundada. Num discurso afirmou: "O Kaiser tem colaboradores no seio da nobreza russa, da dinastia russa, do exército russo. Generais, ministros, príncipes, trabalham envolvidos nessa teia, pela paz em separado e pelo abandono da aliança (com a Entente). A ação militar claudica, atravessam-se as operações, desastres inexplicáveis anulam o poder gigantesco das massas moscovitas (...) Até que um dia a sensibilidade nacional, advertida pelos rumores subterrâneos da traição, acorda a súbitos, uma força imprevista ergue da gleba o titão esmagado, o trono imperial desaparece e as prisões do Estado se fecham sobre os administradores, os magnatas, os generais amigos dos inimigos". Ele, como toda a imprensa burguesa e oligárquica, apenas tagarelava o que era reproduzido pelas agências noticiosas estrangeiras.
O Evening Standart, por exemplo, estampou: "Essa revolução não foi nem anti-dinástica, nem anti-aristocrática. Foi puramente anti-alemã". O italiano Corriere della Sera por sua vez disse: "Os aliados, portanto, só tem a se alegrar com esse golpe desferido contra a Alemanha, o mais forte depois de Marne". Na mesma linha ia O Clarion do social-democrata inglês Hyndman: "A despeito das intrigas alemãs, não houve nenhuma tentativa de contra-revolução. A despeito de ofertas financeiras (...) nenhuma greve eclodiu nas fábricas de munição (...) os soldados não estão, como esperavam os inimigos da Rússia, amotinados contra seus oficiais. Os tolstoianos (entendidos com pacifistas) fracassaram completamente em sua tentativa de levar a Revolução a uma capitulação sem resistência ao inimigo".
Num primeiro momento, homens como Rui Barbosa e Hyndman pareciam estar certos, pois o governo provisório dirigido pela burguesia liberal - e com participação minoritária dos socialistas reformistas - manteve todos os compromissos militares assumidos pelo tzarismo. Mas isto estava longe de representar os verdadeiros interesses das massas populares que haviam posto abaixo a dinastia dos Romanov. Os trabalhadores queriam que a Rússia saísse o quanto antes daquela guerra desastrosa. Uma das principais palavras de ordem dos revoltosos de fevereiro era, justamente, Paz! Os porta-vozes da guerra imperialista desconheciam - ou fingia desconhecer - este fato.
Em abril, poucas semanas após a eclosão da revolução, uma nota do ministro de relações exteriores, afirmando o desejo governamental de manter a Rússia na guerra, levou a realização de grandes mobilizações populares. O resultado da crise de abril foi a renúncia do ministro e a constituição de um governo composto por uma maioria socialista reformista, dirigido pelo próprio Kerenski. Ele, apesar da crise, continuou conduzindo uma guerra cada dia mais impopular.
Em julho o governo provisório resolveu realizar uma grande ofensiva militar, buscando insuflar o espírito patriótico e calar a oposição bolchevique. O tiro saiu pela culatra e os exércitos russos sofreram uma fragorosa derrota. Logo em seguida ocorreram grandes manifestações de rua e choques armados com as forças governistas. Os operários foram derrotados e se iniciou um breve período de recuo da revolução. Os líderes bolcheviques se exilaram ou foram presos.

Lênin, um agente alemão?

O nome de Lênin começou a aparecer na imprensa mundial - e brasileira - apenas depois da divulgação de suas Teses de Abril. Nelas ele conclamava o não-apoio ao governo provisório e defendia que o todo poder fosse entregue aos sovietes, um embrião do poder operário e popular formado na revolução de fevereiro. O Partido Bolchevique, chefiado por Lênin, era o principal defensor da idéia de que a Rússia deveria se retirar imediatamente da guerra. Tal proposta irritava profundamente os governos e as classes dominantes dos países aliados, entre os quais se incluía o Brasil.
Em maio de 1917 já se podia se ler nos jornais brasileiros matérias como essas: "Em certos pontos trabalhadores dirigidos por agentes alemães, quiseram fazer demonstrações contra a guerra, os demais operários protestaram, travando-se conflitos de certa importância que exigiram a intervenção da polícia (...) O correspondente de um jornal norueguês (...) anunciou também que foi assassinado em Petrogrado, ontem de manhã, o socialista Lênin, apontado como agente alemão". (A Noite. 02/05/1017). Alguns dias depois o mesmo jornal reafirmaria a morte de Lênin "durante uma rusga entre operários e soldados". Possivelmente os jornais se referissem, de maneira distorcida, às grandes manifestações de massas contra o ministro de relações exteriores e à manutenção da guerra. A imprensa invertia os fatos.
Depois dos acontecimentos de julho, um jornal brasileiro dava esta interessante descrição do líder dos bolcheviques: "dizem (...) que o verdadeiro nome de Lênin é Leão Ulianov e que ele pode ser considerado como chefe da espionagem alemã na Rússia, tendo gasto nos últimos meses vários milhões de rubros". (O combate – 25/07/1917)
Os bolcheviques eram chamados pela imprensa brasileira e latino-americana, inclusive anarquista, de maximalistas. Alguns diziam que era porque defendiam o programa máximo, outros porque era maioria (bolchevique) no Partido Social-Democrata. Existiam ainda aqueles que – mal informados – acreditavam que o termo se devia ao fato de serem discípulos do famoso escritor russo Maximo Gorki.
Jornais importantes, como o Correio da Manhã, não se furtavam de publicar coisas hilariantes como essa: "O célebre agitador Lênin faleceu em 1916 na Suíça e o falso Lênin que ultimamente tem agitado a Rússia não é outro senão um certo Zaberlun, antigo amigo de Lênin". Era comum referência a Lênin como sendo judeu – uma clara tentativa de relacionar a revolução russa com um suposto complô judaico internacional para conquistar o mundo.
Em primeiro de outubro o jornal Época anunciou solenemente que Lênin finalmente havia sido preso pelo governo provisório. O mesmo artigo chamava o partido bolchevique de "partido anarquista". Sobre Lênin também podia se ler: "seu modo de vestir é dos mais descuidados (...) o que não impede de por, desde a revolução, diamantes nos botões de punho das camisas".
A imprensa liberal lastimou profundamente a vitória dos bolcheviques, mas foi obrigada a anunciá-la. Nos primeiros dias que se seguiram a queda do governo provisório, as notícias começaram novamente a serem distorcidas. No dia 11 de novembro o jornal A noite anunciava prazeroso: "os cossacos, ajudados pelos minimalistas, estão prestes a dominarem os leninistas, com os quais têm travado batalhas nas ruas da capital".
No dia seguinte afirmava o mesmo jornal: "Kerenski, à frente de 200 mil homens dedicados e apoiados pela grande maioria da população, como também pelo Exército e pelas organizações conservadoras, luta a estas horas contra os maximalistas nos arrabaldes de Petrogrado ou, talvez, dentro da própria capital russa. De Lênin e seus comparsas não há notícias, acreditando-se mesmo que já tenham procurado asilo em lugar seguro (...) Esperemos, com otimismo, o resultado da luta que se está travando, porque dela deve sair triunfante a boa causa que é a que defende Kerenski".
Um dos principais jornais brasileiros, O País, afirmou: "O governo chefiado pelo Sr. Lênin reconheceu-se incapaz de deter as forças consideráveis de Kerenski". O Imparcial, por sua vez, estampou: "já não há dúvidas sobre a situação da Rússia: o sr. Kerenski dominará integralmente a desordem leninista". Continua ele: "Comunicações de fontes autorizadas aqui recebidas anunciam que o Sr. Kerenski, à frente de importantíssimas tropas, marcha sobre Petrogrado".
No dia 13 de novembro A Noite deu detalhes dos combates: "o Sr. Kerenski sai uma vez mais triunfante dos seus inimigos. Nos arrabaldes e dentro da própria capital (...) travou-se uma batalha que terminou (...) com a derrota dos maximalistas. Estes já reconhecem, aliás, a sua perdição e procuram agora chegar a um acordo, que Kerenski repele integralmente, declarando que maximalistas depuseram as armas, dominando a cidade um outro comitê, formado pelo ex-presidente da Duma". O jornal anunciaria exultante que Kerenki havia entrado em Petrogrado e Lênin tinha sido preso. "É preciso que esta aventura seja exemplarmente castigada para que os comparsas de Lênin ou outros agitadores anarquistas, a serviço da Alemanha, não tenham vontade de repeti-la", pregava. Esses devaneios tomavam conta de toda imprensa oligárquico-burguesa.
Em março de 1919, referindo-se as revoluções russa e alemã que ainda se desencadeava, declarou Rui Barbosa: "uma comoção tal, por mais horrenda que haja sido a guerra, vem a ser ainda cem vezes mais sinistra. Porque não é a fraternidade: é a inversão do ódio entre as classes. Não é o reconhecimento dos homens: é a sua exterminação mútua. Não arvora a bandeira do evangelho: bane Deus da alma e das reivindicações do povo. Não dá trégua à ordem. Não conhece a liberdade cristã. Dissolveria a sociedade. Extinguiria a religião. Desumanizaria a humanidade. Inverteria, subverteria a obra do Criador". Naquele mesmo momento a Rússia revolucionária estava resistindo bravamente aos ataques das potências imperialistas e dos exércitos brancos (contra-revolucionários). Estes seriam derrotados definitivamente em 1921.
Mesmo depois de consolidado o poder soviético, a imprensa liberal continuou a caluniar a Rússia levantando contra ela todo tipo de acusações. Quando da grande fome que se abateu sobre aquele país no início da década de 1920 – fruto da seca e da guerra civil imposta pelas potências capitalistas – um jornal escreveu: "Ali os famintos desenterravam cadáveres para comer. Os adultos, famintos, invejavam as crianças alimentadas pela American Relief Administration, provocando casos freqüentes de canibalismo. Ainda, em Sâmara, a polícia fechou um restaurante que servia aos fregueses carne de crianças". Surgia assim a lenda, repetidas por décadas a fio, que os comunistas comiam criancinhas.

Lima Barreto e Astrojildo Pereira contra a hipocrisia burguesa

No Brasil também existiam aqueles, que ao contrário do conservador Rui Barbosa, admiravam a revolução russa e a obra dos bolcheviques. Um deles era o grande escritor negro Lima Barreto. Em novembro de 1918, ainda preso a um leito hospitalar, escreveu: "O que os jornais disseram (...) sobre o maximalismo e anarquismo, fez-me lembrar como os romanos resumiam, nos primeiros séculos da nossa era, o cristianismo nascente. Os cristãos, afirmavam eles categoricamente, devoram crianças e adoram um jumento. Mais ou menos isto, julgavam os senhores do mundo de uma religião que iria dominar todo aquele mundo por eles conhecidos e mais uma parte muito maior cuja existência nem suspeitavam (...) A teimosia dos burgueses só fará adiar a convulsão que será então pior: e que eles se lembrem, quando mandam cavilosamente atribuir propósitos iníquos aos seus inimigos, pelos jornais irresponsáveis; lembrem-se que, se dominam até hoje a sociedade, é às custas de muito sangue da nobreza que escorreu na guilhotina, em 1793, na Praça da Grève, em Paris. Atirem a primeira pedra"
Entre nós, seriam os dirigentes do movimento operário que melhor entenderiam os acontecimentos russos daqueles anos turbulentos. O instinto de classe lhe dizia de qual lado deveria combater. Escolheram o lado dos conselhos de operários, soldados e camponeses contra o governo provisório de Kerenski.
Naquele momento destacou-se a atuação do jornalista e, então, líder anarquista Astrojildo Pereira. Ele assumiu decididamente a defesa da revolução russa, enviando uma série de artigos para os principais jornais cariocas, assinando com o pseudônimo de Alex Pavel. A grande parte deles, é claro, não foi publicada e possivelmente acabou indo para o cesto de lixo de algum editor. Um pouco mais tarde, em 1918, estes artigos foram organizados e publicados sob o título "A Revolução Russa e a Imprensa". Este livreto cumpriu um papel importante no esclarecimento do movimento operário brasileiro.
Logo no seu primeiro artigo escreveu: "Jamais se viu na imprensa do Rio tão comovedora unanimidade de vistas e de palavras, como, neste instante, a respeito da revolução russa. Infelizmente, tão comovedora quanto deplorável, essa unanimidade, toda afinada pelas mesmíssimas cordas da ignorância, da mentira e da calúnia. Saudada quando rebentou (...) a revolução russa é hoje objeto das maldições da nossa imprensa, que nela só vê fantasmas de espionagem alemã, bicho perigoso de não sei quantos milhões de cabeças e garras. Provavelmente os nossos jornais desejariam que se constituísse, na Rússia, sobre as ruínas do Império, uma flamante democracia de bacharéis e de negociantes, (...) como esta nossa, presidida pela sabedoria inconfundível do Sr. Venceslau".
O anarquista Astrojildo Pereira defendeu o comunista Lênin das acusações que lhe eram feitas pela imprensa mundial. "Lênin, disse ele, é um velho socialista militante de mais de 20 anos, e como tal, ferozmente perseguido pela autocracia moscovita, mas sempre o mesmo homem de caráter indomável e intransigente (...) Como pode, pois entrar nos cascos de alguém que um homem destes, precisamente quando vê seus caros ideais em marcha, a concretizar-se, numa soberba floração de energia vital, vá vender-se a um governo estrangeiro? Lênin se quisesse vender-se algum dia, bastava esboçar o mais leve sinal e o governo de São Petersburgo rechear-lhe-ia os bolsos fartamente, vencendo pelo dinheiro o inimigo implacável (...) Os cascos do mais espesso jumento repelirão, por demasia, tais sandices".
Em outra carta afirmou ele: "Os maximalistas que formam uma fração dos socialistas russos são, por sua natureza, especificamente inimigos de todos os governos monárquicos e plutocráticos, da Rússia e de fora da Rússia, portanto inimigos naturais dos governos de Berlim e de Viena (...) Ora, se isso é verdade (...) como conceber que os maximalistas sejam agentes alemães, agindo por influxo do marco prussiano, traidores da pátria e outras coisas não menos feias?". Alguns meses depois, comprovando estas opiniões, os "maximalistas" alemães ajudariam a derrubar os impérios, prussiano e autro-húngaro.
Astrojildo conseguiu, apesar das poucas informações que dispunha, descrever com precisão o que ocorria na longínqua Rússia em julho de 1917: "Os dois núcleos orientadores do movimento, a Duma e o Comitê de Operários e Soldados, este surgido da própria revolução, logo tomaram posições antagônicas, terminado o primeiro golpe demolidor. A Duma vinda do antigo regime, pode dizer-se representa, em maioria, a burguesia moderada e democrática, ao passo que o Comitê de Operários e Soldados, composto de operários, representa o proletariado avançado, democrata, socialista e anarquista. A Duma deu o governo provisório e o primeiro ministério; o Comitê de Operários e Soldados derrubou o primeiro ministério, influiu poderosamente na formação do segundo e tem anulado quase por completo, senão de todo, a ação da Duma (...) A qual das duas forças está destinada a preponderância na reorganização da vida russa? O que se pode afirmar com certeza é que essa preponderância tem cabido, até agora, ao proletariado. E como o proletariado, cuja capacidade política já anulou o papel da Duma burguesa, está também com as armas na mão, não encontrando, pois, resistência séria aos seus desígnios, não muito longe da certeza andará que prever a sua contínua preponderância, até completa absorção de todos os ramos da vida nacional, extinguindo-se, de tal modo, num prazo mais ou menos largo, a divisão do povo russo em castas diversas e inimigas. E inútil é insistir na influência que tais acontecimentos exercerão no resto do mundo, na obra de reconstrução dos povos, cujos alicerces estão sendo abalados pelo fragor inaudito dos grandes canhões destruidores"
Neste trecho magistral, ele demonstrou uma grande capacidade de análise política – virtude que o conduziria a ser um dos principais responsáveis pela fundação do Partido Comunista do Brasil em março de 1922. Por esse motivo, o nome de Astrojildo Pereira estará sempre entrelaçado com o da Revolução Russa em nosso país.

Bibliografia

Bandeira, Moniz e outros – O Ano Vermelho, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1967. 
Buonicore, Augusto – "Astrojildo e a gênese do comunismo no Brasil", In Vermelho.
Ferro, Marc – O Ocidente diante da Revolução Soviética, ed. Brasiliense, SP, 1984
Koval, Boris – A grande revolução de outubro e a América Latina, Ed. Alfa-Omega, SP, 1980.
Oliveira, J. R. Guedes de – Viva, Astrojildo Pereira, Fundação Astrojildo Pereira/Abaré, 2005
Pereira, Astrojildo – A formação do PCB (1922/1928) – Ed Prelo, Lisboa, 1976.

Augusto Buonicore é historiador e mestre em ciência política pela Unicamp


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

** Lançamento do livro "O projeto do submarino nuclear brasileiro", de Fernanda das Graças Corrêa

 
Fonte: JC e-mail 4132, de 08 de Novembro de 2010. 
 


Lançamento do livro "O projeto do submarino nuclear brasileiro", de Fernanda das Graças Corrêa
Quinta-feira, 11 de novembro, no Clube Naval, Rio de Janeiro

Com o patrocínio da Eletrobras Eletronuclear, a professora Fernanda das Graças Corrêa lança o livro "O projeto do submarino nuclear brasileiro. Uma história de ciência, tecnologia e soberania" na próxima quinta-feira, 11 de novembro, entre 18h e 21h, no Clube Naval, Centro do Rio de Janeiro.   
Resgatando a parceria entre civis e militares, em instituições e laboratórios brasileiros durante e após a ditadura, a obra - publicada pela editora Capax Dei - apresenta, em 284 páginas, uma análise histórica da conjuntura nacional e internacional em torno da construção do submarino nuclear brasileiro, demonstrando as razões que motivaram os governos a apoiar ou não o projeto.

O plano, concebido estrategicamente durante o governo Geisel, na década de 70, remonta às décadas de 1930 e 1940, quando a ciência nuclear recebeu incentivo do governo Vargas e passou a ser associada ao desenvolvimento nacional e a promoção do status do país no sistema internacional, até os dias de hoje.

De acordo com a autora, "o livro torna-se importante no processo de trazer a Defesa Nacional para o debate com a sociedade, na medida em que ajuda esta a conhecer as vulnerabilidades do Estado e auxilia o Governo na formulação de uma política estratégica que atenda às reais necessidades da sociedade brasileira".

A publicação é baseada na dissertação de mestrado de Fernanda, apresentada à UFRJ em novembro do ano passado, como parte de um programa do Ministério da Defesa em parceria com o Ministério da Educação e Cultura e da Ciência e Tecnologia, o Pró-Defesa.



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** Editora FGV Convida - Lançamento dia 16/12 - RJ

 
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Atividade nos últimos dias:
    **Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO BRASIL e tão-somente  HISTÓRIA DO BRASIL.  Discussões sobre a situação atual: política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros fóruns mais apropriados para tais questões.


                                                                                                    Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
 
Visite o Blog do nosso Grupo:http://www.grupohistoriadobrasil.blogspot.com

** Livros sobre a formação do Brasil em narrativa dinâmica atraem leitores - Em livros de sucesso, historiadores e jornalistas travam guerra sobre o país

Livros sobre a formação do Brasil em narrativa dinâmica atraem leitores


Ana Clara Brant
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE Publicação: 28/10/2010


Foi-se o tempo em que para se fazer sucesso no mercado editorial brasileiro tinha que se escrever necessariamente sobre autoajuda, espiritismo ou algo de forte apelo popular. O mais novo filão descoberto pelos autores nacionais é história do Brasil. As publicações que tratam do assunto têm figurado constantemente no rol dos livros mais vendidos do país. 
 - (Fernando Lopes/CB/D.A Press)
Pelo menos cinco em cada 10 obras de não ficção comercializadas por aqui tratam de Cabral, Dom Pedro I, Carlota Joaquina, Princesa Isabel e outras figuras ilustres (ou não) de nossa história. Conhecer o passado para compreender o presente e planejar o futuro. Esse velho clichê serviu de mote para muitos escritores, boa parte deles jornalistas, como o paranaense Laurentino Gomes, autor do best-seller 1808, sobre a chegada da família real ao Brasil  (Editora Planeta), 600 livros vendidos.

 "Há uma busca por explicações para o Brasil de hoje. As pessoas estão olhando para o passado na tentativa de entender por que somos um país tão complicado de construir, de organizar, e de pactuar soluções rumo ao futuro. Ninguém estuda história só para ter informações sobre personagens e acontecimentos pitorescos do passado. O objetivo é outro: é entender as nossas raízes, de onde viemos, como é que chegamos até aqui e para onde vamos. Uma sociedade que não estuda história não consegue compreender a si própria", comenta Laurentino, que lança hoje à noite, em Brasília, a sua mais recente publicação, 1822 (Nova Fronteira), que trata do processo de independência brasileiro. 

Um dos precursores desse interesse pela história do país é o jornalista gaúcho Eduardo Bueno, autor de mais de 25 livros, sendo a grande maioria sobre esse tema. Ele sentia que havia uma demanda reprimida por livros de história do Brasil escritos em linguagem jornalística, ou seja, livros de divulgação desvinculados de "certas peias acadêmicas". Quando se aproximaram os 500 anos do Brasil, no ano 2000, percebeu que ali seria o seu gancho. "O crescente interesse pela história é um fenômeno mundial; não está restrito ao Brasil. E não se trata apenas da história propriamente dita, mas de diversos gêneros que dialogam com o passado, como biografias, textos memorialistas, romances de época. Pode soar contraditório, mas as pessoas parecem desejar cada vez mais a presença do passado. Elas não querem mais datas para decorar, nomes para lembrar. Querem sentir esse passado, encontrar os personagens, sentir o sabor e o cheiro dos tempos que já se foram, nem que seja para entender os tempos que virão — ou, quem sabe, para escapar deles", destaca Bueno.

Datas importantes
Alguns fatores foram determinantes para o crescente interesse por esse tipo de literatura, especialmente, os eventos históricos que se tornaram verdadeiras armas midiáticas nos últimos anos como os bicentenários da chegada da corte portuguesa e o da imprensa, em 2008. "Esses eventos receberam cadernos especiais em jornais, documentários na TV, exposições. E tudo isso estimula o interesse das pessoas em comprar livros sobre os temas. Pode-se dizer também que o contexto dos leitores, muitas vezes embebidos pela imprensa, os leva a comprar livros sobre este contexto. Por exemplo, durante a Copa, houve um significativo aumento de vendas de obras sobre futebol. Em 2008, com o bicentenário da chegada da corte no Brasil, aumentou as vendas de livros de história. Com o lançamento do filme Nosso lar, provavelmente houve um aumento de vendas de livros de caráter espiritualista. Isso me leva a crer que o crescimento dos índices de leitura tem uma ligação íntima com o consumismo impulsionado pelas mídias", acredita o historiador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e blogueiro, André Raboni.

Já o professor de história contemporânea da Universidade de Brasília (UnB) Estevão Martins lembra que datas comemorativas recentes como os 100 anos da abolição da escravatura, em 1988, e os da proclamação da república, em 1989, não tiveram o mesmo espaço que episódios como o bicentenário da chegada da família real, devido ao momento em que o país vivia, e, por isso, não tiveram tanto espaço na mídia e nas livrarias. "Vivíamos uma época complicada no final dos anos 80. Em 1988, estávamos no meio da elaboração da nova constituição. Em 1989, o Brasil realizava sua primeira eleição pós-ditadura. Não tiveram o mesmo impacto como agora, em 2008, com a comemoração da chegada da corte", diz.

Compreensão
A linguagem mais acessível e direta utilizada pelos profissionais de imprensa tem sido apontada como um dos principais motivos pelo aumento da leitura desse tipo de obra. "Acho que esse é o grande desafio do jornalista: atingir um público mais amplo sem banalizar o conteúdo. Como tornar o relevante atraente? O que faço nos meus livros é aplicar o que aprendi nos meus 30 anos como repórter e editor de jornal e revista. E ser muito acessível na linguagem, facilita a vida do leitor em favor de uma compreensão maior", ressalta o jornalista Laurentino Gomes. 

Já o historiador André Raboni afirma que a facilitação da linguagem não pode ser mais importante do que o conhecimento sobre determinados acontecimentos históricos, apesar de reconhecer que jornalistas convivem com uma prática mais cotidiana de escrita que pode ajudar bastante. "São treinados e se deixam treinar para realizarem uma escrita que busca o entendimento do maior número de pessoas. Isso pode ser bom, porque muita gente reclama da linguagem dos historiadores. Mas, muitas vezes, pode ocorrer de o barato sair caro. Como dizia o dramaturgo e jornalista sem  diploma Nelson Rodrigues: 'Não se pode deixar uma pequena verdade estragar uma grande estória.' Quem faz história academicamente, não faz ficção, não faz estória. Por isso, não há nos historiadores a preocupação acerca da linguagem acessível que há nos jornalistas. Mas acho interessante que historiadores comecem a se preocupar com isso", reconhece.

Em livros de sucesso, historiadores e jornalistas travam guerra sobre o país
    Em meio ao sucesso das obras sobre o país, há uma guerra surda, mas quem sai ganhando é o leitor


Ana Clara Brant
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE Publicação: 28/10/2010 08:00
Laurentino:
Laurentino: "Meu trabalho é jornalístico, porém, a consistência da investigação é quase acadêmica"
Desde que os livros de história do Brasil, principalmente os elaborados por jornalistas, começaram a bombar, críticas do meio acadêmico vieram à tona. Alguns historiadores são contrários ao fato de profissionais de imprensa não terem uma formação adequada para ingressar nesse nicho historiográfico. 

"Penso que qualquer pessoa pode escrever livros de história, mas se esse livro será de boa qualidade, aí é outra história. No geral, parte da comunidade acadêmica é bastante resistente a isso. Compreende-se essa resistência porque pesquisadores passam anos fazendo seus trabalhos com grande cuidado e rigor científico, levantando documentos em arquivos, lendo livros em bibliotecas, escrevendo artigos, teses e livros. De repente, ele vê um livro de história repleto de informações equivocadas enchendo os bolsos de jornalistas best-sellers", defende o historiador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) André Raboni.

» Leia capítulo de 1822 (em PDF)


Para Laurentino Gomes, o jornalista não pode ser um franco atirador e precisa, antes de tudo, de orientação adequada quando for tratar de um assunto. Mas isso não o impede de realizar um bom trabalho, mesmo não tenho o diploma de um historiador. "No caso do 1822, por exemplo, tenho a orientação de um dos maiores intelectuais e historiadores brasileiros que é o embaixador Alberto da Costa e Silva. O meu trabalho é jornalístico, porém, a consistência da investigação é quase acadêmica. O jornalista pode, tem o direto e a prerrogativa da profissão de se envolver com qualquer assunto, ainda mais se for de interesse público. Mas ele precisa de orientação e fontes adequadas para dar consistência ao trabalho de apuração", enfatiza. Laurentino agora prepara seu próximo livro, que é 1889, sobre a proclamação da República.

Há casos de historiadores que concordam com Laurentino e não veem problemas no fato de jornalistas se enveredarem por esse caminho. Para a doutora em história social pela Universidade de São Paulo (USP) Mary Del Priore, autora, ao lado do escritor Renato Venâncio, de um dos livros mais vendidos no país atualmente, Uma breve história do Brasil (Editora Planeta), existe uma interação e um diálogo amistoso, no qual uns aprendem com os outros e que, inclusive, já prefaciou obras de muitos escritores/jornalistas.

1822, de Laurentino Gomes, hoje, às 19h30, na Saraiva MegaStore do Shopping Pátio Brasil. Editora Nova Fronteira. Número de páginas: 352. Preço médio: R$ 44,90. - (Nova Fronteira/Reprodução)
1822, de Laurentino Gomes, hoje, às 19h30, na Saraiva MegaStore do Shopping Pátio Brasil. Editora Nova Fronteira. Número de páginas: 352. Preço médio: R$ 44,90.
Narrativa
 "Vários jornalistas vêm contribuindo para o entendimento da sociedade brasileira contemporânea. Nós, historiadores, também temos muito o que aprender com os jornalistas. A narrativa que eles produzem é mais ágil e mais fácil de ler do que a nossa. Quanto mais gente escrevendo e lendo sobre história, melhor. O importante é que haja história para todos: quem quiser trabalhos mais musculosos, leia ensaios ou teses universitárias. Quem quiser se distrair, aprendendo sobre o nosso passado, não faltam manuais. E as biografias são deliciosas leituras que ajudam na compreensão fácil de épocas inteiras de nossa história", opina. 

O professor de história contemporânea da UnB Estevão Martins revela que um complementa o trabalho do outro, e esse tipo de discussão acaba sendo desnecessária. "Não significa que um jornalista se transformou em historiador. Ele está escrevendo um romance, um livro-reportagem. E ninguém está livre de cometer erros, independente do ofício que exerça. Às vezes, uma tese muito bem feita não consegue atingir o público que um livro como esse consegue. Não tira o mérito nem de um e nem de outro. Na minha opinião, somos aliados e não precisamos ficar com ciúmes besta. Todos ganham com isso", expressa.

TRECHO DO LIVRO 1822
"O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de Sete de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida. Acredita-se que tenha sido algum alimento mal conservado ingerido no dia anterior em Santos, no litoral paulista, ou a água contaminada das bicas e chafarizes que abasteciam as tropas de mula na Serra do Mar. Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro Barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares, D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para 'prover-se' no denso matagal que cobria as margens da estrada."

Entrevista com Eduardo Bueno, escritor, tradutor, jornalista e editor. Escreveu mais de 20 livros, a maioria deles sobre História do Brasil.

1 - Você percebe que há um interesse maior por parte do leitor, que antes não tinha pelo assunto? Por que esse grande interesse?

O crescente interesse pela história é um fenômeno mundial, de maneira nenhuma restrito ao Brasil. E não se trata apenas da história propriamente dita, mas de diversos gêneros que dialogam com o passado, como biografias, textos memorialistas, relatos de viagem, romances de época, etc. Pode soar contraditório, mas as pessoas parecem desejar cada vez mais a presença do passado. Não, elas não querem mais datas para decorar, nomes para lembrar. Querem sentir esse passado, vislumbrar as paisagens, encontrar os personagens, sentir o sabor e o cheiro dos tempos que já se foram, nem que seja para entender os tempos que virão - ou, quem sabe, para escapar deles... Aliado a isso tudo, existe uma indústria editorial cada vez mais dinâmica e atenta aos desejos dos leitores. Criam-se áreas específicas de mercado e, no Brasil, com certeza estamos vivendo a expansão do nicho historiográfico. 

2 - Você acredita que tenha uma grande participação nesse contexto? Que seja o principal responsável por essa "popularização"?

Comecei a perceber que existia uma espécie de "demanda reprimida" por textos desse estilo desde os tempos em que atuei como editor, no início dos anos 80. Lancei, justamente, cartas e relatos de viagens do século XVI (Diários de Colombo, Cabeza de Vaca, Cortez, Pero Vaz de Caminha, Bartolomeu de las Casas e até Marco Pólo, pela editora L&PM). Foi um sucesso imediato e, para época, bastante inusitado, não apenas pelo tema, mas, principalmente, por serem textos de domínio público que, ainda assim, chegaram às listas de mais vendidos. As biografias históricas de Fernando Moraes já faziam sucesso, as de Jorge Caldeira também; o último inclusive viria a lançar uma História do Brasil em CD-ROM, algo bastante avançado para a época. Mas essas publicações não pareciam ser suficientes para suprir a procura. Com a proximidade das comemorações dos 500 anos do Brasil, percebi que era chegada a hora de escrever livros sobre história - e achei que era o momento certo para investir no chamado período "colonial" do Brasil, que me parecia aprisionado dentro da sala de aula. E, sim, acho que se pode dizer que foi o estrondoso sucesso da coleção Terra Brasilis - com mais de seiscentos mil exemplares vendidos - a gênese do surto editorial que hoje presenciamos. Não apenas a coleção mas também "Brasil: uma história", o livro que agora relanço, me parecem terem sido os óbvios protagonistas desse processo. E eles não apenas abriram espaço para novos títulos, como, também, ocasionaram o surgimento de revistas especializadas em história. 

3 - Sempre gostou de história do Brasil? Mesmo quando era estudante, na escola?

O colégio foi uma experiência traumática, quase devastadora para mim. Sentia um tédio avassalador. E lamento informar que, de certo modo, isso se repete com minhas três filhas, que não tem a paciência para a escola, embora tenha certeza de que estejam bem encaminhadas na vida. Apesar disso tudo, sempre achei que ia escrever sobre história – só não imaginava que seria a do Brasil e muito menos que fosse fazer tanto sucesso.

4 - Por que decidiu investir nesse nicho?

Por dois motivos. Primeiro, porque história era um assunto de que eu gostava, especialmente depois de ler, aos 15 anos de idade, Enterrem meu Coração na Curva do Rio,de Dee Brown, um livro maravilhoso que conta a história trágica dos indígenas norte-americanos e que me deu a nítida percepção de que os primórdios do Brasil deveriam ter sido bem mais dinâmicos, movimentados e sangrentos do que faziam supor aquelas aulas insuportáveis. Segundo, como já expliquei, pela minha experiência no mercado editorial, sentia que havia uma demanda reprimida por livros de história no país, escritos em linguagem jornalística. Ou seja, livros de divulgação, desvinculados de certas peias acadêmicas. Quando se aproximaram os 500 anos do Brasil, percebi que aquele seria o meu gancho.

5 - O que acha de alguns historiadores que criticam o fato de jornalistas escreverem sobre história?

Acho que cada vez mais essa vem se tornando uma discussão desnecessária e tola. No caso particular dos meus livros, coincidentemente ou não, aqueles que perceberam de imediato o significado e o propósito do meu trabalho, foram justamente os historiadores que sempre admirei e cuja opinião me interessava. Eles instantaneamente identificaram a óbvia diferença entre uma obra de divulgação – que é o que eu faço – e uma investigação historiográfica – que é o que possibilita o meu trabalho. Desde o início, creio ter obtido a compreensão e o respeito de profissionais renomados, todos eles grandes investigadores historiográficos, entre os quais posso citar Nicolau Sevcenko, Max Justo Guedes, Joaquim Romero Magalhães, Lilia Schwarcz e, é claro, a minha querida amiga Mary Del Priore. Mas o fato é que, a seguir, para minha surpresa e enorme orgulho, acabei recebendo elogios também de Eric Hobsbawm e Kenneth Maxwell. Acho que está de bom tamanho, não? Creio que isso enfraquece - virtualmente pulveriza - a opinião retrógrada de alguns historiadores de menor tirocínio que continuam achando que jornalistas não devem, não sabem ou não "podem" escrever sobre história.

6 - Já teve algum problema sério nesse sentido? Alguém criticar sobre algum dado histórico errado ou algo do gênero?

Que eu me lembre, não. Com certeza cometi alguns deslizes, mas julgo que foram todos menores, aliás típicos de jornalista, acho eu. A edição original de A Viagem do Descobrimento, por exemplo, teve 23 erros, depois corrigidos; e 21 deles foram de conversão de pesos e medidas – de léguas para quilômetros, de quintais para quilos, etc. Acontece que fiz todos os cálculos de cabeça e, gênio da matemática como sempre fui, errei todos... De qualquer modo, todos meus primeiros livros tiveram historiadores como consultores técnicos, Ronaldo Vainfas na coleção Terra Brasilis e Mary del Priori em "Brasil:uma história". Sou grato a ambos, mas atualmente acredito que não preciso mais de consultoria alguma.

7 - O que os livros feitos pelos jornalistas diferem das obras dos historiadores? Acredita que é uma forma leve e divertida de aprender sobre a história do Brasil?

Como já falei, o que os jornalistas produzem, em geral, são obras de divulgação. Não se tratam de investigações historiográficas originais. Salvo exceções, não fazem pesquisa de arquivo – não vão às "fontes primárias", no jargão dos historiadores. Meu trabalho, em especial, sempre foi pautado pelas ferramentas que a minha profissão original proporciona: escrevo livros com um trato jornalístico no texto e um olhar de editor no produto final. E essa é uma tarefa do jornalista: como comunicador, tornar um tipo de produção em geral inacessível ao grande público em algo mais palpável. Nesse sentido, dotar o texto histórico de uma narrativa mais fluída – inclusive com a aplicação de técnicas literárias a um texto de não-ficção – é, por que não, uma maneira mais leve e divertida de se ler sobre História do Brasil (sem o compromisso chato de estudá-la ou aprender com ela). Afinal, o passado não precisa ser um fardo, ele também pode ser entretenimento, diversão. Acho que essa é uma forma muito mais libertária de encarar a questão - embora certeza não seja, e muito menos deva ser, a única.

8 - E você pretende continuar nesse caminho? Escrever mais sobre a historia do Brasil?

Sim. Na verdade, tenho inúmeros projetos, tantos que chega a ser difícil saber qual deles sairá primeiro. Estou terminando um livro sobre a história da Caixa Econômica Federal. Em 2001, o presidente Fernando Henrique Cardoso solicitou que eu escrevesse sobre os 140 anos daquela instituição. O atual governo encomendou outra edição atualizada, para os 150 anos, que estou finalizando agora. Mas é claro que, além de vários projetos de encomenda e livros institucionais que tenho feito, tenho planos de continuar escrevendo livros para o mercado. Pretendo retomar a Coleção Terra Brasilis, cujo próximo volume deverá tratar mesmo do episódio que ficou conhecido como "França Antártica", quando os franceses tentaram colonizar o Rio de Janeiro, entre 1555 a 1567. Creio que em 2011 ele haverá de estar nas livrarias. Mas, muito possivelmente, não pela mesma editora que publicou os primeiros quatro volumes da série.

9 - Quantos livros exatamente sobre esse tema você já escreveu?

Escrevi mais de 25 livros, a maioria sobre História do Brasil, embora cerca de 15 deles tenham sido obras institucionais ou de encomenda que não chegaram às livrarias. Por exemplo, escrevi, a convite da CNI, uma história da indústria no Brasil, chamada Produto Nacional; na sequência, também em parceira com minha mulher, a poeta Paula Taitelbaum, fizemos a história da indústria no Rio Grande do Sul, sob o título Indústria de Ponta. Para a Caixa federal, além da história da instituição, escrevi a história da avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro, e para a Embratel, a história da avenida Presidente Vargas. Fiz, por encomenda da Anvisa, uma história da propaganda de medicamentos no Brasil, chamada Vendendo Saúde e, para a mesma instituição, escrevi a história da vigilância sanitária, chamado À sua saúde. Além disso, já editei mais de três dezenas de volumes ligados à história. Mas claro que o ponto alto de minha carreira são os três livros que escrevi sobre a história de meu glorioso time, o Grêmio. Com certeza, são minhas obras mais sérias, equilibradas, ponderadas e profundas, cuja frase de abertura de uma delas já diz tudo: "Futebol-arte é coisa de veado". ... 

Entrevista Laurentino Gomes, jornalista e autor dos livros 1808 e 1822

1 – Há um interesse maior pelos livros de história?

O interesse mudou totalmente. História virou um tema popular no Brasil, e isso se reflete na lista dos livros mais vendidos. Isso tem a ver não só com uma mudança no mercado editorial, com livros em uma linguagem mais acessível para um leitor não especializado, geralmente escritos por jornalistas, mas também há uma busca por explicações para um Brasil de hoje.

As pessoas estão olhando para o passado, pra entender porque o Brasil é um país tão complicado de construir, de organizar, e de pactuar soluções rumo ao futuro.

Há um uso instrumental da historia. E acho que é um uso correto. A história serve pra isso mesmo. Ninguém estuda história só pra ter informações sobre personagens e acontecimentos pitorescos do passado. O objetivo é outro. É entender as nossas raízes, de onde viemos, como é que chegamos até aqui e pra onde nos vamos. E preparar as pessoas pra construir o futuro. Uma sociedade que não estuda história não consegue compreender a si própria. Acho que essa é a grande transformação. Mas isso é produto de uma grande novidade na história do Brasil que é um exercício continuado de democracia, são 25 anos de democracia. E acho que a gente alimentou algumas ilusões a respeito do Brasil recentemente, de que era muito fácil resolver tudo. E acredito que as pessoas estão meio que chocadas com a persistência da corrupção, da desigualdade social, da criminalidade, da ineficiência do serviço público. E ficam se perguntando: por que somos assim? E aí a história ajuda a responder esse tipo de questão.

2 - Você acredita que ajudou a popularizar esse tipo de leitura?

Acho que sim. Isso é um motivo de muito orgulho. É uma contribuição. Tenho percorrido o Brasil, dando aulas, palestras, bate papo com leitores, participando de feiras literária. Tenho ouvido com muita frequência: eu não gostava de história e passei a gostar por sua causa.

Ou às vezes, até crianças e adolescentes dizendo que por minha causa decidiram virar historiadores, ou jornalistas. Então acho que aí baixa um senso de missão muito forte porque o livro transforma a vida de uma pessoa.

E acho que não e verdade que o brasileiro não gosta de ler por natureza. E especialmente que ele não gosta da história. Mas ele quer uma leitura acessível, que ele consiga compreender, que não seja banal, que não fique apenas no caricato, no pitoresco. Acho que esse é o grande desafio do jornalista: atingir um público mais amplo sem banalizar o conteúdo. Esse é o desafio do jornalista em qualquer área. Como você tornar o relevante em atraente, como transformar uma matéria sobre reforma tributária, medicina, história do Brasil em algo sedutor para um público mais leigo.

Acho que o jornalista bem sucedido consegue enfrentar esse desafiou e vencê-lo. Então o que eu faço nos meus livros e aplicar o que eu aprendi nos meus 30 anos como repórter e editor de jornal e revista. E ser muito acessível na linguagem, facilitar a vida do leitor em favor de uma compreensão. Resumindo: a minha contribuição para a historia do Brasil é de linguagem. Não faço pesquisa acadêmica em fontes primarias; o que faço é usar uma linguagem acessível para ampliar o conhecimento nessa área de história do Brasil.

3 - Você sempre gostou de história?

Desde criança gostava muito de ciências sociais e humanas do que exatas. Minhas notas sempre foram melhores em português, história, geografia do que física, matemática. E esse interesse me levou para o jornalismo. Trabalhei na Veja, Abril, Estadão; mas eu diria que não existe muita diferença entre o trabalho de jornalista e do historiador. A diferença esta na profundidade e na dimensão do tempo.

O jornalista escreve história a sangue quente todos os dias, quando cobre uma eleição, um buraco de rua, um acidente, jogo de futebol. O jornalista está testemunhando e narrando a história acontecendo diante dos seus olhos. O historiador tem uma perspectiva de mais de longo prazo. Muitas vezes, o próprio jornal, a revista se tornam história no futuro. Hoje, estudar as páginas da Gazeta do Rio de Janeiro, o Correio Braziliense do Hipolito José da Costa, é um documento precioso para os historiadores. Esses jornalistas estavam fazendo história quando ela estava acontecendo há 200 anos atrás. Os dois usam uma ferramenta básica e fundamental que é a reportagem. De investigar e de tentar chegar o mais próximo da verdade dos acontecimentos. Embora essa verdade absoluta seja inatingível, por uma questão até filosófica, mas a reportagem, e a investigação nas fontes permitem a gente chegar o mais próximo possível. Então nesse sentido, o trabalho do jornalista e do historiador é muito parecido.

4 - Chegou a receber críticas pelo fato de não ter a formação de historiador?

Não, felizmente não. Nunca recebi. No começo, às vezes apareciam alguns blogs. Mas muito pelo contrário, e é uma coisa que me deixa muito feliz, é que nunca nenhum historiador me fez uma crítica estrutural, tipo essa informação está errada, não é exatamente assim. Ao contrário; recebi resenhas muito favoráveis de historiadores que respeito muito como a Mary Del Priore, o Jean Marcel França da Unesp, Tome Elias Saliba, da USP

Uma coisa importante: jornalista não pode ser um franco atirador. Ele precisa de orientação adequada quando vai tratar de um assunto. Por isso que a gente recorre às fontes, faz as entrevistas. E no meu caso, do 1822, eu tenho a orientação de um dos maiores intelectuais e historiadores brasileiros que é o embaixador Alberto da Costa e Silva. O meu trabalho é jornalístico, mas a consistência da investigação é quase acadêmica. O Alberto viu o projeto do livro, analisou a bibliografia, depois leu, anotou e comentou cada um dos capítulos. E isso foi fundamental pra consistência do livro.

O jornalista pode, tem o direto e a prerrogativa da profissão de se envolver com qualquer assunto, ainda mais se for de interesse público. Mas ele precisa de orientação, fontes adequadas para dar consistência ao trabalho de apuração.

5 - Como surgiu a vontade de escrever sobre história do Brasil?

Um foi puxando o outro. O1808 surgiu por esses bons acasos da vida. Eu era editor da Veja e a revista tinha a intenção de fazer uma série especial sobre a historia do Brasil e eu fiquei encarregado da equipe que ia investigar a presença da corte do Dom João VI no Rio de Janeiro.

Aí o projeto foi cancelado. Fiquei chateado num primeiro momento e segui em frente por minha própria conta. Fazer um livro-reportagem ao invés de uma reportagem sobre o assunto. E aí aconteceu uma grande surpresa: o livro virou um best seller. Nunca imaginei que pudesse acontecer. Sempre dizem que pra fazer sucesso no Brasil nesse ramo, você tinha que escrever sobre esoterismo, auto-ajuda ou literatura barata. História do Brasil nem pensar. E de repente o livro vendeu mais de 600 mil exemplares no Brasil e em Portugal, ganhou um monte de prêmios e então eu animei. Primeiro porque iria sair da minha rotina nas redações, eu saí da Editora Abril em maio de 2008 e passei a me dedicar aos livros. A consequência obvia do 1808 era escrever o 1822. Porque é quase impossível se entender a independência do Brasil, sem estudar o que aconteceu antes, essa grande transformação da colônia portuguesa em função da presença da Corte de Dom João VI nos trópicos. Então isso me levou ao1822.

E já me levou ao meu terceiro livro que estou pesquisando agora que é a terceira data-ícone do século XIX na construção do Brasil, que é 1889, ano da proclamação da República. É o livro que eu espero lançar daqui a três.

6 - Essa linguagem mais leve e direta é um dos ingrediente desse sucesso?

Esse é o desafio do jornalista: oferecer técnicas que se aprendem ao longo do exercício da profissão. Você usar muitas histórias humanas, misturar dados pitorescos, engraçados com uma análise mais profunda, ter uma linguagem provocativa na capa. Por exemplo, no 1808 foi 'Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história do Brasil'.

É uma linguagem que provoca a atenção do leitor. Eu acho que o jornalista tem essa técnica. Quando a gente faz uma manchete do jornal, uma capa de revista, estamos o tempo todo tentando disputar a atenção do leitor.

Então são técnicas de comunicação que eu estou aplicando à área de História do Brasil. E isso é uma grande novidade. Que antes, os livros acadêmicos tinham uma linguagem excessivamente técnica, repleta de jargões próprios da academia e usavam nas capas linguagem muito neutra. O conteúdo muitas vezes é muito bom, muito profundo, mas não consegue chamar a atenção de um público mais amplo. E eu acho que aí é uma virtude do jornalista. Sempre conseguir uma audiência maior para determinados assuntos. O jornalista serve como um divulgador da ciência em geral. Por isso acredito que não há uma competição entre jornalista e historiadores. Nós nos complementamos.

O jornalista tem uma coisa que geralmente o historiador não tem. O uso de linguagem didática, acessível para um publico mais amplo, a gente tem um acesso a uma audiência maior.

Então essas duas coisas se complementam. O jornalista pode ser um ótimo divulgador dos historiadores. É o que eu tenho procurado fazer.

Não banalizo o trabalho deles e não misturo ficção com não ficção. Não procuro preencher lacunas por conhecimento histórico com romance, literatura.

Tudo que eu faço é não ficção. De maneira que isso confere uma grande legitimidade ao meu trabalho. Aliás, esse trabalho de divulgação cientifica é relativamente novo no Brasil.

Eu estou fazendo na área de história do Brasil, o que o Dr. Dráuzio Varella faz em medicina, o Marcelo Gleiser em astronomia. Eu acho que é um campo maravilhoso. Torço para que em outras áreas de conhecimento, alguma hora chegue um divulgador na área de matemática, física, biologia, porque isso vai facilitar a vida dos nosso professores, estudantes que tem que ensinar essas coisas hoje de uma forma muito técnica, muito árida.

Imagina uma criança tendo que aprender história do Brasil só decorando data, nome, números, sem entender exatamente o que se passou. Então acho que esses livros ajudam a chamar a atenção para que essas disciplinas sejam estudadas com prazer. Isso é o grande desafio na educação do Brasil. Como associar o ensino ao prazer, de aprender, de ler. Acho que a divulgação cientifica segue nesse caminho.

7 - Houve surpresas na sua pesquisa do 1822?

História é sempre alvo de manipulação, de construção posterior em cima dos fatos verdadeiros. Por exemplo, o quadro do Pedro Américo, sobre o Grito do Ipiranga. Nada do que esta ali é verdadeiro. O Dom Pedro não estava vestido como príncipe, estava vestido como tropeiro. Não estava em um cavalo alazão, estava em cima de uma mula de carga que era o jeito correto de subir a serra do mar. Os dragões da independência ainda nem existiam. Eram tropeiros, fazendeiros, sertanejos do Vale do Paraíba e o Dom Pedro estava com dor de barriga na hora do grito do Ipiranga. Tinha comido uma coisa estragada em Santos. O que não torna essa cena da independência menos importante do que ela é. Mais ela é mais brasileira, mais simples, mais bucólica e mais próxima do verdadeiro. Não é aquele quadro épico do Pedro Américo. Isso me chamou a atenção. Mas por que ele fez aquilo? É um quadro que o Dom Pedro II encomenda para celebrar um feito da monarquia. Então, o quadro não se propõe a ser uma foto jornalística. Ele é uma alegoria, uma celebração e por isso usa elementos épicos.

Outro aspecto que me chamou a atenção foi de que existe um mito de que a independência do Brasil foi um processo pacífico. Que foi resultado de uma negociação entre Dom João e Dom Pedro. Não é verdade isso. Morreu muita gente durante a guerra da independência, que durou 1 ano e meio. A minha estimativa é de que morreram, pelo menos, 5 mil pessoas. O que é bastante gente. Mas por que passa essa imagem de que foi pacífica? Porque o imperador Pedro I, que assumiu a coroa, é um integrador, um agente de pacificação, de tentar organizar esse território vasto, diverso, muito complexo, de muitos escravos e muitas diversidade étnicas e culturais. Então esse agente pacificador passa essa imagem de que o processo foi pacífico. Quando na verdade não foi. Essas coisas me surpreenderam bastante.

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