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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Resenha - "Memórias de Uma Guerra Suja" (Blog Ouro de Tolo)

O leitor do Ouro de Tolo ficou longo tempo sem as resenhas literárias, mas esta semana teremos duas. O alvo de hoje é o impressionante "Memórias de Uma Guerra Suja", com o depoimento do ex-delegado do DOPS (Departamento de ordem Política e Social) Cláudio Guerra a Rogério Medeiros e Marcelo Netto.
Sobre os jornalistas: Medeiros é um dos autores do excelente "Onde na Corrupção veste Toga", sobre a corrupção no Judiciário do Espírito Santo, já resenhado neste Ouro de Tolo.
Marcelo Netto, ao que parece, é uma espécie de militante de esquerda "arrependido". Em sua introdução ao livro escreve entre outras barbaridades que "foi bom o Exército ter ganho aquela guerra" e pede desculpas pelas denúncias envolvendo a Folha de São Paulo e a Globo no livro. Sinceramente, dispensável.
O livro em si é o relato das memórias do delegado (na foto) aos jornalistas, contando sua atuação na eliminação de inimigos do Regime Militar. Após se tornar pastor evangélico ele resolveu contar suas memórias e tudo o que ha via feito.
Guerra atuou como matador do regime, eliminando e ocultando corpos de adversários da ditadura. Depois foi um dos envolvidos nos atentados tramados pela extrema direita a fim de jogar a culpa nos adversários da ditadura e retardar o processo de abertura política - entre eles, o famoso caso do atentado mal sucedido no Riocentro, em 1981.
O delegado mostra com detalhes como alguns até hoje desaparecidos políticos pereceram e tiveram seus corpos desovados. Segundo Guerra a usina de açúcar Cambahyba, em Campos, teve seu forno utilizado para queimar pelo menos dez corpos de adversários do regime, cujos nomes são citados no livro.
O delegado também revela que há um segundo cemitério clandestino em Petrópolis, perto de uma casa onde funcionou um centro de tortura. Ele esclarece as circunstâncias da morte de diversos desaparecidos políticos no exemplar.
O leitor deve estar se perguntando como o nome do delegado jamais apareceu nas listas de torturadores da ditadura. Isto se explica por duas formas: primeiro pelo fato de sua função ser a de matar na engrenagem, e segundo por sua discrição.
As revelações sobre o destino dos desaparecidos políticos são extremamente importantes e ele a meu ver deveria ser um dos primeiros a depor na recém-instituída Comissão da Verdade, mas a meu ver muito mais importantes são as revelações sobre alguns episódios bastante nebulosos do período da redemocratização brasileira.
São descritos com riqueza de detalhes episódios como o do Riocentro, com a preparação do atentado, dos detalhes - inclusive que não haveria socorro às vítimas - e até porque uma das bombas explodiu no colo do militar: o carro parou embaixo de um cabo de alta tensão e acabou "fechando o circuito". Seriam três bombas, com muitas vítimas.
Guerra também esclarece a morte do delegado Sérgio Fleury, um dos maiores carniceiros da ditadura e que faleceu em 1979 em um acidente no mar bastante suspeito. Guerra conta que sua morte foi decidida em uma reunião realizada em restaurante paulista e que se deveu a ele estar querendo ganhar muito dinheiro sozinho, além de ser um "arquivo vivo" da ditadura. Ressalto que o atestado de óbito de Fleury foi assinado pelo médico de triste memória Henry Shibata, useiro e vezeiro em laudos forjados de vítimas da ditadura.
Outro ponto interessante do livro é como vários integrantes da comunidade de informações, notórios torturadores, se envolveram com o jogo do bicho carioca. Os responsáveis pela repressão, em especial do SNI, direcionaram integrantes da comunidade de informações para o bicho como uma espécie de compensação após a redemocratização.
Castor de Andrade tinha uma carteira do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e além do Capitão Guimarães, pelo menos dois presidentes de escolas cariocas são egressos deste momento. Um deles, inclusive, usa como apelido o seu codinome de torturador.
Também são revelações do livro atentados frustrados aos políticos Leonel Brizola e Fernando Gabeira, algo sobre o qual não se sabia. E elucida-se o assassinato de Alexandre Von Baumgarten, caso de grande repercussão em 1982.
Guerra conta sobre reuniões no restaurante "Angu do Gomes", no Rio de Janeiro, onde se reuniam não somente torturadores e matadores como os membros da "Scuderie Le Cocq", grupo de extermínio formado por policiais e que existia em diversos estados. Destas reuniões no restaurante, onde se planejavam ações, participavam atores como Jece Valadão e figuras proeminentes como José Oliveira de Bonifácio Sobrinho, o Boni.
Revela-se que o atentado a bomba na casa do dono da Globo Roberto Marinho, na verdade, foi forjado pelo próprio empresário a fim de diminuir a pressão sobre ele por parte de outros órgãos - ele era visto como "pró-ditadura". O delegado dá detalhes da ação e mostra que foi feito para não machucar ninguém. E a Folha de São Paulo prestou apoio logístico à tortura durante o Regime Militar.
Confirma-se também que os panfletos do PT encontrados no cativeiro do empresário Abílio Diniz foram plantados pelo mesmo pessoal, a fim de prejudicar a candidatura de Lula a Presidente em 1989 - o episódio foi às vésperas do segundo turno.
Não esgoto aqui as revelações do livro, mas sem dúvida alguma é um grande avanço na elucidação de vários episódios nebulosos de nossa ditadura. Questionou-se a veracidade do depoimento, mas os dados são bastante consistentes.
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FABRÍCIO AUGUSTO SOUZA GOMES
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