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quarta-feira, 11 de abril de 2012

** ‘Os golpistas não conheceram o apolitismo’, afirma historiadora francesa

'Os golpistas não conheceram o apolitismo', afirma historiadora francesa

 
Sua análise se opõe à historiografia dominante, que se concentra no papel da elite hierárquica na ditadura militar. Por que os oficiais de patente mais baixa não costumam ser tratados como atores políticos?

MAUD CHIRIO: De um lado, é pelo discurso da própria instituição militar, segundo o qual militares não fazem política. Esse discurso foi integrado na memória coletiva. Até porque há de fato um movimento histórico, no século XX, de despolitização dos escalões subalternos nas Forças Armadas brasileiras. O golpe e a ditadura não foram um tenentismo, mas um movimento de generais que tinham autoridade hierárquica sobre os mais novos. Isso criou uma imagem geral de que o regime militar era o ponto final desse processo de desmobilização. Além disso, as fontes relativas aos oficiais de baixa patente são muito menos acessíveis.
Em que medida esses oficiais, alguns até mais à direita dos generais, tiveram peso nas decisões políticas da ditadura militar no Brasil? Você poderia dar alguns exemplos? 
Os oficiais intermediários, que apoiaram o golpe, pensavam que o sucesso era deles e reivindicavam participação no poder. Eles são o que chamo de primeira linha dura, com o discurso de que a revolução era um processo radical e coletivo. Eles pressionaram muito o Castelo Branco, que adotou o AI-2 para reforçar o próprio poder, mas também porque era a medida desejada pelos coronéis de linha dura desde o golpe. Quando Costa e Silva chegou ao poder em 1967, eles pensavam que essa era a vez deles. Mas Costa e Silva tinha um imaginário dos generais, não queria a participação dos coronéis, e eles foram reprimidos, mandados para quartéis na Amazônia e no Sul, perderam tropas e peso político. Instaurou-se de maneira muito conflituosa um regime de generais, que se radicalizou com o AI-5. Durante os anos de chumbo, outros oficiais intermediários foram integrados ao aparelho repressivo. Foi uma segunda linha dura, com outra lógica política. Estes oficiais tentaram impedir a abertura, colocando bombas e escrevendo panfletos. Só que também não tiveram sucesso.
Mas por certo tempo eles tiveram o apoio da elite militar...
Com certeza, não eram os generais de um lado e os jovens oficiais do outro, não havia esse maniqueísmo. O Ministro do Exército na época, Silvio Frota, estava totalmente de acordo com o pensamento desses oficiais mais novos, que receberam muito apoio nos anos 1970, quando houve pouca vontade de descobrir quem cometia os atentados. Estes oficiais continuaram na carreira militar no momento da redemocratização, chegaram a postos altos, o que não foi o caso da primeira linha dura. Agora estão na reserva, escrevendo manifestos no Clube Militar.
Como você vê essa atuação política hoje?
Não é uma surpresa, fiz entrevistas com alguns oficiais da reserva. Sua oposição à Comissão da Verdade era de se esperar. O problemático é que não se sabe qual é o estado de espírito dos militares da ativa, que não podem falar.
Foi difícil conseguir entrevistas com os oficiais?
Entrevistei poucos oficiais da segunda linha dura. Já os oficiais mais ativos no início do regime militar, que em geral não participaram do aparelho repressivo, não têm medo de ser responsabilizados, por isso não têm muita dificuldade em falar. Até porque um subgrupo dessa primeira linha dura se sentiu tão traído que acabou apoiando a candidatura de um general do MDB em 1968, entrando para a oposição nos anos 70. Isso é um pouco louco, porque eles tinham sido os principais líderes da linha dura radical repressiva de 1964, 65.
Eles reconhecem que entraram para a oposição porque se sentiram traídos?
É ambíguo. A maioria diz que descobriu que a democracia era melhor, que a revolução era para ser breve mas o poder foi roubado por um grupo de generais. Discursos e memórias têm que ser desconstruídos, e é óbvio que a característica principal desse grupo é não ter conseguido chegar ao poder. Os oficiais da segunda linha dura têm um discurso mais orientado para a luta contra a subversão, sem problema com o fato de só os generais terem chegado ao poder. Seu problema é Geisel e Figueiredo terem tentado limitar os órgãos repressivos. Apesar de estar nítido nos arquivos do Geisel de que o objetivo era a tutela dos militares sobre o poder civil. Mas eles não conseguiram manter isso, porque o processo escapou.
Você fala da noção negativa da política dentro das Forças Armadas. Por que acha que em certo momento elas decidiram ter um papel tão decisivo na vida política?
Os golpistas de 1964 eram militantes ativistas desde jovens. Os coronéis, que não viveram o tenentismo, mas entraram na política quando tenentes, participaram de revoltas contra Kubitschek e depois conspiraram muito. Eles não conheceram o apolitismo militar, apesar do discurso geral da despolitização dos escalões subalternos. O movimento de afirmação hierárquica dos generais teve um grande retrocesso nos anos 1950 e início dos 60, quando os sargentos eram muito mobilizados na esquerda, e os oficiais, divididos entre os nacionalistas e os chamados entreguistas. Essa é a primeira explicação para seu ativismo bem forte. Isso sabendo que eles foram muito minoritários, eram algumas centenas. A esmagadora maioria dos oficiais de baixa patente não participava do jogo político. A segunda linha dura entrou na política de forma diferente. Os oficiais não se organizaram em associações políticas, não falavam na imprensa como os primeiros. Eles colocavam bombas, pressionando o poder para afirmar sua força física. Isso também é política, violência política.
Quais foram as principais dificuldades da pesquisa?
Não há arquivos militares, um dia espero poder consultá-los. O arquivo do SNI está disponível, mas os nomes dos militares são todos barrados. Usei o Dops, arquivos pessoais de militares, imprensa. Os militares me disseram que nos anos de chumbo não houve mais protestos dos oficiais de patente intermediária, mas sem o arquivo é muito difícil ter certeza se eles de fato pararam. Para uma historiadora não é o ideal, mas descobri que sem arquivos há arquivos. Apesar de todas as tentativas de instituições para barrar o pesquisador, todo objeto histórico deixou algo: nas memórias, na imprensa, nos órgãos civis.
Em sua pesquisa sobre os exilados você entendeu um pouco das diferenças com outras ditaduras na América do Sul?
Fiz um trabalho com a pesquisadora argentina Marina Franco, e ficou nítido que a violência e a rapidez da repressão na Argentina, bem maiores do que no Brasil, modificaram muito mais as identidades dos exilados argentinos, que logo se sentiram vítimas e não mais revolucionários. Porque era muito difícil assumir a posição de sobrevivente em relação a todos aqueles que estavam na cadeia ou mortos. Isso é menos visível na experiência dos exilados brasileiros, que voltaram como militantes e entraram na política.
Por outro lado, na Argentina há uma Comissão da Verdade ativa. 
Não se pode fazer uma escala da repressão, apesar de no Brasil ter havido menos assassinatos e desaparecimentos. Tendo dito isso, na Argentina cada família tem um desaparecido, mas não no Brasil. E modificar a Lei de Anistia aqui, 30 anos depois, é mais complicado, apesar de achar que isso deva ser feito. Há ainda uma cultura da anistia no Brasil, que tem peso no discurso de esquecimento e reconciliação, e não de verdade e punição. Esse discurso sempre está associado à ideia de uma guerra entre subversivos e militares. Mas não foi uma guerra, um dos lados estava no poder. Foi repressão.
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Fabrício Augusto Souza Gomes

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