Mário Maestri
Humaitá, a Sebastopol guarani, cerrava ameaçadora a navegação em direção a Asunción. Quando da guerra do Paraguai [1864-1870], o Império lamentava-se de ter contribuído, anos antes, à sua construção, para proteger o então aliado da ameaça de Juan Manoel de Rosas [1829-1832], senhor da Argentina. Após 1870, a paternidade da fortaleza seguiu sendo comumente apresentada pela historiografia brasileira como prova das boas disposições tupiniquins. Se o Império pretendesse atacar o Paraguai, jamais levantaria as fortificações que detiveram até inícios de 1868 a poderosa esquadra imperial.
Durante a guerra, José Antônio Pimenta Bueno apresentou-se como idealizador da fortificação, quando representante do Império em Asunción [1844]. Em Memória publicada após sua morte, o marquês de São Vicente [1803-1878] registrou que sua contribuição consistira em recomendar, a Carlos Antonio López, um "tenente-coronel prussiano" que combatera com os liberais mineiros. O oficial teria riscado o "plano de Humaitá" e "a planta estratégica da estrada desde o Passo da Pátria até Assumpção".
Em março de 1857, ao passar por Humaitá, o naturalista francês Aimé Bonpland [1773-1858] anotou que a mais forte defesa no rio Paraguai, com pouco mais de 120 canhões, fora levantada dois anos antes, quanto os "brasileiros subiram o rio [sic] com intenções hostis". Ou seja, quando da fracassada expedição enviada contra o Paraguai, em 1854-5, formada por quinze navios de guerra, 130 canhões, 2.061 marinheiros e três mil soldados, sob o comando do almirante Pedro Ferreira de Oliveira. Portanto, mais de dez anos após a visita de Pimenta Bueno ao Paraguai!
Aproveitando o estreitamento do rio, Humaitá sediara inicialmente uma humilde guarda destinada a proteger as estâncias orientais dos ataques dos nativos do Chaco. Em fins de 1844, quando o presidente paraguaio soube que chegava a expedição naval para impor pela força a abertura da navegação do Paraguai e a expansão das fronteiras imperiais, Humaitá fora artilhada a toque de caixa, sob as ordens de Francisco Solano López, general em chefe das forças armadas paraguaias.
Desse esforço surgiram, riscadas pelo coronel, engenheiro e cartógrafo húngaro, as primeiras fortificações protegidas por parapeitos de madeira e terra, com 150 canhões, em doze baterias. Contratado por Solano López durante sua viagem à Europa, Franz Wisner de Morgenstern também escreveu, sob encomenda dos empregadores, biografia do doutor Francia, El Dictador del Paraguay: José Gaspar Francia, editada em 1923. Ele organizou a primeira flotilha e combateu nas tropas paraguaias durante o grande conflito, falecendo, em 1878, aos 74 anos, no país que o adotara.
Em 19 de fevereiro de 1868, após exasperante contemporização, navios imperiais realizariam a passagem de Humaitá, praticamente sem sofrer danos. O pintor Victor Meirelles [1832-1903] produziu, também em 1868, quadro homônimo para glorificar a operação, encomendado pelo governo. Com enorme exagero, a operação foi registrada como grande feito naval do Império. Nesse então, os anacrônicos canhões paraguaios já não causavam danos aos modernos encouraçados imperiais. Com alguma decisão, a operação teria sido realizada muito antes, como exigira o general argentino Bartolomé Mitre, acusado de querer ver soçobrar em Humaitá a ameaçadora frota imperial!
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Mário Maestri, 63, é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da UPF. E-mail:
maestri@via-rs.net
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