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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

** [Carta O BERRO] PARA NÃO ESQUECER JAMAIS! História de Luís Eurico Tejera Lisboa -X-

Carta O Berro..........................................................repassem





Luís Eurico Tejera Lisboa

 


Militante da AÇÃO LIBERTADORA NACIONAL (ALN).

Nasceu em Porto União (SC), filho de Eurico Siqueira Lisbôa e Clélia Tejera Lisbôa, o mais velho dentre sete irmãos.


Cedo iniciou sua militância política na Juventude Estudantil Católica. Integrando-se ao PCB, alternava suas atividades entre Santa Maria, onde residia na JUC, e Porto Alegre. Pertenceu à Direção Estadual do PCB até o do VI Congresso, quando passou a integrar a Dissidência/RS.


Estudava, então, no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre, centro da efervescência do movimento estudantil secundarista.


No Júlio de Castilhos, haviam fechado o Grêmio Estudantil, em meio à intensa agitação provocada pela tentativa da direção de cobrar uma taxa e, ao mesmo tempo, a proibição do uso de mini-saias e cabelos compridos. O Grêmio foi instalado em uma barraca, em frente à escola, concentrando os alunos em assembléias permanentes e de onde saiam freqüentes passeatas que se uniam aos universitários nos protestos contra o acordo MEC-USAID, pelo ensino gratuito, reunindo as forças que protestavam contra a ditadura militar. Luiz Eurico e os integrantes do Grêmio fechado acabaram sendo expulsos do Colégio.


Passou a ser membro da Diretoria da União Gaúcha dos Estudantes Secundários.


Ao mesmo tempo, a radicalização da ditadura passou a exigir novos posicionamentos. Luiz Eurico questiona a Dissidência para a concretização de ações armadas, ligando-se à VAR-PALMARES. Permanece na VAR como membro de sua Direção Regional até a realização do Congresso da Organização, em 1969, quando integra a ALN.


Nesse período, foi preso algumas vezes durante manifestações estudantis. Ao tentar, junto aos alunos do Júlio de Castilhos, como membro da UGES, a reabertura do Grêmio fechado, foi mais uma vez preso e indiciado em IPM.


Já casado, trabalhando como escriturário no Serviço Nacional de Indústrias – SENAI – parecia ter encontrado seu caminho. Fora, inclusive, absolvido por unanimidade no IPM, comparecendo à Auditoria Militar no dia do julgamento.


No final de outubro de 1969, foi surpreendido por uma notícia de jornal com sua condenação a seis meses de prisão no referido processo, após grosseira falsificação dos prazos de recurso. Não lhe restou outra alternativa: passou à clandestinidade.


Esteve algum tempo em Cuba, retornando ao País em 1971, estabelecendo-se em Porto Alegre, na tentativa de reorganizar a ALN no Estado.


Foi preso em circunstâncias desconhecidas em São Paulo, na primeira semana de setembro de 1972 e desaparecido desde então.


Somente em junho de 1979, a Comissão de Familiares do CBA, consegue reunir pistas para a elucidação dos desaparecimentos, localizando Luiz Eurico enterrado, sob o nome de Nelson Bueno, no Cemitério Dom Bosco, em Perus. Ao mesmo tempo em que a ditadura pretendia sepultar a luta pelos desaparecidos entregando aos familiares um atestado de morte presumida através da Anistia, apresentava-se à Nação um atestado de óbito de um dos desaparecidos, cuja prisão e assassinato tinham ocultado.


A versão oficial para sua morte era de suicídio e, para corroborá-la, foi inclusive montado Inquérito na 5ª DP de São Paulo, sob o número 582/72.


A farsa do suicídio é desmascarada pelos depoimentos contraditórios das testemunhas arroladas, bem como pela própria conclusão do inquérito: Luiz Eurico, deitado na cama do quarto da pensão em que morava, teria disparado alguns tiros a esmo antes de embrulhar uma de suas armas (as fotos mostram um revólver em cada mão) na colcha que o cobria e disparar um tiro em sua própria cabeça, no dia 3 de setembro de 1972. Pelo quarto havia marcas de disparos diversos, inclusive em direção ao próprio Luís Eurico.


Em processo aberto na 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, em 25 de outubro de 1979, foi solicitada a reconstituição da identidade e retificação do registro de óbito, que recebeu o n° 1288/79.


Apesar do pedido inicial ter sido deferido em 7 de novembro de 1980, o inquérito policial de Luís Eurico foi reaberto por ordem do Juiz da 1ª Vara, pois o corpo exumado da sepultura de Nelson Bueno não correspondia ao laudo descrito no processo – os ossos apresentavam fraturas indiscriminadas e não os orifícios correspondentes ao tiro no crânio com que, na versão policial, Luís Eurico teria se suicidado.


O inquérito foi encaminhado pelo Procurador-Geral da Justiqa da 2ª Vara Auxiliar do Júri de São Paulo, e enviada pelo Procurador Dr. Rubens Marchi, para o Departamento de Investigações Criminais – DEIC.


A pedido do Delegado Francisco Baltazar Martins, encarregado das investigações, foram realizadas novas exumações no Cemitério Dom Bosco, em Perus, até ser encontrado um corpo que correspondia às características da morte de Luís Eurico.


Durante a nova fase de investigações, são evidentes as manobras realizadas junto aos moradores da pensão onde Luís Eurico teria sido encontrado morto, chegando até algumas delas a mudar, por completo, o depoimento feito em 1972. Tais fatos não foram, entretanto, suficientes para processar a União pelo assassinato de Luís Eurico e, por falta de provas, o inquérito foi novamente arquivado, ratificada a conclusão de suicídio e entregues seus ossos, que foram trasladados do Cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo, para Porto Alegre, em 2 de setembro de 1982, 10° ano de seu assassinato.


Em 1994 foi lançado o livro "Condições Ideais para o Amor" da Editora Tchê e Instituto Estadual do Livro, com poesias e cartas de Luis Eurico Tejera Lisboa e depoimentos de pessoas que o conheceram.


No livro está publicada uma carta de sua mãe, Clélia Tejera Lisbôa, escrita quando soube da descoberta do corpo de seu filho:


"Faz hoje vinte dias que fiquei sabendo dos acontecimentos relacionados com a morte de meu filho Luiz Eurico Tejera Lisbôa, desaparecido na primeira semana de setembro de 1972 e localizado, há mais ou menos dois meses, no cemitério de Perus, Estado de São Paulo, sob o falso nome de Nelson Bueno.


Por estar em Salvador da Bahia, acompanhando uma fiilha que fora hospitalizada, meus familiares não quiseram comunicar-me logo o que ocorria em relação a Luiz Eurico. Só tomei conhecimento dos fatos após meu retorno a Porto Alegre.


Antes de mais nada, quero deixar bem claro que a versão suicídio, dada por ocasião de seu assassinato, jamais será aceita por mim ou por qualquer pessoa que o tenha conhecido de perto. Quanto às tentativas de enlamear seu nome, são torpes e nojentas demais para que me digne a discuti-las. Partindo de quem partiram, nem sequer me causam surpresa. Os amigos de meu filho, os que de um ou outro modo conviveram com ele, sabem que Luiz Eurico era um jovem idealista e estudioso. Seu único vício era a leitura, numa preocupação constante com o momento político-econômico deste país, indo à raiz dos fatos e buscando entender suas causas.


Releio neste momento a Declaração apresentada no 1° Encontro Estadual de Grêmios Estudantis, realizado de 21 a 23 de junho de 1968, cuja redaçäo esteve a seu cargo. Escrevendo, e lendo alguns trechos em voz alta para que eu pudesse acompanhar seu pensamento, dizia ele a certa altura:


'A juventude já não aceita refugiar-se no intelectualismo oco de outros tempos, mas também recusa-se a compactuar, por assentimento ou omissão, com uma ordem social que desumaniza o indivíduo e destina à fome e à mais completa ignorância quase dois terços da humanidade.


A cultura deve extravasar os círculos limitados do deleite ou realização pessoal para assumir o papel de agente dinâmico na transformação da sociedade.


Este mundo de guerras, de sobressaltos e insegurança, do lucro como motor de desenvolvimento, dos grandes monopólios subordinando aos interesses de uma minoria todos os aspectos da vida social, este mundo dividido em explorados e exploradores, em que a fome elimina anualmente milhares de vezes mais vidas humanas do que a criminosa guerra do Vietnã, este mundo perdeu sua razão de ser, quando se consomem milhões de dólares para matar a outro homem, quando os orçamentos militares são constantemente aumentados em detrimento de necessidades vitais, quando a separação entre humildes e poderosos atinge as proporções de um verdadeiro cataclisma, quando as mais ponderadas manifestações de alerta são silenciadas a bala, quando o descontentamento se torna universal e o indivíduo desfalece nas tramas de forças materiais que ele não dirige e muitas vezes não compreende'.


Este era o terrorista Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Seu dizer era claro, firme e coerente com seu modo de pensar e agir. Seus aterrorizados assassinos, com a cabeça vazia de idéias, souberam apenas empunhar uma arma. Qualquer pessoa com inteligência mediana percebe logo que, tanto ele como vários de seus companheiros também assassinados, constituíam realmente um perigo em potencial. Eram inteligentes, estudiosos, sabiam pensar por si mesmos. Haverá razão mais forte para exterminá-los?


Faz hoje vinte dias que venho tentando desviar meu pensamento dessa realidade brutal. Meus olhos estão cansados de chorar. Mas não se enganem. Não choro de pena do meu filho que, onde quer que esteja, deve estar muito bem. É apenas de saudade. Creio numa outra vida. A morte rápida de torturadores me dá a maior certeza disso. Ninguém devendo tanto pode escapar assim ligeirinho se não for pagar em outro lugar.


Os Torturadores Pagarão


Pelas noites de vigília que passei chorando a ausência de meu filho e a incerteza de seu destino;


Pelos dias, horas e minutos que vivi, numa quase obsessão, esperando que alguém chegasse, de repente, ao meu apartamento, para me dizer onde e como ele estava;


Pelos sete anos que passei sem poder me concentrar em nada, porque em minha mente só cabia sua imagem;


Pelo medo, que tantas vezes me assaltou, de tê-lo de volta inútil e deformado pelas torturas;


Pela miséria mais horrível que eu vi neste Brasil de norte a sul;


Pela vergonhosa impunidade dos torturadores e assassinos;


Pela saudade mais cruel que me acompanhou ao longo destes sete anos e que agora há de prolongar-se até o fim dos meus dias;


Por toda a transformação que meu filho tanto desejou ver neste país faminto e esquecido;


Tenho a mais profunda convicção de que uma força, bem maior que a capacidade de matar de seus assassinos, há de dar o merecido castigo aos que planejaram e determinaram, aos que, por aceite ou omissão, participaram e aos que executaram todo esse horror que está aí, presente, nas faces e nos olhos de mães, esposas, filhos e irmãos daqueles que foram estupidamente torturados e assassinados e dos que ainda sofrem as prisões!


Se Ele Voltasse...


Não choro de pena de meu filho. E, se fosse possível voltar de onde ele está, eu lhe pediria para continuar pensando e agindo como sempre pensou e agiu. Ainda que isso importasse em ser novamente assassinado. Pois prefiro vê-lo morto, uma e mil vezes, a tê-lo por longos anos a meu lado numa inconsciência inútil, estúpida e criminosa! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, seu espírito há de pairar sobre os justos movimentos reivindicatórios deste país, dando força, lucidez e coragem a seus participantes ! Luiz Eurico Tejera Lisbôa, onde quer que esteja há de estar pedindo justiça e liberdade para este povo humilde e esquecido que ele tanto amou!


Porto Alegre,10 de setembro de 1979."


Luís Eurico viveu intensamente a sua época e absorveu os ideais de justiça e liberdade. Sua poesia assim se revela e aproxima-se com sensibilidade à resistência do povo vietnamita em Balada da Ham-li:




"Na pequenina aldeia


de Luang-Dinh


um menino


de pele amarela


e olhos rasgados


está


silencioso


deitado no chão


seu nome


Ham-li


as mãos


as pequeninas mãos


de Ham-li


estão crespadas


retorcidas


por uma grande dor


os pequeninos braços


fortes de Ham-Li


- menino camponês


estão descarnados


e já se decompõem.


Os pequeninos pés


andarilhos de Ham-Li


- menino soldado -


encolhidos


assemelham-se a uma


terrível garra


A pequenina face


de pele macia


onde brilhavam


os negros olhos rasgados


o menino Ham-Li


escondeu-a no ventre aberto


para que o mundo


não visse tanto horror.


Mas ao pequenino coração


do menino Ham-Li


o Napalm


não poderá jamais atingir!


Entre os escombros


da pequenina aldeia


de Luang-Dinh


um menino


de pele amarela


e olhos rasgados


está


silencioso


deitado no chão.


O pequenino coração


do menino Ham-Li


pulsa


inalterado


sobre todo o Vietnã."




Reportagem


Jornal A Noticia/Joinville 30/06/03


"Um guerreiro da pena e da espada"


Há os guerreiros da pena


Há os guerreiros da espada


Há homens que dão um braço


pelo fragor da batalha.


Eu sou poeta da Revolução


A minha pena é uma espada.


E o meu canto se eu cantoé um canto de guerra".(Poema É Hora, de Luiz Eurico Tejera Lisbôa, 1967)


"Inquieto e firme, esse era o poeta nascido em Porto União"


Luis Fernando Assunção


"Por quê? Por quê?" Era o que se perguntava o moleque gorducho depois de ver o oldsmobile preto do pai quase ser atingido por uma pedra arremessada com raiva por um menino humilhado de uma vila pobre de Caxias do Sul. Foi o primeiro e o mais marcante contato de Luiz Eurico Tejera Lisbôa com as diferenças sociais, com a pobreza, com a má distribuição de renda. Talvez tenha sido a pedra a catapulta para esse jovem de classe média, nascido em Santa Catarina e crescido no Rio Grande do Sul, largar a vida previsível de uma família classe média pela militância nas ruas e guetos em busca de liberdade.


Luiz Eurico, o Ico, filho de Eurico de Siqueira Lisbôa e Clelia Tejera Lisbôa, nasceu em 19 de janeiro de 1948 em Porto União, Santa Catarina. Pai nascido pobre, mãe dona de casa, foi o primogênito de sete irmãos. "Era verão de 57, Luiz Eurico já tinha quase nove anos e muita estrada por Santa Catarina: Porto União, Caçador, Tubarão, Itajaí e Florianópolis. Em Caxias, a família de classe média se instalou em uma casa confortável, de vasto pátio", escreveu a irmã Noeli, no livro "Condições Ideais para o Amor", em homenagem ao irmão.


Foi quando a família mudou-se para a Capital, Porto Alegre, que Ico entrou definitivamente nas causas comunitárias e políticas. Ainda com uma ingenuidade respaldada por púberes 15 anos, Luiz Eurico elaborou um manifesto contra a ditadura que começava. Acabou acuado por um professor que o ameaçou prendê-lo caso repetisse o gesto. A militância começou a trazer problemas também em casa. Foi expulso pelo pai. Mudou-se para Santa Maria, onde ingressou na Faculdade de Economia.


Em meados de 1967, retornou a Porto Alegre depois da separação dos pais. Fez parte da direção da União Gaúcha de Estudantes Secundários (Uges) e começou a atuar no movimento estudantil, quando se envolveu na reabertura do grêmio do Colégio Júlio de Castilhos. Acabou preso e indiciado em inquérito policial militar. Poeta, Luiz Euricio nunca deixou de lado a ternura em seus escritos e em suas relações pessoais. Conheceu Suzana, a companheira ideal. Juntos, até o fim de sua curta existência, intercalaram momentos de paixão avassaladora com tenacidade na resistência contra a repressão.


Em 1969, Luiz Eurico integrou a direção estadual do Partido Comunista Brasileiro e idealizou o primeiro movimento gaúcho para enfrentar a onda de violência gerada pelo regime: o 21 de Abril e o Exército de Brancaleone. Com o aumento da repressão ao movimento estudantil e operário, como opção de enfrentamento ao regime, a luta armada começava a tomar força entre os jovens. Ele ingressou então na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e depois na Ação Libertadora Nacional (ALN), comandada por Carlos Lamarca.


Mudou-se para São Paulo, já casado com Suzana. Ele 21 anos, ela 18. Como a maioria dos jovens envolvidos na militância da época, começaram a viver na clandestinidade. Mandou escassos bilhetes para a família, por mensageiros desconhecidos. Não revelou seu paradeiro. Em 1971, decidiu retornar a Porto Alegre na tentativa de reorganizar a ALN no Estado. Permaneceu clandestino no Rio Grande do Sul até setembro de 1972, quando viajou para São Paulo, onde desapareceu.


Luiz Eurico era sério, quase tímido. Vez por outra, abria um sorriso irônico, meio de lado. Incisivo nos gestos, decidido nos atos. Seu universo foi amplo demais para a vida familiar. Perambulava pela casa com o mapa do Vietnã, estudando a guerra, os movimentos dos vietcongs. "Fazia isso com a mesma fraternidade, a mesma proximidade e o mesmo interesse de quem discute aspectos importantes da vida nacional, ou mesmo a movimentação dos militantes na luta contra a ditadura", escreve a irmã Noeli. E por quê, tudo isso? Luiz Eurico sempre procurou o homem do povo. Queria saber, tinha essa vontade, explícita no poema "Procuro o homem do povo": "Procuro o homem do povo/para ultrapassar a frieza/do vocabulário político/e ver na "massa oprimida"/nas "contradições sociais"/na "luta de classes"/Nas "análises da realidade"/o homem do povo.


"NomeLuis Eurico Tejera Lisbôa


Desaparecido entre 1972 e 1979


Corpo encontrado na vala de Perus, em 1979. Enterrado em Porto Alegre.


Nascimento1948, em Porto União, Santa Catarina


Profissão Estudante


Militância Vanguarda Armada Revolucionária Palmares(VAR/Palmares)


"Renascendo o Ico a cada dia de minha vida"


Porto Alegre - Ela foi até o fim na sua luta. Não parou nem depois de encontrar o corpo do marido soterrado em uma vala comum no cemitério de Perus, em São Paulo. Continuou em busca da verdade, desvanecendo mentiras, humilhando assassinos. Suzana Keniger Lisbôa, 52 anos, funcionária pública, não vai esquecer jamais daquele jovem decidido, sensível e espirituoso. "O amor de Ico era um privilégio. Tinha a doçura de um anjo e a força de um guerreiro", lembra Suzana. "Ele sempre esteve envolvido na luta por justiça e igualdade. Era um vanguardista", garante ela, hoje integrante da comissão de familiares de desaparecidos e mortos políticos.


A família Lisbôa sofreu com o desaparecimento de Luiz Eurico. Passou anos à espera do filho, irmão e marido, que talvez pudesse entrar em casa um dia e dizer que estava escondido pela sobrevivência. O irmão Nei, caçula da família, relembra de momentos que passou perto do irmão, em especial a "pós-graduação na arte de fazer pandorgas" que aprendeu com ele em um encontro clandestino na praia do Pinhal, em 1972. "Nas pandorgas colávamos, em papel de seda, a alça de mira, símbolo da ALN. Algumas vezes atingiam o infinito azul do céu, noutras se despedaçavam entre os fios de luz", conta.


Nei foi muito influenciado pelos ideais revolucionários do irmão. Certo dia, ainda moleque, disse ao irmão que gostaria de ser guerrilheiro, como ele. "O Ico disse então que ele não revelasse esse desejo a ninguém", conta Suzana. Na escola, o pequeno Nei foi indagado pela professora sobre o que pretendia ser quando crescesse. Não contou, apesar da insistência da professora. "Ele lembrou do pedido do Ico e guardou segredo", recorda Suzana. "Todos acabaram vivenciando as experiências do Ico em casa".


Restou para a família uma lembrança forte de Luiz Eurico, que não se apagou com as tentativas sistemáticas de deturpação de sua imagem. "O general Leônidas Pires disse: 'nós também tivemos os nossos mortos'. Vossos, general? E em nome de que Esbórnia se inscreveria o epitáfio nesse par de lápides?", ironiza Nei, hoje cantor e compositor em Porto Alegre. Pela influência do irmão, fez composições em sua homenagem, sempre destacando a luta por justiça. "Luiz Eurico era meu irmão, onze anos mais velho, e com ele aprendi desde o berço a soletrar justiça, liberdade, humanidade", orgulha-se.


Em carta logo depois de saber da morte do filho, Clelia Tejera Lisbôa mostrou consciência e segurança ao escrever sobre o filho. "...Quando a separação entre humildes e poderosos atinge proporções de um verdadeiro cataclisma, quando as mais ponderadas manifestações de alerta são silenciadas a bala, quando o descontentamento se torna universal e o indivíduo desfalece nas tramas das forças materiais que ele não dirige e muitas vezes não compreende. (...) Este era o 'terrorista' Luiz Eurico. Seu dizer era claro, firme e coerente com seu modo de pensar e agir. Seus aterrorizados assassinos, com a cabeça vazia de idéias, souberam apenas empunhar uma arma. Ele e seus amigos constituíam realmente um perigo em potencial: eram inteligentes, estudiosos, sabiam pensar por si mesmo. Haveria razão mais forte para exterminá-los?" (LFA)

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