Tragédia do Brigue Palhaço
Na noite do dia
16 de Outubro de
1823, um grupo de soldados do
2º Regimento de Artilharia de Belém e de desordeiros embriagados, voltou a efetuar ataques a estabelecimentos comerciais
portugueses na cidade, iniciados na noite anterior. As patrulhas, compostas por praças de segunda linha, sem conseguir coibir as desordens, informaram a força naval Imperial, sob o comando de
John Pascoe Grenfell. Este determinou, já alta noite, o desembarque de tropas, reforçadas por elementos dos navios mercantes surtos no porto, que detiveram e recolheram à cadeia todas as pessoas encontradas pelas ruas e casas suspeitas e denunciadas, indistintamente.
No dia
17 foram sumáriamente
fuzilados cinco indivíduos. Os soldados, inclusive os cidadãos detidos na noite anterior, em número de duzentos e cinqüenta e seis, foram recolhidos à cadeia pública até ao dia
20, quando foram transferidos para bordo de um
brigue no porto, denominado "São José Diligente", depois "Palhaço", sob o comando do 1º Tenente
Joaquim Lúcio de Araújo.
Confinados no
porão da embarcação,tendo sido fechadas as escotilhas e mantendo-se aberta apenas uma pequena fresta para a entrada de ar, devido à superlotação e ao calor a bordo, os prisioneiros começaram a gritar reclamando por água e mais ar, alguns chegando mesmo a ameaçar a guarnição, em seu desespero.
Da narrativa dos sobreviventes, depreende-se que, tendo sido lançada água do rio aos prisioneiros numa tina existente no porão, agravou-se o tumulto pela disputa, renovando-se os protestos dos prisioneiros.
A guarnição decidida a acalmar os ânimos, disparou alguns tiros de
fuzil para o interior do porão, em cujo interior, ato contínuo, espargiu quantidade de
cal viva, cerrando a abertura do porão.
No dia seguinte, às sete horas da manhã do dia
22, aberto o porão do navio na presença de seu comandante, contaram-se duzentos e cinquenta e dois corpos (com sinais de longa e penosa agonia) e quatro sobreviventes, dos quais, no dia seguinte, apenas um resistiu, de nome
João Tapuia. No total pereceram 252 homens, sufocados e asfixiados:
Grenfell não assumiu a culpa pelo incidente, argumentando que o ataque não fora executado sob suas ordens.
Um levantamento documental dos fatos ocorridos em 1823 e que culminaram com o
massacre do Brigue Palhaço foi efetuado pela
socióloga Célia Gomes de Azevedo, com o respaldo da "Comissão Permanente dos Direitos Humanos" da Câmara Municipal de Belém. De acordo com a pesquisa, nos arquivos da cidade de Belém não existem documentos sobre o episódio. Sobre a adesão à Independência do Brasil, existe correspondência trocada entre o governo do
Grão-Pará e a
Coroa Portuguesa, em
Lisboa.
Entre o que foi possível levantar, a pesquisadora destaca que, da "Coordenação Geral de Divulgação e Acesso Documental" do
Arquivo Nacional no
Rio de Janeiro, proveio uma relação nominal dos mortos no brigue Palhaço, um histórico sucinto dos fatos e referências a uma segunda devassa (de quatro efetuadas).
O "Translado da devassa que se procedeu sobre a morte de presos a bordo de São José Diligente", contém a relação nominal de duzentos e cinquenta e seis detidos, dos quais, segundo afirma o documento, sobreviveram apenas quatro. Entretanto, o mesmo documento menciona os nomes de cinco sobreviventes:
Sabino José Gonçalo;
Antônio Duarte, furriel do Regimento de Cavalaria;
Apolinário Antônio, do Regimento de Artilharia;
Constantino, do Regimento de Cavalaria; e
Lourenço Ginsimiano, listado duas vezes, entre os mortos e os sobreviventes.
Segundo a referida devassa, era necessário o testemunho de trinta pessoas para o pleno esclarecimento dos fatos, mas apenas doze foram ouvidas tendo o mesmo sido dado como elucidado, concluindo pela afirmativa de que os presos haviam se matado entre si, por estrangulamento.
De acordo com o historiador
João Lúcio, as doze testemunhas ouvidas faziam parte do grupo autor da chacina, embora o documento afirme que as quatro primeiras testemunhas tenham sido os sobreviventes.
Na
Biblioteca Nacional, também no Rio de Janeiro, Célia Gomes encontrou a "Exposição breve de como foram fuzilados cinco brasileiros e mortos 252 no porão do navio São José Diligente". Este documento narra que, no dia
17 de Outubro, 255 pessoas foram presas. Grenffel, diz o documento, determinou que elas fossem afastadas braço-a-braço e conduzidas com brutalidade para o navio.
Este documento cria uma controvérsia, ao negar a teoria de que os presos teriam sido mortos por corrosão provocada por cal (óxido de cálcio) virgem. No navio, diz o documento, havia uma tina de água envenenada e os presos estavam encarcerados no porão, com as escotilhas fechadas.
Segundo tal documento, a morte dos presos teria sido conseqüência da sede, que os obrigou a tomar a água envenenada, falta de ar e uma luta desesperada para alcançar e forçar a abertura das escotilhas. Diante da situação, Grenffel mandou abrir fogo sobre os presos e determinou ao comandante da embarcação,
Joaquim Lúcio Araújo, que cortasse as cabeças e braços que aparecessem fora das escotilhas. Pela manhã, havia 252 pessoas mortas e os quatro sobreviventes foram presos incomunicáveis e nada mais se soube deles. O documento relata uma cena emblemática que teria ocorrido na manhã do dia 21: sobre o tombadilho do "São José Diligente" foi estendida uma imensa peça de pano, vedando a visão do barco para o continente. Sob este anteparo, que segundo João Lúcio, "ainda hoje cobre a nossa visão", os mortos foram trasladados do brigue Palhaço para outro navio que estava por trás e que transportaria os corpos para a localidade de Penacova, na área de Miramar, nas imediações do antigo depósito de inflamáveis do "
Port of Pará" (arrendatária inglesa do porto de Belém, à época). O documento informa, ainda, que foi constituída uma junta para fazer os exames de corpo de delito. A junta era presidida por
José Antônio Roso e complementada por dois vogais, cujos nomes não são citados. A junta ouviu três testemunhas: Grenffel e dois boticários, os farmacêuticos da época. João Lúcio alerta para a relação entre os boticários e o veneno encontrado no porão do brigue. Um terceiro documento, intitulado "Defesa do 1º tenente da Armada Nacional Joaquim Lúcio Araújo", foi localizado na Biblioteca Nacional. Neste documento, o autor,
Antônio Ferreira de Lima, menciona duas devassas: a primeira, cuja conclusão foi morte por estrangulamento e uma segunda, chamada "
La devassa", que ainda não foi encontrada. Esta segunda devassa, segundo a pesquisadora Célia Gomes, anularia a primeira e apontaria, como causa morte, envenenamento por água forte, uma substância ácida, altamente corrosiva, utilizada em procedimentos gráficos. Isto, porém, diz ela, "não faz sentido, já que os corpos estavam enterrados e não houve exumação dos cadáveres, para a realização de exames necrológicos".
Célia Gomes solicitou à Biblioteca Nacional a remessa para Belém dos documentos ali encontrados, a fim de compor o acervo do Arquivo Municipal a ser criado. Também foram requisitados, à Biblioteca do
Senado Federal, em
Brasília, os três decretos do imperador
D. Pedro I:
o primeiro decreto imperial, datado de
21 de Janeiro de
1824, julga a devassa ocorrida em Belém, em Outubro de 1823;
o segundo, datado de
27 de Fevereiro de 1824, dispõe sobre as "nulidades insanáveis na devassa"; e
o terceiro, de
16 de Março de 1824, que declara sem efeito o decreto anterior, de 27 de fevereiro, ou seja, anula as "nulidades insanáveis da devassa" (TADHEU, 2003).
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