Débora Motta
Os instrumentos típicos
do choro caracterizam a
sonoridade delicada e 'chorosa' do gênero musical (Foto: Divulgação/Wikipédia) |
AGÊNCIA
FAPERJ - A delicadeza dos sons emitidos pela confluência
entre instrumentos como o cavaquinho, o violão (de seis e sete
cordas), o bandolim, a flauta e o pandeiro caracteriza o choro.
Considerado um gênero musical que retrata o espírito tipicamente
carioca, ele vem ganhando mais destaque no cenário musical da
cidade desde os anos 1970. O movimento de revitalização desse
estilo, chamado afetivamente de chorinho, é o tema do projeto de
pesquisa desenvolvido na Universidade Federal Fluminense (UFF)
pela historiadora Luiza Mara Braga Martins. O estudo foi
contemplado no programa de Apoio ao Pós-Doutorado
no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ, como um
desdobramento do projeto Identidades
do Rio, apoiado anteriormente pelo edital Pensa Rio – ambos sob a
orientação da historiadora Hebe Mattos, coordenadora do
Laboratório de História Oral e Imagem na universidade
(Labhoi/UFF).
Considerado
como o primeiro estilo musical urbano a expressar a identidade
brasileira, o choro se popularizou nos salões e quintais dos
subúrbios cariocas a partir de 1870, originando-se
da fusão de ritmos europeus com ritmos afro-brasileiros e um
jeito “choroso” de tocar. Nesse período, destacavam-se os
talentos do flautista
Joaquim Calado (1848-1880), que compôs o clássico Flor Amorosa; do
músico Henrique Alves de Mesquita, autor do primeiro
tango brasileiro,Ali-Babá; e da primeira maestrina do
Brasil, a pianista e compositora Chiquinha Gonzaga.
Nas
primeiras décadas do século XX, houve um período áureo do choro,
com representantes de
primeiro quilate do gênero musical, entre eles
Pixinguinha, que lançou a primeira gravação de Carinhoso em 1928; Jacob do
Bandolim, autor de Noites
Cariocas, entre muitos outros choros; e Ernesto Nazareth.
Essa geração de chorões organizava-se em conjuntos, os chamados
regionais, que introduziram a percussão nas composições. Depois
dessa fase, o choro passou por anos de esquecimento. A chegada
da bossa nova no mainstream acelerou esse processo.
“Os anos
1950 e 1960 foram marcados pela bossa. O melhor instrumentista
de choro não combinava com o minimalismo exigido pelo novo jeito
de tocar. Os chorões não tinham mais espaço na mídia,
especialmente na rádio”, conta Luiza. “Mas o choro nunca morreu.
Nessa época, ele se recluiu para as varandas e os quintais de
músicos que continuavam fiéis ao estilo”, completou.
Esse período
de ostracismo se estendeu até 1970, considerada a década do
renascimento do choro para as grandes plateias. “Nos anos 1970,
vários movimentos deram início a uma revitalização desse gênero
musical. O espetáculo Sarau,
que estreou em 1973, foi estrelado por Paulinho da Viola e pelo
conjunto Época de Ouro, e produzido pelo jornalista Sérgio
Cabral. Além disso, surgiram novos grupos no Rio, como Os
Carioquinhas, com os grandes violonistas Raphael Rabello e
Maurício Carrilho, além da cavaquinista Luciana Rabello, e o
Camerata Carioca, em que a formação já citada era acrescida pelo
maestro Radamés Gnattali e por Joel Nascimento, no bandolim.
Algumas gravadoras abriram espaço e produziram discos do gênero.
Surgiram ainda os concursos de conjuntos no Rio de Janeiro e o
Festival Nacional do Choro da TV Bandeirantes”, contextualizou
Luiza.
Por esse
motivo, a historiadora escolheu a década de 1970 como marco
inicial da pesquisa, que acompanha o desenrolar desse movimento
até hoje. Contribuindo para formar um acervo da produção
contemporânea do choro no Labhoi/UFF, ela vem entrevistando
diversos músicos que atualmente se dedicam ao estilo na cidade.
“É importante que exista um acervo que resguarde a memória do
que hoje se produz musicalmente. A história oral é uma rica
fonte de pesquisa. Daqui a alguns anos, um historiador poderá
saber que em 2015 estava se fazendo música de grande qualidade
no Rio, mas que encontrava pouco espaço na mídia. O choro ainda
é desconhecido do grande público, é praticamente como se não
existisse nos meios de comunicação de massa”, ressaltou Luiza.
O flautista Joaquim Calado, um dos músicos que ajudaram a construir a história do choro (Foto: Divulgação/Wikipédia) |
A partir desses relatos, ela
vai costurando o panorama do choro contemporâneo no Rio.
“Escutar esse tipo de música dá um sentimento de pertencimento à
cidade. O choro está ligado à cidadania musical do Rio, cidade
tradicionalmente formadora de sons”, justificou. Ao final do
trabalho, que deve se estender ao longo de 2015, os vídeos serão
armazenados no storage do Labhoi, onde ficarão
disponíveis para consultas de pesquisadores e interessados no
tema.
Luiza destaca que, hoje, o grande centro difusor da cultura do
choro é a Escola Portátil de
Música, que funciona aos sábados nas dependências da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). A
previsão é de que, ainda este ano, a escola ganhe um espaço na
Rua da Carioca, que será denominado Casa do Choro. “Além de
oferecer educação musical nos diversos instrumentos, em canto e
em canto coral, a Escola Portátil tem o mérito de formar novas
plateias, que apreciam esse gênero musical”.
Pensando na importância de fazer esse registro cultural, ela vem
coletando depoimentos em vídeos de alguns dos músicos mais
atuantes do choro, e também do samba, atuais. Por enquanto,
foram 17 entrevistas filmadas. Entre os entrevistados, estão
representantes da geração que hoje está na ativa, como os já
citados Maurício Carrilho e Luciana Rabello, o bandolinista
Rodrigo Lessa, o flautista e saxofonista tenor Eduardo Neves, o
cavaquinista Eduardo Galotti e o pandeirista Pedro Miranda, o
percussionista Marco Basílio, neto de Ernesto dos Santos, mais
conhecido como Donga – uma das lendas da música brasileira, que
entrou para a história em 1917, ao realizar a primeira gravação
de um samba no Brasil, a música Pelo telefone;
o ator e cantor Marcelo Viana, neto de Pixinguinha; os
bandolinistas Pedro Amorim e Pedro Aragão; o cavaquinista Jaime
Vignoli, os integrantes do grupo Pixin Bodega, o violonista
Pedro Holanda, o flautista e comunicólogo Eduardo Granja
Coutinho; entre outros nomes.
Para ela, a cultura popular
é viva, mas políticas de fomento são sempre bem-vindas. “É
preciso criar políticas direcionadas de incentivo governamental
para que os músicos de choro possam se inserir no mercado de
trabalho. A Lei Rouanet muitas vezes patrocina artistas que já
estão na mídia e que não precisam dela. Seria importante ter um
enfoque específico para apoiar a cultura popular da cidade,
incluindo o choro”, destacou Luiza. “E que o choro seja eleito
como patrimônio imaterial da humanidade, como o samba já é”,
defendeu.
Uma cronologia do
choro disponível na internet
Uma linha do tempo criada
por Luiza conta toda a história da formação do choro, desde a
sua gênese no século XIX, passando pelos principais marcos de
sua produção, e se estendendo até hoje. Com vídeos, ilustrações
e informações, o material é uma fonte de pesquisa disponível no
site: www.pensario.uff.br . Esse trabalho foi
realizado no escopo do projeto Identidades do Rio, coordenado
pela historiadora Hebe Mattos. “O samba e o choro têm um lugar
estratégico para pensar a história social e cultural do Rio e do
País. Os relatos dos próprios músicos, sobre como eles se
relacionam com a música e com as raízes do que eles fazem,
contribuem para termos um olhar sobre o Rio de Janeiro e
pensarmos sobre o papel da música na construção da própria
imagem da cidade”, explica Hebe.
A coordenadora do Labhoi
lembrou que o espaço agrega pesquisas que têm como base fontes
alternativas às fontes escritas preservadas nos arquivos,
tradicionalmente usadas pelos profissionais da área para pensar
as relações da história. Assim, o Labhoi prestigia a história
oral, com destaque para testemunhos e fontes audiovisuais. “No
'Identidades do Rio', contemplado pelo edital Pensa Rio da FAPERJ, conseguimos
agregar uma rede de pesquisadores formada por historiadores,
antropólogos e educadores de cinco programas de pós-graduação de
universidades fluminenses e produzir um repositório de
informações para serem utilizadas por outros pesquisadores, mas
numa linguagem acessível ao público em geral”, contou Hebe.
A rede de pesquisas tem a
participação dos programas de pós-graduação PPGH/UFF,
PPGHS/Uerj, PPHPBC/CPDOC-FGV, PPGH/UFRRJ e PPGH/UniRio, além do
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, do Arquivo Geral da
Cidade do Rio de Janeiro, do Museu de História e Arte do Estado
do Rio de Janeiro e do Instituto de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, por meio do Pontão da Cultura do Jongo e do
Caxambu.
Além do estudo sobre o
choro, o site reúne dados de pesquisas sobre a identidade do
estado do Rio de Janeiro a partir de alguns eixos históricos,
geográficos e patrimoniais: o litoral e as baixadas litorâneas,
de ocupação antiga relacionada ao período colonial, com
construções coloniais, aldeias indígenas e antigas cidades; o
Vale do Rio Paraíba, povoado já no período monárquico com a
expansão do café, que se tornaria a principal riqueza de
exportação do jovem país; e, por fim, as migrações
internacionais e internas entre as várias regiões do estado, a
Baixada Fluminense e a cidade do Rio, especialmente no século
XX. Também apresenta links para bibliotecas e
plataformas digitais que disponibilizam conhecimento sobre esses
temas na Internet. Enfim, trata-se de um espaço interessante
para refletir sobre a memória cultural e social do Rio de
Janeiro.
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