Referência na historiografia 
brasileira, livro O Plano e o pânico: os 
movimentos sociais na década da 
Abolição, ganha edição revista
 (Imagem: J.B. Debret)
Movimento da senzala
2/3/2011Por Fábio de Castro
Fonte: Agência FAPESP – Com base na  historiografia tradicional, o abolicionismo e o fim da escravidão no Brasil  foram interpretados por muito tempo como processos elitistas, nos quais o  escravo aparecia como um personagem passivo. O livro O Plano e o pânico: os  movimentos sociais na década da Abolição, que acaba de ganhar sua segunda  edição, revista, vem contribuindo desde 1994 para mudar essa visão.
O fim da escravidão foi resultado de uma cultura  política gestada no cotidiano do trabalho nas senzalas, de acordo com a obra,  fundamentada em pesquisa realizada a partir de múltiplas fontes por Maria Helena  Toledo de Machado, professora do Departamento de História da Faculdade de  Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo  (USP).
De acordo com Maria Helena, a tese central do livro  – que teve origem em sua pesquisa de doutorado, concluída na USP em 1991 – é que  os escravos não tiveram um papel passivo no processo que culminou com o fim da  escravidão, que não teve nada de elitista, ao contrário do que deixava  transparecer a historiografia abolicionista.
"Os escravos tiveram ampla participação no processo,  em um movimento que também envolveu trabalhadores livres pobres e imigrantes. A  atuação dos líderes abolicionistas só é compreensível como parte de um contexto  de uma cultura política que teve origem nas senzalas, com a tensão social  causada por sucessivas fugas em massa ao longo da década de 1880", disse à  Agência FAPESP.
Segundo a historiadora, o objetivo do livro era  analisar a atuação dos escravos no processo de abolição, no período entre 1880 e  1888, no contexto paulista. Para isso, além de consultar uma bibliografia  internacional, ela realizou uma pesquisa inédita considerando acervos  judiciários e a documentação da polícia em cidades paulistas.
"Tratava-se de uma documentação massiva, com  milhares de documentos que mapeei para selecionar apenas o que se referia aos  escravos. A partir dessa seleção, valorizei os casos que relatavam revoltas,  fugas em massa, homicídios, invasões de cidades e outros movimentos de maior  impacto", afirmou.
A pesquisadora, então, visitou diversas cidades  paulistas, consultou cartórios locais e levantou processos criminais  relacionados aos eventos que estavam listados na documentação oficial da  polícia.
"Além disso, encontrei no Arquivo do Estado, pela  primeira vez, o livro de reservados da polícia – onde eram registrados os fatos  que não podiam ser divulgados para o público. Colhi os relatórios mais gerais  dos chefes da polícia, dos presidentes das províncias e dos jornais da época",  disse Maria Helena.
No ano de 1885, por exemplo, os relatórios do chefe  de polícia de Campinas relatavam que havia sido um ano tranquilo, sem maiores  problemas a não ser pequenas ocorrências pontuais com escravos. Enquanto isso, o  livro de reservados registrava um cenário certamente mais próximo da realidade:  a cidade estava em perigo iminente com as fugas em massa de escravos.
"Percebi que os jornais eram censurados e retratavam  uma versão rósea da realidade que a polícia de fato estava enfrentando.  Acompanhei diversos estágios da produção dos eventos. Desde os primeiros  telegramas, nos quais os fazendeiros pediam socorro ao subdelegado depois da  invasão da sede de uma fazenda por escravos armados, passando pela notificação  de cada autoridade, até chegar ao desenrolar do conflito e à divulgação nos  jornais", disse.
Onda de pânico
A historiadora descobriu revoltas de escravos que  não haviam sido documentadas anteriormente. Uma delas, abortada, estava  planejada para ser realizada em Resende (RJ), em 1881. Os registros diziam que  um homem branco conhecido como Mesquita tinha chegado dos Estados Unidos e  estava organizando uma revolta de escravos sem precedentes.
"Ele orientava os escravos a roubar armas dos  senhores, a cortar os fios dos telégrafos e a roubar cavalos. Planejava  articular uma ação orquestrada e formar uma excursão para a corte, no Rio de  Janeiro, a fim de exigir a abolição da escravidão. Vários episódios mostravam  grande movimentação social naquela década – entre São Paulo e Rio de Janeiro –  com participação ativa dos escravos", disse Maria Helena.
Outra revolta estudada foi organizada em 1882, em  Campinas (SP), e chegou a ser realizada, embora em dimensão menor que a  planejada. Liderada por um escravo liberto chamado Felipe Santiago, essa revolta  foi associada à organização de uma seita religiosa denominada Arásia.
"Os adeptos tinham iniciações, recebiam novos nomes  e eram marcados no corpo em ritos iniciáticos. Esses escravos haviam comprado  armas e invadiram a cidade de Campinas em uma ação muito violenta. Esse tipo de  episódio dissipa a ideia de que a abolição foi uma libertação passiva, ou um  protesto irracional e apolítico dos escravos", contou.
O título do livro – O Plano e o pânico –,  segundo Maria Helena, remete à organização deliberada das revoltas arquitetadas  por escravos e à onda de pânico por elas espalhada entre os escravistas.
"Depois da revolta de Resende em 1881, houve vários  outros episódios e o pânico se espalhou pelo território paulista. O medo era  tamanho que, em Bananal, por exemplo, as pessoas chegaram a abandonar as  fazendas e fugir para a cidade. As polícias paulista e fluminense,  despreparadas, sem armamentos, sem treinamento, viram-se sob o risco palpável de  eventos violentos durante toda a década", disse Maria Helena. 
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O Plano e o pânico: os movimentos sociais na década    da Abolição 
Autor: Maria Helena Toledo de Machado 
Lançamento:    2011 
Preço: R$ 37 
Páginas: 248 
Mais informações: 
www.boitempoeditorial.com.br