A boa e velha Nova História
No dia do historiador, publicamos uma entrevista exclusiva com os  professores Fernando Novais  e Rogerio Forastieri da Silva, que estão  lançando um livro sobre o tema da Nova História 
Revista de História
Uma 
pesquisa com o nome de Fernando Novais no site da 
Revista de História  mostra a sua importância. Seu "Portugal e Brasil na Crise do Antigo  Sistema Colonial (1777-1808)" se tornou uma referência para uma geração  de historiadores que hoje são, eles mesmos, referências.
Ao lado de Rogerio Forastieri da Silva, formado em Ciências Sociais  pela USP e aluno do professor Novais da graduação ao doutorado, Novais  interrompeu um hiato de publicações para, este ano, organizar o volume  "Nova história em perspectiva" (Cosacnaify). Na volumosa obra são  publicados textos clássicos e os mais recentes sobre, como o título  entrega, essa forma relativamente recente de se estudar a matéria  história. Recente, sim, porém já com um lastro onde os historiadores  podem se apoiar para fazer o que mais sabem: vasculhar o passado e a  memória. Ou como os autores explicitam logo na primeira frase do  substancioso prefácio: "Lenta e imperceptivelmente, também a Nova  História vai se tornando História, e portanto se constituindo objeto da  historiografia."
Nesse dia do historiador, nada melhor que ler uma entrevista exclusiva  com ambos os autores em que se aborda temas que mexem com o cotidiano da  profissão, como as mudanças da escrita da história, a importância da  profissão, do profissional e da teoria no cotidiano, o diálogo com  outras ciências humanas, e a "utilidade" da prática.
Antes de partir diretamente para a entrevista, cabe ainda ressaltar que o professor Novais é outro a confirmar a presença no 
Festival de História (fHist),  que acontece entre 7 e 12 de outubro, em Diamantina. Sua participação,  que fechará o evento, se dará exatamente em uma mesa que se discutirá a  participação do historiador na construção da cidadania. Porque, como bem  salientou Novais sobre a indispensabilidade em relação à matéria, "a  História-discurso decorre da necessidade de constituição da memória  social."
Qual é a contribuição do livro "Nova história em perspectiva", para o estudo da História, hoje em dia?
Fernando Novais – Quanto à contribuição do livro,  transferimos essa tarefa para o leitor. É ele que deve julgar se  conseguimos dar uma contribuição; de toda maneira, foi nosso intento.  Sobre o momento da Nova História, essa escola historiográfica tem, sim,  um grau de amadurecimento, que já promoveu muita discussão. Aliás, a  história da historiografia é sempre um balanço das escolas historiográficas. Certamente, a Nova História se tornou establishment  – e isto é abordado em vários textos antologizados, e discutido na  Introdução. Esse debate é um exame de consciência do historiador.
Rogerio Forastieri da Silva – Pretendemos contribuir  para a historiografia da Nova História. Para tanto, selecionamos 41  textos sobre este tema, distribuídos em três rubricas, a saber,  Propostas, Desdobramentos e Debates; a Introdução tenta uma reflexão  geral sobre os textos; procuramos dessa maneira aprofundar o diálogo da  História com as Ciências Sociais.Os textos relativos aos Debates  constituirão o segundo volume a ser editado (brevemente, esperamos).Por  esta via a obra apresenta igualmente um caráter didático, no sentido de  oferecer subsídios para um curso sobre a historiografia contemporânea,  uma vez que se trata da tendência dominante nos meios acadêmicos, e de  apresentar textos de autoria de um número variado de autores de diversas  origens e formações, traduzidos para o nosso idioma, que normalmente  estão dispersos e são de difícil acesso.
Conforme destacamos em nossa Introdução, pareceu-nos oportuno  questionar o "relato fundador" da Nova História, normalmente tratada  como a mais importante contraposição à chamada "Escola Positivista", em  seguida à fundação dos Annales (1929). Propomos definir esta  tendência historiográfica em um quadro de referências mais apropriado,  mais amplo, que é considerá-la do ponto de vista da história geral da  historiografia.
A Nova História data da fundação dos Annales (1929),  reportando-se portanto aos seus responsáveis, Marc Bloch e Lucien  Febvre. Outros associam-na à chamada 'segunda geração' que se segue aos  fundadores, portanto, neste caso, a Nova História liga-se diretamente a  Fernand Braudel; enquanto para outros ainda, a Nova História vincula-se à  chamada "terceira geração", que corresponde aos sucessores de Braudel  na condução dos Annales, entre os quais, destacam-se Jacques Le Goff e Pierre Nora. A Introdução questiona este debate, procurando ultrapassá-lo.
Em qualquer perspectiva, tomando como referencial os cursos de  graduação e pós-graduação de História, pelo menos nos grandes centros  universitários do mundo ocidental, a resposta é afirmativa, isto é, a  Nova História é efetivamente establishment. Isto significa  dizer que a tradicional organização dos cursos de História, associada a  grandes períodos ou grandes temas, de uma maneira geral, cedeu lugar a  cursos de caráter monográfico, mais circunscrito, bem como temáticas  mais específicas.
A "novidade", na historiografia atual, consiste, precisamente, neste debate a que nos referimos e do qual participamos.
 Há  quem pense que a história tenha perdido espaço e importância de 
 influência na sociedade. Outros se posicionam de maneira inversa. 
Qual a  posição dos senhores frente ao cenário atual?
 
Há  quem pense que a história tenha perdido espaço e importância de 
 influência na sociedade. Outros se posicionam de maneira inversa. 
Qual a  posição dos senhores frente ao cenário atual? 
Fernando Novais – A questão da importância e da  influência de um tipo de discurso ou de um domínio de saber possui  várias dimensões. Comecemos pela mais simples: qual a posição da  História em relação às demais Ciências Humanas, por exemplo, nos exames  vestibulares? Em termos de prestígio, nos anos 60 e 70 do século XX, das  Ciências Sociais, a que tinha maior importância era a Sociologia. Nos  anos 80 e 90 passou a ser a Economia. Hoje, a Antropologia e sobretudo  Comunicação e Artes. A História se manteve num ponto intermediário, há  uma certa estabilidade. Não estamos particularmente ameaçados pelo  desemprego. Não há chômage historique à vista. Mais relevante é  a questão teórica. Os historiadores, sobretudo os da Nova História,  tendem a dizer que, a partir do século XIX, as Ciências Sociais  influenciam a História, mas que hoje é a História que influencia as  Ciências Sociais. Os cientistas sociais, por sua vez, não compartilham  esta opinião. Na Introdução, tentamos ultrapassar os termos deste debate  que tem se circunscrito a questões de importância, abrangência,  prestígio. Esperamos tê-lo conseguido.
Rogerio Forastieri da Silva - A História, como  discurso, está associada a uma das dimensões fundamentais da condição  humana – a temporalidade, e portanto, à construção da memória coletiva,  que é, por sua vez, uma componente fundamental de nossa identidade.  Nesta perspectiva, a História não perde "espaço ou importância", na  tradição ocidental, qualquer que seja o "cenário".
Se tomarmos como referencial que o "ofício do historiador" está  associado à "construção da memória coletiva" não há porque afirmar o  "desprestígio do ofício". Na sociedade contemporânea, graças, entre  outros fatores, à presente revolução tecnológica, é possível afirmar que  não há falta de informação. Elas estão disponíveis de forma abundante.  Mas isto não é suficiente. Podemos ser afogados em informações sem que  isto possa acrescentar algo que venha modificar para melhor ou pior as  nossas vidas. O historiador precisamente contextualiza as informações no  tempo e no espaço. Desta contextualização não podemos prescindir. Por  esta via "o aparecimento da Nova História" não está associada ao  "desprestígio do ofício", mas sim ao estabelecimento do diálogo entre a  História e as Ciências Sociais.
Rogerio Forastieri da Silva (continuação) - O  fato de se constatar a antiguidade da história como forma de narrativa  nada tem a ver com que, no século XIX, aspirou-se a transformá-la em  ciência. Desde os gregos, os romanos, passando pelo mundo medieval e  moderno, existiram o que foi chamado alhures de "empenhos  historiográficos", ou seja, não se tratava propriamente de existir a  historiografia como uma área específica do conhecimento, mas havia um  esforço dos historiadores – conforme assinalamos, desde os gregos – de  lerem e avaliarem as narrativas históricas que lhes antecederam e  fazerem os reparos que consideravam pertinentes. Nestes termos, os  esforços de historiadores do século XIX em transformar sua disciplina em  "ciência" tinha por finalidade contrapor-se à forma de narrativa  histórica que foi marcante no século XVIII, à qual alguns historiadores  da historiografia chamaram de "historiografia racionalista" e outros de  "história filosófica" (Cf. Fueter e Burrow) que consistia, entre outros  aspectos, em construir uma narrativa que procurava "extrair lições" para  os coevos. Tais narrativas por vezes extrapolavam em seu papel de  "construção da memória coletiva". A historiografia que se lhe segue no  século XIX – especialmente no interior das tradições culturais germânica  e francesa – questiona a "história filosófica", reitera que a narrativa  histórica possui um compromisso com a verdade e que, por esta razão,  deve cingir-se às "evidências", entendidas naquela época como os  "documentos escritos", e adota alguns métodos e técnicas então  utilizados pelas ciências, daí o caráter dito "científico" da produção  historiográfica daquele período.
O que distingue a narrativa histórica da  narrativa mítica não é o fato da primeira ser verdadeira e a segunda  falsa, mas sim, de que a primeira se ancora na temporalidade e a segunda  se situa na eternidade - Novais
O diálogo, a articulação da história com as demais ciências  humanas, nos dias de hoje, tem se desenvolvido satisfatoriamente? Com o  advento das tecnologias da informação há espaço para um diálogo com  demais ciências que não oriundas das humanas?
Fernando Novais – Não sei se isso abre espaço para  outro tipo de diálogo. Das ciências exatas tenho pouca noção. O que eu  costumo dizer a respeito das ciências exatas não vai contribuir para  esse diálogo. As ciências exatas são, para mim, um tanto quanto  monótonas. Tratam de objetos simples, da natureza. E o ser humano se  distingue da natureza por ter história: "el hombre no tiene naturaleza,  tiene historia" (Ortega y Gasset). De forma que a relação entre as duas  (ciências humanas e desumanas) é obviamente muito complexa. A  objetividade não é a mesma, para dizermos uma platitude. Mas, o que  importa atentar, no caso da História, é que ela é específica do humano.  Não há história da natureza. Como se vê, dissentimos fundamente de M. Le  Roy Ladurie.
Rogerio Forastieri da Silva: É possível afirmar que ao  longo do tempo em que se estabeleceu este diálogo ocorreram diferentes  ênfases em relação às várias Ciências Sociais – Economia, Sociologia,  Antropologia, por exemplo – e quanto ao resultado efetivo nos planos da  pesquisa e dos trabalhos, estes dependeram bastante da erudição e do  talento de cada profissional envolvido. Não é possível generalizar sobre  esta questão. Deve-se assinalar igualmente a expansão das ciências  sociais retrospectivas.
Uma das características da historiografia contemporânea envolve  justamente a inter e a transdisciplinaridade; aí estão portanto  contempladas outras áreas do conhecimento para além das ciências  humanas. Alguns dos textos antologizados apontam nesta direção.
Os senhores escrevem que a história era vista como um gênero  literário até o crescimento das demais ciências humanas. Citaram,  inclusive, a consequente diminuição da importância com a forma,  afirmando que o historiador, hoje, via de regra, "escreve mal". Como o  historiador pode voltar a "escrever bem"? 
Fernando Novais – O que nós fizemos foi estabelecer  uma distinção entre dois momentos na história geral da historiografia. O  século XIX marca o advento das Ciências Humanas, impondo-se o diálogo  entre a História persistente e as novas ciências emergentes. Lembremos en passant  que isto permite caracterizar como "tradicional" a historiografia  anterior ao século XIX e "moderna" a posterior; não é preciso dizer a  razão pela qual a primeira carecia deste diálogo... Isto tem a vantagem,  a nosso ver, de evitar o abuso pejorativo do termo "historiografia  tradicional". Mas teve a desvantagem de que os historiadores, por  desejarem-se cientistas, descuidaram-se da boa escrita, passando muitas  vezes a escrever mal. Veja-se bem, insistimos em dois pontos: primeiro, o  diálogo se impôs, o aparecimento das Ciências Sociais estabelece  necessariamente o diálogo; segundo, esta periodização não implica um  corte epistemológico no fazer da história. O que chamamos ponto de vista  da história geral da historiografia consiste, precisamente, em  considerá-la na sua totalidade, incorporando persistências e mudanças. É  neste sentido que chamamos a atenção para o fato de a História ser  considerada um gênero literário (e, portanto, capítulo nas histórias da  literatura até a Belle Époque).
O historiador não é um poeta, não  "domina" o texto, e muito menos "o passado"; no entanto, insiste em usar  "o texto" para referir-se ao "passado". - Forastieri da Silva 
A isto se liga a questão da cientificidade da História. É convencional  dizer-se que as Ciências Sociais não têm o mesmo grau de objetividade  das Ciências Naturais; e que, dentre as Ciências Sociais, a menos  objetiva é a História. Na Introdução, procuramos ir além destas  constatações. Assumindo o ponto de vista da história geral da  historiografia, lembramos que a História como discurso responde a  demandas diversas daquelas das Ciências Sociais (dada a sua  antiguidade). A História-discurso decorre da necessidade de constituição  da memória social. Não vamos voltar aos desdobramentos destes passos.  Queremos lembrar que a narrativa do acontecimento é parte constituinte  da memória social, a qual também envolve outros componentes, sobretudo o  mito. O que distingue a narrativa histórica da narrativa mítica não é o  fato da primeira ser verdadeira e a segunda falsa, mas sim, de que a  primeira se ancora na temporalidade e a segunda se situa na eternidade. O  que o mito narra já aconteceu, está acontecendo e continuará  acontecendo sempre. Isto é o oposto da narrativa do acontecimento, da  narrativa histórica. A historiografia moderna, tal como a definimos,  exige a veracidade, mas isto não significa que abandone o "télos" da  narrativa, que é o acontecimento. Aliás, como Rogerio já salientou em  uma outra resposta, sempre houve esta preocupação com a veracidade,  desde os gregos. Portanto não acompanhamos, de maneira nenhuma, as  tendências de equalizar a narrativa histórica à literatura por melhores  que sejam os autores que assumam esta postura.
Rogerio Forastieri da Silva – Neste tópico, o  "escrever bem" se circunscreve à erudição e talento de cada  profissional. Consideramos que o historiador, enquanto construtor de  narrativas, poderá se expressar melhor, de forma mais elegante e  agradável se possuir uma cultura literária que se estenda para além dos  horizontes de sua própria disciplina.
Rogerio Forastieri da Silva (continuação) - Enquanto  construtor de narrativas, conforme assinalamos, não há porque negar o  caráter "literário" do texto produzido pelo historiador. Entretanto o  historiador não é um poeta, não "domina" o texto, e muito menos "o  passado"; no entanto, insiste em usar "o texto" para referir-se ao  "passado".  Reiteramos o que já afirmou Arnaldo Dante Momigliano: "a  história possui um compromisso com a verdade" mesmo que o próprio  conceito de verdade possa estar sujeito à discussão. Sabedor que não  poderá atingi-la integralmente, este compromisso norteia o trabalho do  historiador. Caso contrário não estaria preocupado em especificar suas  fontes, suas escolhas e a maneira de apresentar os resultados de sua  atividade profissional.
Esta amplidão indelimitável permitiu aos  historiadores enfrentar a crise dos paradigmas de forma inteiramente  original, qual seja, mudando de assunto - Novais
Como a história é vista dentro da lógica de uma sociedade  liberal como a nossa, em que cada categoria é vista como útil apenas  quando é um mecanismo para dar lucro? Por outro lado, há cada vez mais  um campo profissional e de mercado para o historiador, que não  necessariamente é acadêmico. Como os senhores avaliam esse processo de  tornar a história "útil", ou, usando as suas palavras, "aplicada"?
Fernando Novais – D'abord, num texto teórico  como o da Introdução, uma mesma ideia pode ser recorrente, porque  tratada de vários ângulos. A ideia de que inexoravelmente ajustamos  contas com o passado (Johan Huizinga) ocorre, em primeiro lugar, ao  discutirmos as demandas socioculturais a que responde a  História-discurso. A partir da constatação da antiguidade da História,  observamos que ela – a História-discurso – responde a motivações mais  gerais, muito antigas; ao contrário das outras ciências sociais que  emergem no século XIX. Em seguida, notamos que essa demanda mais antiga e  geral, é a necessidade da narrativa do acontecimento para a  constituição da memória social; o que não ocorre em todas as formações  sociais. Essa necessidade é uma das características basilares da nossa  civilização ocidental e cristã. Pertencemos a uma civilização prenhe de  história: é isto que se expressa com extraordinária beleza nos ensaios  clássicos de Huizinga. As decorrências desta afirmação estão discutidas  em nosso texto; já a questão da "aplicabilidade" da História é de outra  natureza, e se reporta ao grau de objetividade das ciências humanas. As  ciências, repitamos, caracterizam-se por um recorte rigoroso do objeto e  por um método adequado a este recorte. Quanto mais rigorosos e eficazes  estes dois componentes, maior a cientificidade do discurso e maior a  sua aplicabilidade, isto é, a possibilidade de intervenção no real.  Nesse sentido é que as ciências exatas são mais objetivas que as  humanas, e consequentemente as ciências humanas tem um grau menor de  aplicabilidade; como a menos objetiva das ciências humanas, a história  não tem nenhuma aplicabilidade. É neste sentido, e somente neste  sentido, que discutimos a questão em nosso texto. Contudo há uma relação  entre as duas vertentes do problema: é que a narrativa do acontecimento  (História 2) componente indescartável do discurso historiográfico, faz  com que a história não tenha e nem possa ter um recorte rigoroso do seu  objeto. O seu campo é nada menos que todo acontecer humano, de qualquer  tipo, em todo o espaço, durante todo o tempo, isto é, o seu campo é  indelimitável – a infinitude. É isto que está na base da afirmação da  menor cientificidade da história. Ensuite, é preciso notar que a  "aplicabilidade" maior ou menor de uma região do saber não se confunde  com a da sua utilidade. A relação entre "aplicabilidade" e "utilidade" é  permeada pela possibilidade de previsão. A ciência prevê. As ciências  sociais podem prever setorialmente. A história não prevê; é neste  sentido que a expressão "história aplicada" não faz sentido. Tratamos  deste tema na distinção entre ciência social retrospectiva e história.  Não há em história "cenários"; não há história do que não aconteceu.
Fernando Novais (continuação) –
A propósito, entre o que aconteceu e o que não aconteceu, sempre  presentes neste debate, tivemos agora entre nós, o historiador Ribamar  (chamemo-lo, assim) que acaba de inventar uma terceira categoria, "a  história que não devia ter acontecido"...
Last, but not least, queremos mencionar duas outras  decorrências dessa "infinitude do campo da história", que se relacionam  com a última parte da pergunta. Em primeiro lugar é esta amplidão  indelimitável que permitiu aos historiadores enfrentar a crise dos  paradigmas de forma inteiramente original, qual seja, mudando de  assunto. A isto se liga, evidentemente a riqueza e o encantamento do  ofício de historiador. Mas, par contre, em segundo lugar, liga-se a isto o fato inescapável de toda a gente acreditar poder-se improvisar historiador.
Veja-se bem: a formação dos cientistas tem certas características  peculiares (o aparato conceitual e metodológico); a formação do  historiador é uma formação erudita. Isto quer dizer que ao historiador a  formação não é dispensável. Mas, dada a infinitude de seu objeto, a  tentação do não-especialista enveredar para o campo da História é  inevitável. Não vamos exemplificar, mas isto ocorre Urbi et Orbi. Sobretudo com os jornalistas...
Já se vê como isto se liga à questão da profissionalização e do mercado  para o historiador referida na pergunta. O campo profissional do  historiador tem tido um alargamento pequeno: trabalho em arquivos, em  bibliotecas, em museus; assessoria para editoras – ou mesmo para  produções de best sellers ou de telenovelas de  época (sic!),  ou uma certa filmografia de mercado. Fique bem claro: nada temos contra  historiadores, da mais alta qualificação, que exercem essas funções.  Mas é preciso não esquecer nunca: não são livros de história, e como  tal, não integram o corpo da historiografia; da mesma maneira que  telenovelas são artefatos de entretenimento, alheias ao universo da  arte.
A formação do historiador é uma formação  erudita. Isto quer dizer que ao historiador a formação não é  dispensável. Mas, dada a infinitude de seu objeto, a tentação do  não-especialista enveredar para o campo da História é inevitável. Não  vamos exemplificar, mas isto ocorre Urbi et Orbi. Sobretudo com os jornalistas...
Rogerio Forastieri da Silva – Cabe aqui um  esclarecimento. Quando na Introdução afirmamos que "história aplicada"  não faz qualquer sentido queremos com isto dizer que a história não se  presta, como ocorre na ciência, a uma intervenção no real. Em história  não procedemos a um "diagnóstico" de uma situação-problema, e com um  aparato empírico e teórico, interferimos no real no sentido, por  exemplo, de corrigir uma distorção ou melhorar o desempenho deste ou  daquele setor. Mas, ao mesmo tempo, a história cumpre um papel,  independentemente do sistema socioeconômico – desde o passado ao  presente: "do venerável Beda ao venerável Braudel" – de lidar com a  temporalidade porque a "história é a forma espiritual em que uma cultura  acerta contas com seu passado" nas palavras de Johan Huizinga – o que,  por sua vez, constitui, como já aludimos, um componente fundamental de  nossa própria identidade.
Quanto à questão da "aplicação" ou "utilidade" não se trata exatamente  de "trabalho de historiador", mas sim, aqueles que possuem uma formação  acadêmica em história são cada vez mais solicitados a contextualizar o  volume de informações que a presente revolução tecnológica colocou à  nossa disposição. Há que se distinguir o labor do historiador  propriamente dito que envolve – a pesquisa, a elaboração da narrativa,  enfim o "acertar contas com o passado" – de uma consultoria que utiliza o  produto do trabalho dos historiadores para contextualizar de uma forma  apropriada as informações. Finalizando, como já afirmou o professor  Fernando Novais, este trabalho de assessoria é absolutamente legítimo  para os profissionais da história. O que não se pode é ignorar as  distinções que referimos acima.
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Fabrício Augusto Souza Gomes