FONTE: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Durante
aproximadamente um século, o café definiu a imagem interna e externa do
Brasil. Principal produto de exportação de um país que, desde o início
da colonização, teve sua economia voltada para o mercado externo, a
semente do fruto do arbusto da família Rubiaceae determinou todo um perfil econômico, social, político e cultural.
No final do século XIX, com uma produção anual de 9,3 milhões de
sacas, o Brasil atendia a dois terços do mercado internacional. A
produção brasileira elevou-se para 19,9 milhões de sacas na safra de
1906-1907. E atingiu a cifra de 28,9 milhões de sacas na safra de
1929-1930.
Esse crescimento desmedido, que excedia a capacidade de consumo, bem
como as políticas econômicas que viabilizavam o cultivo ao longo da
Primeira República (1889-1930) entraram em colapso em uma quinta-feira
que ficou na história. Foi no dia 24 de outubro de 1929, quando a quebra
da Bolsa de Nova York arrastou toda a economia capitalista mundial para
a Grande Depressão.
As consequências econômicas, sociais e políticas desse episódio no
Brasil são bem conhecidas: crise de superprodução, fim da hegemonia da
oligarquia cafeeira paulista, Revolução de 1930, ascensão de Getúlio
Vargas ao poder. Menos conhecido foi o ato posterior de Vargas para
compensar o Estado de São Paulo pela derrota sofrida na chamada
“Revolução Constitucionalista” de 1932 e ao mesmo tempo fortalecer o
controle federal sobre a produção cafeeira, com a criação da Estação
Experimental de Café de Botucatu, no oeste paulista, em 1934.
Essa história, com suas causas, contexto, principais componentes e consequências, está sendo contada agora pelo livro A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil, de Jefferson de Lara Sanches Júnior, publicado com apoio da FAPESP.
O livro resultou da dissertação de mestrado de Sanches Júnior,
orientada por Cristina de Campos, professora do Departamento de Política
Científica e Tecnológica, do Instituto de Geociências, da Universidade
Estadual de Campinas (IG-Unicamp).
“O trabalho é bastante original porque quase toda a historiografia
produzida no Brasil sobre o café se concentra nos aspectos econômicos,
sociais e políticos, mas há bem poucos estudos sobre as tentativas de
inovação científica e tecnológica. Apesar de Jefferson ter feito uma
pesquisa exaustiva e abrangente, seu livro enfatiza exatamente esse
aspecto, quase sempre negligenciado”, disse Campos à Agência FAPESP.
Como fontes primárias, Sanches utilizou os relatórios produzidos na
Estação Experimental de Café de Botucatu no período de 1934 a 1945. E
também artigos e livros escritos pelos idealizadores dessa instituição,
bem como boletins do Ministério da Agricultura e periódicos publicados
na cidade de Botucatu no período. Além disso, como fontes secundárias,
ele percorreu a vasta bibliografia produzida sobre o café no Brasil.
Segundo o historiador, atualmente doutorando na Unicamp em História
Social da Ciência e Tecnologia no Programa de Pós-Graduação de Política
Científica e Tecnológica, o objetivo principal da Estação Experimental
de Café de Botucatu foi promover a melhoria da cafeicultura brasileira,
pois, apesar da liderança mundial do país em termos quantitativos, o
produto oferecido pelo Brasil aos consumidores internacionais era bem
inferior ao de algumas nações concorrentes, como a Colômbia, por
exemplo.
“A estação buscava atender especialmente as novas lavouras surgidas
no Estado de São Paulo, nas áreas alcançadas pelas ferrovias da Alta
Sorocabana, da Alta Paulista e da Noroeste, abarcando as regiões de
Botucatu, Bauru, Ourinhos, Marília, Assis, Presidente Prudente, rumo às
barrancas do rio Paraná, a oeste, e do rio Paranapanema, a sudoeste. O
café produzido nessas regiões, em propriedades pequenas e médias, era
pior do que o das regiões mais antigas, da Baixa Paulista e da Mogiana,
especialmente Ribeirão Preto e Franca. Essas áreas de cafeicultura
antiga, dominadas pelas grandes propriedades, já eram atendidas pelo
Instituto Agronômico de Campinas”, afirmou.
A estação havia sido pensada na Primeira República, nos anos 1920. Mas só foi realmente efetivada na década de 1930, após o crack
da Bolsa, a crise de superprodução, a queima de 40% da produção de café
para sustentar o preço no mercado internacional, também conhecida como
“cota de sacrifício”, e o processo de centralização do poder empreendido
por Vargas após a Revolução de 1930 e a derrota da oligarquia paulista
em 1932.
Para viabilizar o projeto, o governo federal adquiriu duas das muitas
fazendas que haviam pertencido ao Barão de Serra Negra, um dos maiores
cafeicultores do Segundo Reinado, datadas da década de 1880. Inaugurada
com grande publicidade pelo ministro da Agricultura Odilon Braga (1894 –
1958) em 1934, a estação iniciou suas atividades no ano seguinte, e
continuou a funcionar até 1972, quando seu espaço físico passou a
abrigar o campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu.
“Além do grave revés sofrido pela cafeicultura brasileira com o crack
da Bolsa, o contexto caracterizava-se também pela decrepitude dos
cafezais da Baixa Paulista e da Mogiana. A chamada ‘vida útil’ de um
cafezal, sua fase mais pujante, é da ordem de 20 anos. A planta começa a
produzir com cinco e produz de forma constante até os 25. A partir
dessa idade, inicia-se o processo de senescência”, informou Sanches.
“Esses cafezais antigos remontavam à década de 1870. E havia a
necessidade de reparos e replantio. Ademais, depois da crise de 1929,
muitas lavouras de café antigas foram substituídas por outras culturas
agrícolas, como o algodão e os cítricos. Então, enquanto no ‘oeste
histórico’ do Estado de São Paulo começava a ocorrer uma diversificação
da agricultura, o polo dinâmico da cafeicultura deslocou-se para o ‘novo
oeste’”, prosseguiu.
Esse “novo oeste”, situado naquilo que era considerado a “boca do
sertão”, onde terminava a “civilização do homem branco” e começavam as
“terras dos índios”, e integrado ao território nacional pela rede
ferroviária, passou a concentrar as esperanças da cafeicultura
brasileira. Mas, para melhorar a qualidade do café nele produzido, era
necessário um processo de inovação tecnológica.
“Criou-se muita euforia em torno do projeto da estação experimental,
que definiu um modelo baseado na experiência da Colômbia. Foram testadas
técnicas de hibridação das plantas e prosperou a ideia do sombreamento
dos cafezais, para que pudesse ser colhido o fruto maduro, chamado de
‘cereja’ devido à sua cor vermelha. A expectativa era que, colhido
maduro, despolpado e processado, o café de tipo arábica produzido nas
novas regiões proporcionaria uma ‘bebida mole’, isto é, uma bebida de
acidez equilibrada e mais palatável, como a derivada do café colombiano,
o favorito dos consumidores norte-americanos”, detalhou Sanches.
Além da melhoria do produto, havia a perspectiva de combate à
broca-de-café, um parasita que se instalou nos cafezais paulistas na
década de 1920 e fazia com que, muitas vezes, uma saca de 60 quilos só
contivesse 17 quilos de grãos aproveitáveis.
Mas a inovação pretendida não ia além desse ponto. O beneficiamento
do café exportado cumpria as seguintes etapas: colheita, secagem nos
grandes terreiros, descascamento, lavagem e torra. O restante do
processo, que incluía a moagem, o porcionamento e o empacotamento, era
realizado nos países compradores.
Produção sem inovação
Mesmo limitadas, as mudanças pretendidas teriam configurado uma
verdadeira revolução tecnológica na cafeicultura. Mas – e este não foi
um caso isolado na história do Brasil – não chegaram a ser
implementadas.
Não foram porque a inovação tecnológica produz frutos no médio e
longo prazos, enquanto que medidas macroeconômicas, como corte de
impostos e rebaixamento do câmbio, geram resultados praticamente
imediatos. Em 1937, logo após a instalação do Estado Novo, houve uma
revisão dos impostos sobre o café. Isso incentivou os cafeicultores a
tocar os negócios como antes, sem investir em tecnologia.
“Ademais, em 1941, com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra
Mundial, o governo norte-americano passou a implementar a chamada
‘Política da Boa Vizinhança’, visando cooptar os países
latino-americanos para o esforço de guerra”, disse Sanches.
“No caso brasileiro, um dos aspectos dessa política foi a assinatura
de acordo comercial para a compra do café. Com a venda garantida, os
cafeicultores desinteressaram-se ainda mais pela inovação. E isso
inviabilizou de vez a introdução de ciência, tecnologia e inovação na
cafeicultura durante aquele período”, completou.
Quanto à Estação Experimental de Botucatu, passada a euforia inicial,
a proposta esmoreceu. Chamada de “a encyclopédia viva da moderna
cultura cafeeira no Brasil” pelo ministro Odilon Braga por ocasião de
sua inauguração, frase transformada no título do livro em pauta, a
instituição foi perdendo paulatinamente importância. E, já no final do
Primeiro Governo Vargas, em 1945, precisou diversificar o seu foco,
passando a tratar também de outros produtos, como arroz, essências
florestais e óleos essenciais.
Apesar da revolução abortada, a cafeicultura brasileira continuou a
dominar o mercado internacional. “Como lembrou o pesquisador
norte-americano Steven Topik, o país foi líder inconteste até o ano
2000”, ressaltou a professora Cristina de Campos.
De fato, com uma produção de 43,2 milhões de sacas de 60 quilos em
2015, o Brasil permanece o primeiro produtor mundial, seguido do Vietnã
(27,5 milhões de sacas), Colômbia (13,5 milhões de sacas), Indonésia (11
milhões de sacas) e Etiópia (6,4 milhões de sacas) – dados da
Associação Brasileira da Indústria de Café. Mas, só em época
relativamente recente, e visando atender novos nichos de mercado no país
e no exterior, caracterizados por padrões exigentes, é que alguns
produtores passaram a investir em café de alta qualidade.
A encyclopédia viva da moderna cultura cafeeira no Brasil
Autor: Jefferson de Lara Sanches Júnior
Editora: Editora UFABC
Ano: 2015
Páginas: 222
Preço: R$ 39,90 Mais informações: http://editora.ufabc.edu.br/index.php/ciencias-sociais/22
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