Pesquisa
mostra que manuais e cursos de formação para professores das escolas
primárias ajudaram a difundir o método do pedagogo belga (Aplicação do Método Decroly em escola francesa no final dos anos 1940 / foto: Ecoles Nouvelles)
07 de maio de 2015
Fonte: Por José Tadeu Arantes | Agência FAPESP –
Jean-Ovide Decroly (1871-1932) foi um aluno rebelde. Sua oposição ao
ensino autoritário e a recusa em frequentar as aulas de catecismo
fizeram com que fosse expulso de várias escolas. Mas esse belga
formou-se em medicina, com especialização em neurologia, e tornou-se um
dos mais importantes protagonistas do movimento por uma nova educação.
A
ideia central do método de Decroly é a dos “centros de interesse” como
eixos estruturantes do currículo, que permitem a expressão da motivação
espontânea do aluno e, ao mesmo tempo, abrem caminho para a aquisição de
novos conhecimentos.
O
processo de aprendizagem se desdobraria em três fases: observação (não
como técnica, mas como atitude diante da realidade), associação
(possibilitando a integração no espaço e no tempo dos conhecimentos
adquiridos por meio da observação) e expressão (concreta, por meio de
desenho livre, de trabalhos manuais e outros; ou abstrata, por meio, por
exemplo, do texto escrito ou da linguagem matemática).
Embora
sejam pouco conhecidas fora do círculo dos especialistas em história da
educação, as concepções de Decroly – ou, melhor, uma adaptação delas –
tiveram grande difusão e repercussão na educação brasileira do fim dos
anos 1920.
O tema foi tratado no artigo Translating Ovide Decroly’s ideas to Brazilian teachers, publicado por Alessandra Arce Hai, Frank Simon e Marc Depaepe na Paedagogica Historica, uma das principais revistas em história da educação.
Professora
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Hai escreveu o artigo
no período em que atuou como professora visitante na Universidade
Católica de Leuven, na Bélgica, com apoio de Bolsa de Pesquisa no Exterior da FAPESP.
Simon,
professor emérito da Universidade de Ghent (Bélgica), e Depaepe,
vice-reitor de Leuven, os dois coautores do artigo, são considerados os
maiores especialistas na obra de Decroly.
“Nossa
pesquisa buscou entender como as ideias de Decroly foram apropriadas,
difundidas e transformadas no Brasil. As traduções de seus livros foram
realizadas entre 1928 e 1930, ainda durante a vida de Decroly, em uma
época na qual ocorreram no país várias reformas educacionais, buscando a
inovação pedagógica”, disse Hai à Agência FAPESP.
Para
esse processo, denominado “Movimento das Escolas Novas”, a metodologia
dos “centros de interesse”, adaptada e simplificada conforme as
condições da sociedade brasileira, forneceu importante aporte teórico e
orientação prática.
O
principal laboratório dessa experimentação pedagógica foi propiciado
pela reforma educacional do Rio de Janeiro em 1928, com importante apoio
de Fernando de Azevedo, na época diretor do Departamento de Instrução
Pública do então Distrito Federal.
Segundo
o artigo, havia, da parte de vários intelectuais da época, a opinião de
que o Brasil ainda não era um país propriamente “civilizado”. Como
medida “civilizadora” urgente, capaz de “republicanizar a república”,
esses preconizavam uma combinação de educação e medicina, junto com
medidas sanitárias e higiênicas.
“Fernando
de Azevedo acrescentou o objetivo de produzir reformas sociais à
escolarização, enfatizando a qualidade em vez de apenas trabalhar para
eliminar o analfabetismo por meio da instrução”, ressaltam os
pesquisadores. Azevedo e seus colaboradores consideravam que a escola
produziria a pressão para as necessárias mudanças sociais.
Nesse
contexto, a ideia de “centros de interesse” teve grande difusão e
aplicação em programas de ensino no Rio de Janeiro e também em Minas
Gerais. Artigos, livros e manuais para professores foram publicados.
Conferências, seminários e cursos foram oferecidos. “O público-alvo era
de professores do ensino primário e os responsáveis por aquilo que
chamamos hoje de educação infantil”, disse Hai.
Centros de interesse
Como
médico, Decroly estudou o desenvolvimento infantil com bastante
detalhamento, tendo escrito várias obras nos campos da neurologia e da
psicologia. E suas concepções pedagógicas foram embasadas nesses
estudos.
“Mas
a metodologia dos ‘centros de interesse’ foi adaptada no Brasil de
forma bastante simplificada, como a possibilidade de o professor
trabalhar com os alunos não por disciplinas mas por temáticas. A partir
de uma temática, como, por exemplo, ‘animais’, o professor conduziria os
alunos por várias áreas do conhecimento”, comentou Hai.
No artigo publicado na Paedagogica Historica,
para interpretar a assimilação do pensamento de Decroly no contexto
brasileiro, os autores recorreram à ideia da antropofagia, lembrando que
o Manifesto Antropofágico, de Oswald de Andrade, foi publicado no mesmo ano de 1928.
Juntamente
com outros teóricos da nova educação, como o norte-americano John Dewey
(1859-1952) e o alemão Georg Kerschensteiner (1854-1932), o belga
Decroly foi deglutido e digerido na ocasião, do “jeito brasileiro”.
Como
reminiscência desse banquete antropofágico, restou para a educação
brasileira da atualidade a metodologia dos projetos, como eixos capazes
de perpassar a grade curricular, apontam os pesquisadores.
O artigo Translating Ovide Decroly’s ideas to Brazilian teachers (DOI:10.1080/00309230.2015.1021361), de Alessandra Arce Hai e outros, pode ser lido por assinantes da Paedagogica Historica em www.tandfonline.com/eprint/Htj99UQ9uAsRfiTDVNTu/full.
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