A formação econômica e social do Brasil sob nova ótica
Fonte: PRAVDA.ru Em
Portuguese 26.03.2013
A historiografia econômica brasileira marcou-se
pela elaboração, ainda na primeira metade do século XX, de uma interpretação
acerca do processo de formação econômica e social do Brasil assentada na ênfase
posta na produção para exportação.
Iraci del Nero da Costa *
José Flávio Motta **
1. O modelo de Caio Prado
Júnior
A historiografia econômica brasileira marcou-se
pela elaboração, ainda na primeira metade do século XX, de uma interpretação
acerca do processo de formação econômica e social do Brasil assentada na ênfase
posta na produção para exportação. Assim, em Formação do Brasil
Contemporâneo: Colônia, publicado em 1942, Caio Prado Júnior explicitava o
sentido da colonização, conceito fundamental a embasar a aludida
interpretação: "No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional,
a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais
completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela,
destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do
comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização
tropical,de que o Brasil é uma das resultantes: e ele explicará os elementos
fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução
históricas dos trópicos americanos. {...} Se vamos à essência da nossa formação,
veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns
outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café,
para o comércio europeu. Nada mais que isto. E com tal objetivo, objetivo
exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem
o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia
brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as
atividades do país." (PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil
Contemporâneo: Colônia. 17a. ed., São Paulo: Brasiliense, 1981, p.
31-32).
É sabida, e indiscutível, a importância do
modelo interpretativo proposto por Caio Prado Júnior para a compreensão de
nossa formação histórica. Todavia, ainda que tenha sido inegável a relevância
ímpar, nas etapas colonial e imperial da história brasileira, das atividades
direcionadas à exportação, sedimentava-se na historiografia um viés
exportador, que passava a nortear os trabalhos produzidos na
área.[i] Em outras palavras,
no modelo pradiano ao se "{...} pensar a constituição da economia brasileira
como uma mera projeção imediata do capital comercial no plano da produção
{...} perde-se de vista, assim, o que hodiernamente chamaríamos 'Brasil real' e
se privilegia desmesuradamente o 'Brasil exportacionista', vale dizer, o
segmento econômico voltado para os mercados mundiais." (COSTA, Iraci del
Nero da. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior. Cadernos
NEHD, n. 3. São Paulo: NEHD-FEA/USP, 1995, p. 3-4).[ii] Patenteiam-se,
dessa forma, as limitações características do modelo em questão, pois, neste
Brasil real, "{...} as articulações presentes na sociedade
brasileira sobrepujavam largamente um mero empreendimento dirigido pelo capital
comercial e imediatamente voltado para o mercado mundial e dele totalmente
dependente. Neste sentido tratava-se de urna economia com expressivos traços de
integração endógena e que comportava uma gama diversificada de atividades
produtivas votadas para o atendimento de suas próprias necessidades, dando-se,
também, processos internos de acumulação. Disto decorria a geração, na órbita
doméstica, de condições que permitiam um espaço econômico relativamente
autônomo vis-à-vis a economia internacional e o capital comercial, espaço
econômico este ao qual, ademais, deve-se atribuir expressivo contributo no que
tange à formação da renda e do produto." (COSTA, op. cit., 1995,
p. 20).
2. Algumas críticas ao modelo pradiano
As críticas ao modelo de Caio Prado Júnior, que
marcam o evolver da historiografia a partir de meados dos anos 1960 e,
sobretudo, no decênio de 1970, não obstante as discrepâncias, muitas vezes de
fundo, que as diferenciam umas das outras, apresentam a característica comum de
defenderem a necessidade, para um melhor entendimento do processo de formação
econômica e social do Brasil, de se voltar a atenção, essencialmente, para o
universo colonial, propugnando-se uma efetiva inflexão "para dentro" da
economia brasileira. Compondo as criticas aludidas, destacam-se as
interpretações de Antônio Barros de Castro, Ciro Flamarion S. Cardoso e Jacob
Gorender.
Para Castro, mais além da finalidade de servir
aos interesses do comércio europeu, punha-se à estrutura socioeconômica
estabelecida na colônia brasileira a tarefa de reproduzir-se a si mesma: "A
produção em massa de mercadorias cria raízes no Novo Mundo, objetivando-se sob a
forma de um complexo aparato produtivo. O 'objetivo' maior desta realidade - o
seu 'sentido' se se quiser - lhe é agora inerente: atender as suas múltiplas
necessidades, garantir a sua reprodução. Em tais condições o comércio
é estruturalmente recolocado e os interesses mercantis - bem como os da Coroa -
terão necessariamente de ter em conta as determinações que se estabelecem no
nível da produção. Em outras palavras, a forma pela qual os interesses externos
atuam sobre a colônia passa a depender 'primeiramente da sua solidez e da sua
estrutura interna'. O 'projeto' colonial e/ou mercantilista subsiste, sem
dúvida; o seu raio de incidência - especialmente em conjunturas adversas - fica
no entanto severamente limitado pelo surgimento na colônia de uma estrutura
socioeconômica, com seus elementos de rigidez, suas regularidades, seus
interesses e, por último, mas também importante, pelos conflitos que lhe são
próprios." (CASTRO, Antônio Barros de. A economia política, o capitalismo
e a escravidão. In: AMARAL LAPA, José Roberto do (org.). Modos de produção e
realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 88-89). 3
Proposição semelhante é evocada por Gorender:
"Focalizando agora a linha de interpretação que se concentrou no mercado e
dele fez a chave explicativa da economia colonial, constatamos um resultado
invariável desse procedimento metodológico: a sobreposição da esfera da
circulação às relações de produção. {...} A desobstrução metodológica impõe a
inversão radical do enfoque: as relações de produção da economia colonial
precisam ser estudadas de dentro para fora, ao contrário do que tem sido feito,
isto é, de fora para dentro." (GORENDER, Jacob. O escravismo
colonial. 4a. ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 6-7). Como corolário da
"inversão radical" por ele proposta, Gorender desenvolve o conceito de modo de
produção escravista colonial, com o qual pretende dar conta do processo de
formação econômica da colônia brasileira. Na mesma direção - e com
anterioridade - caminha a critica de Ciro Flamarion Cardoso ao circulacionismo e
à chamada "teoria do capitalismo comercial": "el carácter de uma formación
económica y social debe buscarse básicamente en la esfera de la
producción". Para Cardoso, ademais, a rejeição à ênfase desmedida na
esfera da circulação, aliada à crítica igualmente contundente ao dogmatismo
presente no esquema stalinista de evolução das sociedades, implica a
especificidade do regime colonial: "en mi opinión, la especificidad de las
estructuras internas coloniales y de su génesis histórica {...} impone la
elaboración de uma teoria de los modos de producción coloniales,
partiéndose del principio que dichas estructuras son específicas
y dependientes." (CARDOSO, Ciro Flamarion S. Severo Martínez Peláez y
el caráter del régimen colonial. In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat et
alii. Modos de producción en América Latina. 3a.ed. Córdoba:
Cuadernos de Pasado y Presente, Buenos Aires: Siglo XXI, 1975, p.
86).
3. A produção historiográfica recente
A década de 1970, além dos desenvolvimentos
teóricos referidos no item 2 acima, colocou-se igualmente como marco inicial de
produção de um vasto material historiográfico assentado na integração de fontes
primárias de variados tipos. Essa produção - na qual se inserem com destaque os
trabalhos realizados no campo da demografia histórica 4 - evidenciou, à
saciedade, a relevância dos processos econômicos que se davam na órbita
interna da economia brasileira e, por essa via, corroborou, com farto
embasamento empírico, a insuficiência da "visão exportacionista" à
la Caio Prado. Mais ainda, essa mesma produção historiográfica, amiúde
de caráter monográfico, ao ilustrar, cabal e inequivocamente, a multiplicidade
e a complexidade definidoras do universo colonial, tornou igualmente evidentes
as limitações postas no plano teórico em decorrência da utilização do conceito
de modo de produção colonial.
Assim, por exemplo, como lidar, no âmbito de um
modo de produção escravista colonial, com o largo segmento formado pelos
indivíduos não-proprietários de cativos? Afinal, tais indivíduos, conforme
verificado por Iraci Costa (COSTA, Iraci del Nero da. Arraia-miúda: um
estudo sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. São Paulo: MGSP,
1992), dominavam amplamente a produção de mantimentos (arroz, feijão, milho,
mandioca), de algodão e a pesca; eram, em suma, "{...} participes ativos do
mundo produtivo. Faziam-se presentes em todas as culturas, mesmo nas de
exportação, vinculavam-se às lidas criatórias, ao fabrico e/ou beneficiamento
de bens de origem agrícola e compareciam com relevo nas atividades artesanais.
Suas apoucadas posses, é evidente, limitavam e condicionavam sua presença, a
qual, não obstante, não pode ser negada nem deve ser subestimada."
(COSTA, op. cit., 1992, p. 111).
4. O "mosaico de formas não-capitalistas de
produção"
Tornou-se, portanto, patente, a dificuldade de
integrar, às interpretações vigentes acerca de nossa formação econômica e
social, a complexidade e riqueza características da realidade Colonial
brasileira. Essa realidade não se via apreendida pelas análises centradas quase
exclusivamente nas atividades de exportação; de outra parte, dita realidade
"vestia", com evidente desconforto, a camisa-de-força representada pelo conceito
de modo de produção.
Os anos 1990 trouxeram à luz duas importantes
tentativas de superar o impasse vivenciado pela historiografia. Em uma delas,
explicitada no trabalho de Fragoso (FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Homens de
grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro
(1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992), a crítica aos modelos
explicativos tradicionais é acompanhada da ênfase no conceito de formação
econômico-social, trazido ao cerne da análise com o intuito de superar as
limitações postas pela noção de modo de produção. O avanço historiográfico das
últimas décadas é incorporado pelo autor enquanto compondo um "mosaico de formas
não-capitalistas de produção", manifesto na produção escravista de alimentos no
Rio de Janeiro, no complexo agropecuário que se estabelece na região das Minas
Gerais, com base no trabalho de escravos e camponeses e direcionado para o
abastecimento interno, nas fazendas de criação e na agricultura de alimentos
presentes em São Paulo e, por fim, na região sul, na produção camponesa de
alimentos, na charqueada escravista e nas estâncias gaúchas.
Nas palavras de Fragoso: "a
existência de um mercado doméstico e de segmentos produtivos para
ele voltados introduz um novo elemento na lógica de funcionamento da formação
colonial - referimo-nos à possibilidade de reproduções endógenas. {...} o
processo de reprodução desses segmentos se dá em meio ao mercado interno,
constituindo-se, assim, em movimentos de acumulações introversas na economia
colonial. Disso infere-se uma maior possibilidade de retenção do sobretrabalho
na própria economia colonial e, portanto, de autonomia dessa última, diante
de flutuações externas. {...} Em realidade, a possibilidade de se apreender os
movimentos de acumulação endógena à economia colonial prende-se à compreensão
dessa última enquanto formação econômico-social. Desse modo, aquela acumulação
resultaria, a princípio, da interação mercantil dos processos de reprodução do
escravismo colonial com os setores produtivos ligados ao mercado doméstico."
(FRAGOSO, op. cit., 1992, p. 131-132).
A interpretação proposta por Fragoso apresenta-se
passível de crítica em dois aspectos fundamentais. Em primeiro lugar, o
entendimento da economia colonial enquanto formação econômico-social encobre,
mas não resolve, a impropriedade presente na utilização do conceito de modo de
produção ("problema" que Fragoso, aliás, compartilha com Ciro Cardoso e Jacob
Gorender): "A impropriedade está, justamente, em conceber abstra-tamente o
conjunto de categorias 'modos de produção'. Segundo nossa visão, os distintos
modos de produção identificados por Marx devem ser entendidos como um continuum
do qual o capitalismo ê o ponto culminante, e o é porque, a partir de sua
efetivação, a história, além de se fazer universal, conhece uma mudança
qualitativa, de sorte que se torna impossível dissociar as distintas sociedades
ou áreas do planeta - a solidariedade que as une é dada e explicada pelo capital
e pelo capitalismo. Disto se infere, em primeiro, a impossibilidade de
emparelharmos os distintos modos de produção - ao fazê-lo operamos uma
abstração -; em segundo, a impertinência de 'procurarmos' novos modos de
produção depois de fundada, pelo capitalismo, a história universal. Posta esta
e, correlatamente, o mercado mundial, persiste, apenas, o modo de produção
capitalista - que a tudo ilumina, parafraseando a imagem clássica. Segundo
nossa leitura de Marx, a superação 'deste' modo de produção significa a
superação da própria categoria, a pré-história devirá história; o homem, até
então pressuposto, devirá sujeito." (COSTA, Iraci del Nero da. Nota
sobre a não existência de modos de produção coloniais. São Paulo:
IPE/USP, 1985, p. 3). 5
O segundo dos aspectos fundamentais da
interpretação de Fragoso que deve ser sopesado diz respeito à radicalização da
crítica ao modelo de Caio Prado Júnior mediante a defesa de uma reprodução
autônoma da economia brasileira. Há, aqui, que reproduzir o seguinte
questionamento, de Ciro Cardoso: "Tendo combatido por muitos anos as
posturas que enfatizam unilateralmente as relações metrópole-colônia ou
centro-periferia, a extração de excedentes, o capital mercantil (hipostasiado em
'capitalismo comercial') e mais em geral a circulação de mercadorias como locus
explicativo privilegiado, só posso me regozijar com esses novos e sólidos
argumentos {dos estudos preocupados em evitar o viés exportador -
INC/JFM}. Desde que, também neste caso, não se ceda à tentação de mais uma
ênfase unilateral. {As análises que incorporam tais argumentos INC/JFM}
não estarão esquecendo exageradamente, empurrando um tanto para fora do
horizonte, a dependência colonial e neocolonial - e as determinações e
condicionamentos que ela sem qualquer dúvida implicava (ainda que tais análises
tenham demonstrado que algumas das determinações imputadas a
fatores externos eram falsas)? Fique como questão a ser pensada esta minha
dúvida." (CARDOSO, Ciro Flamarion S. et alii. Escravidão e abolição no
Brasil: novas perspectivas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p.
58).
5. O capital escravista-mercantil
A segunda das interpretações trazidas à luz nos
anos 1990 e que aqui se deseja salientar é aquela centrada no conceito de
capital escravista-mercantil, elaborada por Costa & Pires. 6 Por um lado, preocupa-se em
fugir à radicalização da crítica ao modelo pradiano. Dessa forma, ainda que se
tenha em mente a complexidade da realidade colonial, cada vez mais esmiuçada
pela historiografia no decurso dos últimos lustros, não se nega que a sociedade
escravista moderna "{...} é a própria encarnação da dependência com respeito
ao mundo exterior, seja quanto à colocação de parcela substantiva do produto
gerado, seja no respeitante à sua própria manutenção no tempo, pois necessitava,
crucialmente, do fornecimento externo de mão de obra cativa." (COSTA,
op. cit., 1995, p. 25). 7
Nessa perspectiva, a critica a Caio Prado assume
o seguinte teor: a limitação que marca seu modelo "{...} deveu-se ao fato de
ele haver transposto para o plano fenomênico, sem as necessárias e devidas
mediações, elementos próprios do que considerou a essência de nossa
formação e da sociedade aqui constituída. Reduzido, assim, o plano do concreto,
ao que se poderia entender ser seu determinante em última instância, a
elementos de sua pretensa 'essência' - que não se exaure em tais elementos,
diga-se com ênfase -, resta-nos um caricatura de vida econômica e social,
desfigurada, rígida, descarnada, apartada da experiência do dia a dia,
perdem-se a especifícidade e as peculiaridades do escravismo moderno {...} e se
fica ás voltas com um 'sentido' abstrato, imaterial, que faz com que nos
sintamos tão incomodados, tão 'desconfortáveis' quando confrontamos nossa
visão daquela sociedade com a que derivamos da leitura dos escritos de Caio
Prado Júnior." (COSTA, op. cit., 1995, p. 26).
De outra parte, a categoria capital
escravista-mercantil substitui, na interpretação ora enfocada, o papel
desempenhado pelo modo de produção (em Gorender e Ciro Cardoso) e pela formação
econômico-social (em Fragoso): "Assim, no caso da colônia lusa em terras
americanas, a criação da mais-valia decorria da ação do capital
escravista-mercantil, vale dizer, embora isolado dos mercados externos e,
portanto da órbita da circulação {...}, a esfera da produção interna colocava-se
inteiramente em sua órbita e era dominada pelo capital escravista-mercantil. Tal
dominância, que não deve ser entendida em termos absolutos, estendia-se à
produção de mercadorias (exportáveis ou não), de valores de uso e de serviços,
abarcando também a alocação de fatores e recursos e espraiando-se pela
circulação interna. Afetava, ainda, a geração e distribuição da renda, a escala
da produção, o tamanho das plantas instaladas, as técnicas utilizadas e os
elementos afetos à qualificação da mão de obra. Enfim, sua presença
condicionava toda a economia colonial, bem como as relações estabelecidas no
processo de produção, projetando-se, ademais, na vida social e política da
colônia. Disso deve-se inferir que os segmentos sociais e econômicos não
vinculados imediatamente ao escravismo também se viam influenciados e, em
larga medida, determinados {...} pelo capital escravista-mercantil {...} o qual
só podia se comunicar com o mundo que lhe era externo mediante a intermediação
do capital comercial." (PIRES, Julio Manuel & COSTA, Iraci del Nero da.
O Capital Escravista-Mercantil e a escravidão nas Américas. São Paulo,
EDUC/FAPESP, 2010, p. 21-22 e 23)
A caracterização do capital escravista-mercantil
- sua "onipresença" - sedimenta, outrossim, a crítica aos modelos
interpretativos que o antecederam, pois "{...} é justamente em
tamanha dominância que se assenta o engano daqueles que pensam encontrar aqui o
assim chamado 'escravismo capitalista' ou propugnam pela existência de um
pretenso modo de produção colonial." (PIRES & COSTA, op. cit.,
2010, p. 22). Adicionalmente, a riqueza e, ao mesmo tempo, "simplicidade"
teórica do conceito capital escravista-mercantil evidencia o profícuo
caminho trilhado pela historiografia, em termos da discussão, sempre
bem-vinda, do processo de formação econômica e social do Brasil, calcada agora
em categorias originais e mais adequadas à nossa realidade, superando-se, assim,
o vezo próprio dos que têm tentado explicar o aludido processo com base na
utilização de um universo conceptual erigido, sobretudo, em termos do
desenvolvimento histórico observado na Europa Ocidental.
* Professor Livre-docente aposentado da
Universidade de São Paulo.
** Professor Livre-docente da Universidade de São
Paulo.
NOTAS
[i] Caso, por exemplo, de FURTADO, Celso.
Formação Econômica do Brasil. 17a. ed., São Paulo: Nacional, 1980 e de
NOVAIS, Fernando Antônio. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema
colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979.
[ii] Compondo igualmente este viés exportador,
a própria população brasileira viu-se enfocada mediante a ênfase nos
contingentes particularmente presentes na produção para exportação, isto é, a
mão de obra escrava e o conjunto dos proprietários de cativos, relegando-se os
demais à marginalidade econômica e social. Dessa forma, assevera Prado Júnior:
"Entre estas duas categorias {senhores e escravos - INC/JFM}
nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização,
comprime-se o número, que vai avultando com o tempo, dos desclassificados, dos
inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e
aleatórias ou sem ocupação alguma. {...} O número deste elemento indefinido
socialmente, é avantajado {...} compreenderia com certeza a grande, a imensa
maioria da população livre da colônia. Compõe-se, sobretudo, de pretos e
mulatos forros ou fugidos da escravidão: índios {...}; mestiços de todos os
matizes e categorias {...}; até brancos, brancos puros, e entre eles, {...} até
rebentos de troncos portugueses ilustres {...}; os nossos poor white, detrito
humano segregado pela colonização escravocrata e rígida que os vitimou."
(PRADO JÚNIOR, 1981, p. 281-282).
3 Saliente-se que a crítica de Castro é
igualmente pertinente quando se toma o enfoque teórico de Fernando Novais acerca
do sentido da colonização: "{...} a colonização do Novo Mundo, na
Época Moderna, apresenta-se como peça de um sistema, instrumento da
acumulação primitiva da época do capitalismo mercantil. Aquilo que {...}
afigurava-se como um simples projeto, apresenta-se agora consoante com o
processo histórico concreto de constituição do capitalismo e da sociedade
burguesa. Completa-se, entrementes, a conotação do sentido profundo da
colonização: comercial e capitalista, isto é, elemento
constitutivo no processo de formação do capitalismo moderno" (NOVAIS, op.
cit., 1979, p. 70). Sobre esta abordagem, escreve Castro: "Observe-se
que, para efeitos da interpretação da estrutura econômico-social da colônia, o
fato de que em Novais o 'sentido último' é dado pela 'aceleração da acumulação
primitiva de capitais' {...}, e não pelos interesses do comércio europeu (como
quer Caio Prado), em pouco ou nada os diferencia. A substituição do 'objetivo'
pelo 'significado' apenas evita (ou melhor, oculta) a teleologia patente em Caio
Prado" (CASTRO, op. cit., 1980, p. 88, nota de rodapé n.
74).
4 Acerca da contribuição da demografia histórica
à historiografia brasileira ver MOTTA, José Flávio. Contribuições da
demografia histórica à historiografia brasileira. In: Anais do IX Encontro
Nacional de Estudos Populacionais. Belo Horizonte: ABEP, 1994, vol. 3, p.
273-295.
5 Sobre o entendimento do capitalismo como forma
superior e derradeira da existência natural da sociabilidade humana, ver MOTTA,
José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da história, o inicio da
história. Informações Fípe. São Paulo: FIPE, n. 172, p. 20-23,
janeiro/1995 e MOTTA, José Flávio & COSTA, Iraci del Nero da. O fim da
história, o inicio da história: um adendo. Informações Fipe. São
Paulo: FIPE, n. 174, p. 21-23, março/1995.
6 Para uma visão pormenorizada da categoria
"capital escravista-mercantil" veja-se:
7 Este último elemento da dependência da
sociedade escravista, cabe frisar, não se vê absolutamente negado quando, como o
faz Fragoso, "{...} consideramos o tráfico atlântico, desde meados do século
XVIII, como um negócio interno à economia do Sudeste brasileiro. E isso por uma
boa razão: ele era controlado por negociantes residentes no Brasil. Esse
fenômeno transformava tal negócio em uma operação integrada aos movimentos de
acumulação interna à economia colonial" (FRAGOSO, op. cit., 1992,
p. 131-132).
Foto: Visitabrasil.com
Copyright © 1999-2013, «PRAVDA.Ru». No acto de reproduzir
nossos materiais na íntegra ou em parte, deve fazer referência à PRAVDA.Ru As
opiniões e pontos de vista dos autores nem sempre coincidem com os dos
editores.
Atividade nos
últimos dias:
**Este grupo foi criado com o intuito de promover releituras da HISTÓRIA DO
BRASIL e tão somente HISTÓRIA DO BRASIL. Discussões sobre a situação atual:
política, econômica e social não estão proibidas, mas existem outros fóruns mais
apropriados para tais
questões.
Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
Visite o Blog do nosso Grupo:http://www.grupohistoriadobrasil.blogspot.com
Por Favor divulguem este grupo e grato pelo interesse .
Visite o Blog do nosso Grupo:http://www.grupohistoriadobrasil.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.